Apesar de serem marcos da literatura no género épico-lírico, “Os Lusíadas” e “A Mensagem”  nunca tinham chegado aos leitores árabes, idioma que, com quase 300 milhões de falantes, é um dos mais falados em todo o mundo. As obras estão, a partir desta quinta-feira (13), traduzidas nesta língua, numa edição própria da Livraria Lello.

Abdeljelil Larbi, professor e tradutor. Foto: Facebook

O desafio, proposto pela Lello no âmbito das comemorações do seu 116.º aniversário, coube a Abdeljelil Larbi. O tunisino, em Portugal há 20 anos, é tradutor e professor de Língua Árabe e Literatura Árabe Contemporânea no Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa (ILNOVA).

“Pensei um pouco ao início, porque é um desafio enorme, mas aceitei logo a seguir”, conta Abdeljelil Larbi ao JPN, no dia em que são lançadas estas edições. O tradutor refere a importância de se traduzir os escritos de Luís de Camões e Fernando Pessoa para outro dos idiomas mais falados no planeta, uma vez que “são duas obras singulares na literatura portuguesa” que nunca tinham sido alvo de tradução para este mercado.

O desafio de traduzir um canto épico para uma língua “totalmente diferente”

Traduzir a linguagem de “floreados e simbolismos” destes textos foi “um grande desafio” para Abdeljelil Larbi, “especialmente” com “Os Lusíadas”. O professor conta que levou tempo para ler sobre a obra, para “formar” esta tradução. A escrita mais poética “não convém concretamente com o árabe”, que, em comparação com o português, é uma língua “com um sistema totalmente diferente”.

A preparação de vários meses “foi praticamente um estudo histórico”, em que leu e analisou o significado de passagens e descrições em contexto. O processo incluiu, ainda, a comparação com traduções em outras línguas, “nomeadamente as francesas”, para descodificar contextos e elaborar uma tradução “muito bem estudada”.

Certas partes do poema épico foram especialmente desafiantes. Larbi destaca o episódio dos Doze de Inglaterra, história narrada por Fernão Veloso, no canto VI (estrofes 42 a 49). “Não consegui compreender a história ao início, então, tive de ler sobre isto para encontrar uma tradução mais simples e que pudesse ser entendida em árabe. Esta foi uma das partes mais interessantes, porque foi fora do comum”, conta.

Com “A Mensagem”, de Fernando Pessoa, “não foi tão difícil”, comenta o professor. “Tenho contacto com a obra de Pessoa e já estão traduzidos outros livros para árabe”.

A literatura portuguesa a encontrar lugar no mundo árabe

O tradutor explica que “há muitas obras portuguesas que faltam traduzir”. As traduções de português para árabe ainda são poucas, mas o tradutor, por dentro do mercado editorial no mundo arábico, explica que os últimos 15 a 20 anos têm visto um aumento na procura. “Deixa-me realmente contente. Certas literaturas têm o seu momento de propagação e estou convicto que este é o momento da portuguesa no mundo árabe”, comenta

Antes do desafio relativo a estes lançamentos, Abdeljelil Larbi tinha já traduzido outras obras portuguesas. Destaca-se o “Memorial do Convento”, de José Saramago, uma “obra difícil de traduzir” que está a ser “um sucesso muito grande”. O livro foi publicado no final de 2020 pela editora Al Kamel, uma das editoras mais relevantes na publicação de literatura árabe contemporânea e de livros traduzidos, muitos deles com temas considerados tabu e censurados em certos países do mundo árabe.


Edição em árabe de “Memorial do Convento”, de José Saramago

O tradutor é também responsável pela tradução de “Vamos Comprar um Poeta”, de Afonso Cruz. Apesar de já ter sido publicado em 2016, o livro “é ainda um bestseller“.


Edição em árabe de “Vamos Comprar um Poeta”, de Afonso Cruz

Foi também responsável pela tradução de obras lusófonas como “O Vendedor de Passados”, de José Eduardo Agualusa, e a novela “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água”, de Jorge Amado. Além de obras, traduz artigos e outras peças. Em 2017, na revista literária árabe “al-Ḥawza al-Šaʻriyah” (“O Âmbito Poético”) publicou um artigo de Fabrizio Boscaglia, traduzido em língua árabe, sobre “Fernando Pessoa e a cultura arábico-islâmica”. Trata-se da primeira publicação em árabe sobre esta vertente da obra de Pessoa.

Neste momento, já prepara um novo projeto: a tradução de mais uma das principais obras de Pessoa, ainda mantida em surpresa pela editora. “Comecei há um mês e ainda estou muito no início. Não sei quanto tempo vai demorar [a ser publicado], mas está a caminho”, finaliza.

Além de integradas nas comemorações do aniversário da Lello, celebrado hoje, as edições em árabe de “Os Lusíadas” e “A Mensagem” fazem também parte das celebrações do dia de Portugal na Expo Dubai 2020, agendado para esta sexta-feira (14 de janeiro). O lançamento das traduções, um projeto conjunto da Livraria Lello com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), aconteceu em simultâneo entre o Porto e o Dubai, esta quinta-feira, com um evento de lançamento no Pavilhão de Portugal do evento.

Artigo editado por Filipa Silva