O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, vai a julgamento responder pelos crimes de prevaricação e abuso de poder, acusado pelo Ministério Público de favorecer a imobiliária da família, a “Selminho” – da qual também é sócio – em detrimento do município. O autarca, que nega as acusações, pode perder o seu mandato, se for condenado.

A decisão instrutória da juíza Maria Antónia Ribeiro, revelada esta terça-feira (18) no Tribunal de Instrução Criminal do Porto (TIC), foi a de encaminhar o caso para julgamento criminal “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público (MP), segundo avançou a agência Lusa.

Rui Moreira reagiu à decisão, pelas 17h00, numa declaração dada à Imprensa nos Paços do Concelho, que não teve direito a perguntas dos jornalistas.

Rui Moreira reagiu ao final da tarde com a leitura de uma declaração na CMP. Foto: João Malheiro

O presidente da Câmara do Porto começou por assinalar que “nada de novo” resulta da decisão conhecida hoje: “Esta decisão, não me deu, nem tirou, razão. Pura e simplesmente remeteu a discussão para outro momento, e para outros juízes”, afirmou.

O autarca manteve ainda que está inocente: “é absolutamente inequívoco que não tive qualquer participação em qualquer processo em que estivesse envolvida a minha família e não tomei direta ou indiretamente, ou por qualquer interposta pessoa, qualquer decisão que alterasse a posição do Município em qualquer processo judicial”.

Em ano de eleições autárquicas, o edil do Porto, que ainda não confirmou publicamente se avança ou não na corrida por um terceiro mandato, fez questão de frisar que “este processo não interferirá na avaliação política” sobre a sua “recandidatura a Presidente da Câmara Municipal do Porto”. “Isto seria uma traição a tudo aquilo em que acredito, bem como àqueles que sempre me apoiarem e que têm estado ao meu lado”, referiu Rui Moreira acompanhado na declaração pelos vereadores eleitos pelo seu movimento em 2017.

O presidente da Câmara do Porto mostrou-se emocionado durante toda a conferência de imprensa e afirmou, no final, que aguentará “inabalável como o granito” a um processo que, insiste, é “completamente destituído de fundamento”.

Caso “Selminho”

O Ministério Público defendeu, no debate instrutório realizado a 29 de abril, que o autarca deveria ir a julgamento por alegadamente ter beneficiado a sua família, contrariamente ao interesse do município, no negócio dos terrenos localizados na escarpa da Arrábida.

“A única parte que ganhou com isto foi a Selminho. A Câmara [do Porto] não ganhou nada. O Dr. Rui Moreira atuou em benefício seu e da empresa da sua família e fê-lo contra a lei”, afirmou o procurador Nuno Serdoura durante o debate instrutório, citado pela agência Lusa.

Já a defesa de Rui Moreira, insistiu no debate instrutório, e de acordo com a mesma fonte, que o autarca não devia ir a julgamento, pois não há “prova direta” que mostre que Rui Moreira participou no processo Selminho e que todo o caso está assente “num processo de intenções, teorias e fabulações” do procurador do Ministério Público.

O advogado do presidente da Câmara do Porto ainda lembrou que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto tinha considerado não existir qualquer tipo de ilegalidade no processo.

A decisão instrutória

A juíza Maria Antónia Ribeiro considerou que “forma recolhidos indícios suficientes” de ter ocorrido a prática de crime de prevaricação, em simultâneo com um crime de abuso de poder. Como se pode ler na decisão, para a juíza é “solidamente previsível que, se submetido a julgamento” Rui Moreira seja condenado.

O TIC decidiu que o processo de instrução não trouxe ao Caso Selminho “qualquer elemento relevante suscetível de abalar os elementos probatórios recolhidos”. Maria Antónia Ribeiro afirmou que a “imagem de ligeireza” do atual presidente da CMP “não convence”, pois, segundo a juíza, o arguido “não ignorava nem podia ignorar” o historial de litígio entre a autarquia e a empresa da qual era sócio.

De acordo com a decisão instrutória, há “demasiadas coincidências, lapsos, distrações para vingar a imagem que quis passar de alguém pouco avisado ou atento”. Por isso, Maria Antónia Ribeiro considerou que Rui Moreira atuou sabendo “que agia em evidente violação do direito, no exercício da sua função como autarca“.

BE pede demissão, CDS reitera apoio

Em reação à decisão instrutória, a coordenadora do Bloco de Esquerda pediu a demissão de Rui Moreira. Referindo-se ao atual presidente da CMP, Catarina Martins disse que “não vale fazer de vítima, agora que vai a julgamento”.

Para a líder do BE, Rui Moreira não tem “condições para continuar no cargo” e recorda um episódio de 2017: “Perante o insuportável conflito de interesses, João Semedo propunha uma solução a Rui Moreira: anular o acordo entre CMP e Selminho. Rui Moreira preferiu o negócio à cidade“, afirmou no Twitter.

Por outro lado, o presidente do CDS-PP reiterou o apoio do partido a Rui Moreira. “É exemplar no cumprimento dos valores éticos na política e na intransigente defesa do interesse público. A sua liderança engrandeceu o Porto”, afirmou Francisco Rodrigues dos Santos.

“Reitero o apoio do CDS e confio que a Justiça vai reconhecer a conduta irrepreensível no exercício das suas funções”, concluiu no Twitter.

Artigo atualizado às 10h18 de quarta-feira com conteúdo da decisão instrutória e reações de líderes políticos

Artigo editado por Filipa Silva