Coletivo de juízes do Tribunal de São João Novo, no Porto, determinou a "absolvição total" do presidente da Câmara do Porto do crime de prevaricação "por ausência de provas". Ministério Público vai recorrer. Rui Moreira não compreende porquê e insiste que houve um aproveitamento político do caso.
O Tribunal de São João Novo, no Porto, determinou a “absolvição total” do presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, “por ausência de provas”. A leitura da sentença sobre o caso Selminho, no âmbito do qual o autarca era acusado de favorecer a imobiliária da família em detrimento do município a que preside, decorreu na tarde desta sexta-feira (21) no tribunal.
A decisão final dos juízes foi a de absolver Rui Moreira “de um crime de prevaricação”, o único de que vinha acusado pelo Ministério Público (MP), que vai recorrer da decisão.
“O Ministério Público não conseguiu provar que Rui Moreira influenciou a resolução do acordo entre a Câmara do Porto e a Selminho”, declarou, esta tarde, a juíza Ângela Reguengo, no Tribunal de São João Novo.
A procuração é, no entender dos juízes, o único elemento de ligação de Rui Moreira ao caso, mas “analisada a prova não foi encontrado documento” que estabelecesse uma ligação entre o acordo com a Selminho e Rui Moreira.
“Não se prova que, na qualidade de presidente da Câmara do Porto, tenha tido qualquer intervenção e investido poderes que permitissem decidir sobre qualquer matéria”, afirma ainda o coletivo de juízes que consideram haver “manifesta falta de prova” de que “na qualidade de presidente da Câmara Municipal tenha tido qualquer intervenção” e “investido poderes que permitissem decidir sobre qualquer matéria”.
O tribunal considerou, também, que as testemunhas ouvidas foram claras ao dizer que em nenhum momento Rui Moreira as abordou para alienar o seu testemunho e os juízes dizem-se convictos que os serviços da autarquia envolvidos no processo estavam convencidos que o acordo com a empresa Selminho era o que melhor defendia os interesses do município.
O Ministério Público tinha solicitado ao coletivo de juízes a condenação de Rui Moreira a uma pena suspensa pelo crime de prevaricação e a uma pena acessória de perda de mandato.
Rui Moreira: “Hoje fez-se justiça”
À saída, visivelmente emocionado, o autarca assegurou que estava seguro relativamente ao desenlace do processo: “Sinto-me tranquilo. Não tinha dúvidas que este desfecho chegaria. Preferia que tivesse decorrido mais cedo”, declarou, deixando mais considerações para uma declaração que faria duas horas depois nos Paços do Concelho.
Aos jornalistas, o autarca fez, então, uma declaração que abriu e fechou com a mesma ideia: “Hoje fez-se justiça”. Rui Moreira agradeceu ao tribunal por não se ter “limitado a verificar que não havia prevaricação”, ao realizar uma análise do processo desde 2005 “para esclarecer que a posição do município foi sempre a mesma” e que sobre ela Rui Moreira não teve “qualquer intervenção”.
O autarca independente afirmou ainda que “sofreu muito” ao longo de todo o processo. Questionado sobre se achava que o processo tinha tido aproveitamento político durante a campanha eleitoral do outono passado, Rui Moreira respondeu que “o processo foi sempre político”. Confrontado sobre se com isso queria dizer que houve algum tipo de instrumentalização do Ministério Público, o autarca corrigiu, afirmando que, do que não tem dúvidas é de que “o processo foi aproveitado politicamente”. A isso, juntou também a hipótese de ter sido prejudicado nas urnas – recorde-se que o Movimento de Rui Moreira perdeu a maioria absoluta que tinha na câmara.
Ao Ministério Público, que “tinha um mês para analisar o acórdão” e decidiu na hora recorrer da decisão, Rui Moreira afirmou que o teor do pronunciamento dos juízes o deixa com a “certeza” que o Tribunal da Relação lhe dará também razão. Lamentou também que o MP tivesse recusado ouvir, em audiência prévia, o advogado do município, Pedro Neves de Sousa. “Esse simples facto tinha evitado que o meu nome fosse vilipendiado”, garantiu.
Um caso longo
Rui Moreira era acusado pelo Ministério Público de favorecer a imobiliária que é propriedade da família – a Selminho – em detrimento do município do Porto.
Recorde-se que a empresa adquiriu um terreno na escarpa da Arrábida, em 2001, e nele queria poder construir um edifício de apartamentos. A revisão de 2006 do Plano Diretor Municipal do Porto acabou por não prever direitos construtivos no terreno e a empresa avançou para tribunal exigindo uma indemnização à câmara. O processo arrastou-se ao longo dos anos até ao fecho de um acordo em 2014, meses depois de Rui Moreira ser eleito, pela primeira vez, presidente da Câmara do Porto.
Nesse acordo, a autarquia assumia o compromisso de reconhecer direitos construtivos no terreno no âmbito da revisão do PDM que se iniciaria em 2015, ou então, a pagar uma indemnização à empresa, decidida em sede de tribunal arbitral, se tal não viesse a suceder.
Onde alguns viram uma decisão da autarquia para prevenir a hipótese de ter de pagar uma elevada indemnização à empresa, outros, como o Ministério Público, viam uma mudança de posição da autarquia que terá lesado o interesse do município.
Rui Moreira admitiu ao tribunal, em dezembro, que foi “incauto” ao ter assinado uma procuração que deu ao advogado da autarquia poderes para representar o município nas negociações com a Selminho – advogado esse que tinha acompanhado o processo desde o início -, mas recusou liminarmente ter dado instruções em qualquer sentido no âmbito do processo. O governante disse ainda que se limitou a seguir a recomendação que lhe foi feita pelo então chefe de gabinete, Azeredo Lopes.
Artigo atualizado pela última vez às 18h45 do dia 21 de janeiro, com as declarações da conferência de imprensa de Rui Moreira dada ao final da tarde na Câmara Municipal do Porto.