Na Afurada, o São Pedro é rei e nasce das mãos do povo. O JPN foi até à freguesia gaiense conhecer a festa do padroeiro que lhe deu nome, e as suas gentes. “É a melhor festa de Portugal", garante-se por lá.
O vento era frio, mas os assadores ainda quentes antecipam o ambiente caloroso das ruas de São Pedro da Afurada. No topo da freguesia, vê-se o rio que abraça o palco, ponto de encontro durante estes 14 dias de romaria. Descendo pela direita, chegamos à igreja. Atrás de uma porta entreaberta, decorriam os preparativos para a procissão de domingo (dia 3).
Nascida e criada na Afurada, Maria de Fátima tem 71 anos e é a zeladora. Mesmo antes de o JPN ali ter chegado, magoou-se no pé, fez um curativo à pressa e o trabalho continuou. A paróquia tem dado muito que fazer e a afuradense nem tem tido tempo para ir à festa. Abriu-nos a porta da igreja para mostrar o andor de São Pedro, o padroeiro da festa, ainda despido de enfeites.
Entre a azáfama de telefonemas para o padre e a organização de uma procissão com 50 andores, relembrou os tempos de juventude. “Quando era nova não se fazia muita festa, agora é diferente com esta mocidade nova. E a Câmara também ajuda muito e o povo com os cartões e os restaurantes também ajudam”, conta.
Na direção oposta, ao descer uma escadaria, a visão fica limitada pela estreiteza das ruas. Subindo o olhar, a forma das armações decorativas destaca-se. São cavalos marinhos e búzios que iluminam as ruas em alusão à ligação dos pescadores à festa. Ao fundo da rua, avista-se um café onde o espírito do São Pedro parecia especialmente aceso. Sentado numa pequena mesa, António Vaz, o membro mais antigo da Comissão de Festas, recebeu-nos com boa disposição e muitas respostas sobre a organização da festividade.
A tradição diz que a festa é dos pescadores e, ainda hoje, têm um papel importante. Mas para António não chega. “Esta festa é dos pescadores, só que muitos não aderem a ajudar à festa. Há uns que aderem e há outros que não aderem. Os estabelecimentos daqui dão mais que os pescadores. Pede-se aos pescadores que ajudem com sardinha, mas não dão. […] Mas também são barcos que não pescam nada”, diz.
Mesmo os apoios dos estabelecimentos sendo superiores aos dos pescadores, a pandemia teve um impacto significativo no suporte financeiro. De acordo com o membro da comissão, em anos anteriores chegou a atingir a marca dos 40 mil euros. “Este ano, só deu 17 mil, foi muito muito menos, foi uma derrota muito grande”.
A festa não se deixa afetar e a adesão tem sido alta. “Deus me livre, aqui é tudo cheio, você não pode entrar nos dias de São Pedro”, garante António Vaz. Mesmo instalar os comerciantes não tem sido fácil. António Vaz é o responsável pela distribuição dos lugares dos carrosséis e das barracas e confessa não ter onde colocar as pessoas que o procuram. Dá uma solução peculiar: “só se for em cima da minha cabeça”.
De volta à rua, entre varandas decoradas a rigor, uma porta aberta para a cozinha de um restaurante fez-nos encontrar Domingos Magalhães, cozinheiro do “A Margem”. Estava nos preparativos para uns dias muito ocupados e o espírito acusa a estafa do trabalho. O horário estendia-se até às 23h00 e não lhe sobrava ânimo para ir para a festa. Com um tom descontraído confessou: “Estou cheio da festa […] quando sair daqui vou para casa, nem me quero divertir”.
Saímos à procura de ouvir outras vozes enquanto Domingos continuou na modelagem dos croquetes. Cá fora, à porta de uma casa, Natércia, Cristina e Eduarda tricotavam enfeites para decorar as varandas enquanto punham a conversa em dia. Sentadas em cadeiras de plástico e interrompidas pelo constante latir da cadela Mimi, tertuliavam sobre os dias de festa e as sardinhas assadas de todas as noites.
São fãs da procissão e Natércia, a mais faladora, confidenciou que gosta muito de “abanar o capacete”. Vive na Afurada há 52 anos e diz que esta é a melhor festa de São Pedro em Portugal. Se tivesse que definir a romaria numa palavra seria “rapioqueira” – que é como quem diz, festiva e alegre. Antes de prosseguirmos e num tom condizente com a atmosfera dos dias, presenteou-nos com uma quadra: “São Pedro um dia passou/Ao largo do nosso mar/Viu a Afurada, gostou/Ficou aqui a morar”.
Já mais perto do rio, rodeada por carrosséis, Leonor, uma jovem da Afurada, estava a trabalhar numa pequena roullote de “comes e bebes”. Diz que o negócio está a correr bem, mas a festa já não é a mesma: “Já se recuperou [o espírito], mas não tanto. Antes isto era cheio, completamente cheio”.
Ângelo Campota discorda. Conta que nem a chuva demoveu a festa: “estava tudo cheiinho”. O antigo pescador surgiu, como não podia deixar de ser, de perto dos barcos. Estava a vigiar um parque de estacionamento exclusivo para pescadores e moradores. Alternando entre conversas paralelas e a entrevista ao JPN, justificou a máxima popular do São Pedro como a melhor festa do mundo. É o sentido comunitário que o faz ser um apaixonado por esta festa, qualquer pessoa que passe por um grelhador na rua será convidada a juntar-se à sardinhada. E concluiu: “É a melhor festa de Portugal por ser uma freguesia tão pequenina e fazer uma festa destas”.
Em toda a freguesia o espírito comum é unificador e recetivo. A proximidade faz-se sentir em cada rua e em cada palavra. Depois de um ano de preparativos, o regresso não deixou a desejar e, para os locais, é claro: não há São Pedro como o da Afurada.
A festa de São Pedro começou na passada quinta-feira (23 de junho) e prolonga-se até à próxima segunda-feira (4 de julho). Esta terça-feira, dia 28, sobem ao palco o gaiense Deau e Julinho KSD, rapper de Mem Martins. Amanhã, 29 de junho, o Dia de São Pedro será marcado pela missa às 18h00 e uma noite de fados com o concerto especial de Luís Trigacheiro. O fogo de artifício será da meia-noite de sábado para domingo e a Majestosa Procissão às 16h00 de domingo (dia 3).
O encerramento da festa está marcado para segunda-feira com direito a fogo de artifício e atuação de Augusto Canário & Amigos.
Artigo editado por Filipa Silva