Desde que reabriu, a 14 de abril, depois de quase ano e meio em obras de remodelação, o tabuleiro inferior da Ponte D. Luís só pode ser atravessado por transportes públicos, velocípedes e peões.

Há, contudo, muitos condutores de carros particulares e de TVDE que, por distração, desconhecimento ou discordância face às regras, a atravessam diariamente, infringindo as regras de circulação.

A realidade estava à vista de todos, como registou uma reportagem do JPN publicada em maio. Na altura, muitos comerciantes e residentes manifestavam opiniões divididas, entre os que criticavam a falta de fiscalização e os que se queixavam das “voltas desgraçadas” que tinham de dar para fazer a ligação entre as zonas ribeirinhas do Porto e de Gaia.

A Câmara Municipal de Gaia quer agora minimizar o problema e “maximizar a utilização da infraestrutura”. Por isso, vai votar na segunda-feira (31), na reunião do Executivo camarário, uma proposta de alteração que alarga a possibilidade de uso do tabuleiro inferior a todos os veículos entre as 20h00 e as 06h00.

A autarquia planeia ainda na proposta, a que o JPN teve acesso, instalar um sinal de trânsito vertical em oito pontos estratégicos para informar antecipadamente os condutores de que o tabuleiro da ponte é reservado a velocípedes e transportes públicos entre as 06h00 e as 20h00.

De acordo com o documento que vai na segunda-feira a votação, os municípios do Porto e de Gaia fizeram várias reuniões a propósito desta questão. Do lado de Gaia, diz-se que ainda não receberam “a validação formal da aceitação do horário em que se pretende manter a restrição”, mas ressalva-se que a nova regra “mereceu a concordância dos dois municípios.”

Mais de 900 veículos não autorizados num só dia

A alteração agora proposta teve por base contagens reais de veículos e pessoas a atravessar o tabuleiro inferior da Ponte D. Luís. A operação ficou a cargo dos serviços da Câmara Municipal do Porto e ocorreu em dias úteis e sábados para avaliar o fluxo da ponte, hora a hora, nos dias 10 e 12, durante o dia, e nos dias 17 e 19 de junho, à noite.

A conclusão a que se chegou é que “se verifica uma considerável redução do tráfego pedonal a partir das 20h00.” O mesmo se passa com os velocípedes, que circulam mais de manhã, e com os transportes públicos, mais frequentes ao final da tarde.

As contagens permitiram também verificar o grande volume de infrações. No dia 10 de junho, que era sábado e feriado – num fim de semana prolongado e no qual foi realizado o Primavera Sound -, os serviços da CMP contabilizaram a passagem de 925 veículos não autorizados na ponte, entre as 07h00 e as 21h00.

Na segunda-feira seguinte, 12 de junho, foram 537 veículos não autorizados no mesmo período.

Apesar das novas regras, a circulação de veículos ligeiros de passageiros continua a verificar-se no tabuleiro inferior da Ponte D. Luís.

Peões, também são muitos: mais de 50 mil pessoas atravessaram a ponte a 10 de junho, número que baixou para os 10 mil na segunda-feira seguinte. O período de maior concentração de pessoas na ponte é o final da tarde, entre as 18h00 e as 20h00, de acordo com esta amostra.

Falta alternativa rodoviária à cota baixa

Localizada no coração do Centro Histórico do Porto e de Gaia, a Ponte D. Luís é atravessada diariamente por milhares de pessoas. O fluxo tornou-se ainda mais intenso nos últimos anos, a reboque do enorme crescimento turístico observado nas duas cidades.

No tabuleiro superior, a circulação é, desde 2005, exclusivamente feita pelo metro e por peões. No tabuleiro inferior, a vontade dos dois municípios passa por acabar com a circulação de automóveis.

As câmaras do Porto e de Gaia aproveitaram, assim, as obras de remodelação que a Infraestruturas de Portugal fez na ponte – entre outubro de 2021 e abril de 2023 – para impor restrições à circulação automóvel depois da reabertura ao trânsito. Desde 14 de abril, que só podem atravessar a ponte transportes públicos e veículos prioritários, além de velocípedes e peões.

O problema é que continua a faltar uma alternativa rodoviária de ligação das duas cidades à cota baixa.

Foi nesse sentido que, em 2018, os dois municípios anunciaram a criação da Ponte D. António Francisco dos Santos, uma ponte municipal rodoviária que ia ser construída entre as pontes de São João e do Freixo, mais concretamente entre Quebrantões, em Gaia, e a Avenida Paiva Couceiro, no lado do Porto.

Imagem apresentada na primeira apresentação da ponte D. António Francisco dos Santos, anunciada em abril de 2018. Foto: D.R.

Depois de vários atrasos, o concurso internacional para a construção e conceção da ponte foi lançado em junho de 2021 e previa-se que a ligação estivesse pronta em 2026, mas o projeto terá caído por terra. Isto porque, em setembro de 2022, a Infraestruturas de Portugal surpreendeu os municípios com uma alternativa: aproveitar a ponte ferroviária que o Estado vai construir sobre o Douro para acolher o TGV e acrescentar-lhe um tabuleiro inferior que faça a ligação que a D. António Francisco dos Santos faria, com a vantagem de não onerar as câmaras.

A nova infraestrutura, orçada em 100 milhões de euros, é agora a opção mais provável para dar uma alternativa à cota baixa a portuenses e gaienses. O horizonte dessa alternativa é que volta a derrapar: a ponte do TGV não deverá ficar pronta antes de 2028.