Em 2017, um grupo começou a reunir-se de forma despretensiosa para assistir a jogos do Flamengo, na zona do Porto. Seis anos depois, o grupo cresceu e tornou-se uma "família". O JPN foi conhecer a embaixada Fla-Porto, um projeto do Flamengo que continua a provar que o futebol jamais será só futebol.

O desporto estabelece, sem dúvida, um grande elo entre as pessoas. Aqueles que têm paixão por uma modalidade dificilmente a conseguem pôr de lado, seja pela prática desportiva ou porque a acompanham nos recintos e pela televisão.

O futebol em particular, como desporto mais popular do mundo, une pessoas de todas as raças, credos e ideologias. Quão comum é alguém estar num estádio e abraçar uma pessoa que jamais viu na sua vida ao ver o golo da equipa pela qual torce?

A verdade, porém, é que quando se está emigrado torna-se complicado continuar a ver jogos ou a seguir com tanto interesse o clube do coração, tanto por causa da diferença de fusos horários como pelas dificuldades de acesso às transmissões das partidas.

Contudo, há aqueles que sacrificam um pouco do seu sono ou tempo para se dedicarem a estar conectados com o desporto que amam e com pessoas que partilham desse sentimento. É o caso das “embaixadas” e “consulados” de clubes de futebol do Brasil que, nos últimos anos, nasceram um pouco por todo o mundo.

Embaixadas flamenguistas são ponto de encontro de imigrantes brasileiros

A Fla-Porto inspira-se nesta ligação quase umbilical que aproxima pessoas que, sendo oriundas de todos os lugares do Brasil, têm em comum o facto de serem apoiantes do Flamengo e morarem no Porto. O grupo reúne-se atualmente no Académico Bar, na Rua de Costa Cabral, próximo da estação de metro do Marquês.

Os “torcedores” do Flamengo têm um ponto de encontro na Embaixada Fla-Porto. Foto: Guilherme Amaral/JPN

Renato Fernandes, um dos fundadores e primeiro embaixador da história da Fla-Porto, explica ao JPN que o projeto surgiu em 2017, após um grupo se juntar para acompanhar os jogos e a adesão começar a crescer rapidamente. “Procurámos informações junto do clube de modo a formalizar uma ligação mais direta”, aponta Renato.

Daniel Rosenblatt era dirigente do Flamengo quando se deu o processo de formação da embaixada. À época, Rosenblatt deslocou-se até ao norte de Portugal. “Queria ver o jogo do Flamengo e fiquei sabendo de um grupo que se reunia em Matosinhos”. Ao perceber que o grupo era coeso, surgiu a ideia de oficializar junto do clube a criação da embaixada, que só mais tarde se transferiu para as instalações atuais, no Porto. 

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Renato Fernandes afirma que a intenção é estabelecer uma ligação mais direta com a formação rubro-negra, mas isso não implica qualquer benesse por parte do Flamengo, além do reconhecimento. “Isso é algo que, quem faz parte do projeto, tem debatido”, com objetivo de introduzir “uma melhoria”. 

Yannes Lima, que preside atualmente à embaixada portuense, conta que tudo nasceu com o intuito de juntar pessoas que têm a mesma paixão pelo clube e que, além disso, podem ajudar-se mutuamente.

A Fla-Porto é uma das embaixadas flamenguistas que “reúne mais pessoas no mundo”, fruto da grande vaga de imigração brasileira na cidade, garante o dirigente. “Esse projeto é muito importante para aqueles que estão começando a sua jornada no exterior”, pois permite “criar relações” que podem abarcar o lado profissional ou mais pessoal – “é uma espécie de família, mesmo”, acrescenta.

Flamengo tem representação internacional em 20 países

O projeto “Embaixadas e Consulados do Flamengo” é de autoria do próprio clube. No site oficial, o clube explica que o programa nasceu de movimentos espontâneos de “torcedores” que se juntavam para assistir aos jogos em diversos lugares do Brasil e do mundo.

A formação carioca conta hoje com mais de 400 embaixadas e consulados espalhados por diversos estados do Brasil e em vinte países do exterior. Nascidas como “Embaixadas da Nação”, em 2008, o crescimento da iniciativa foi rápido, até atingir a dimensão que tem hoje.

Face ao desenvolvimento, foi criada, em 2019, pela administração do Flamengo, a vice-presidência de “Embaixadas e Consulados”, para que houvesse um responsável específico para tratar apenas das torcidas espalhadas pelo mundo.

Portugal conta com três embaixadas e um consulado do Flamengo: as embaixadas Fla Portugal-Lisboa, Fla-Braga e Fla-Porto e o consulado Fla-Cascais. No caso concreto da Fla-Porto, ela foi acreditada como consulado em 2017, quando Maurício Gomes de Mattos, na altura vice-presidente geral do clube carioca, veio a Portugal para uma conferência organizada pelo Sporting Clube de Portugal, onde foi convidado a falar sobre o projeto (ver vídeo abaixo).

A embaixada como meio de coesão social

Engana-se, porém, quem pensa que o projeto é apenas para assistir a futebol. Um dos membros da Fla-Porto, Marcos Corrêa, conhecido como Marquinho, disse que encontrou a embaixada pela internet um pouco antes de vir para a Portugal. Marquinho elogiou a receção que obteve ao chegar à primeira reunião.

“É o meu Maracanã [estádio onde o Flamengo disputa os seus jogos] em Portugal! Ajudou-me a matar a saudade do meu Rio de Janeiro e fiz excelentes amigos aqui. Esse último é o ponto principal!”, afirma.

Marquinho ressalva que, na sua opinião, a embaixada é muito mais do que um projeto sobre futebol – é também sobre conexões entre pessoas: “Sem a embaixada, minha vida seria muito diferente. Acho que teria muita dificuldade em ter amigos”. Sem a Fla-Porto “estaria mais afastado das minhas origens”, explica o torcedor.

Já Yannes Lima conta que chegou à embaixada após um amigo brasileiro (que torcia para um clube rival) o informar da existência da claque. Por meio dela, o atual embaixador da Fla-Porto conseguiu ajuda num momento de muita necessidade.

A aceitação do cargo de presidente da Fla-Porto, após a saída de Renato Fernandes, explica Yannes, foi uma forma de retribuir o que o projeto o ajudou a conseguir: “É um suporte necessário para todo o imigrante que chega aqui, restaurar o sentido de comunidade”. A ação social também faz parte do programa de Embaixadas. A Fla-Porto já realizou diversas doações de alimentos e de roupas, e outras estão programadas para o futuro.

Assim, a ligação com o Clube de Regatas do Flamengo é de extrema importância para aqueles que frequentam a embaixada. Foi isso que os trouxe em primeiro lugar às instalações onde a Fla-Porto se reúne.

Porém, o que os mantém unidos é uma sensação de pertença e de fazerem parte de uma comunidade que ultrapassa o próprio clube. É como se, ao entrarem naquele lugar, todos ali fossem amigos há já muitos anos. 

Muitos podem não entender como o futebol é capaz de ligar as pessoas desta forma, mas é inegável o caráter social do desporto. À custa do desporto-rei, muitos fazem amigos para a vida no estádio, conhecem o futuro cônjuge ou, pelo contrário, jamais se veem novamente.

As embaixadas rubro negras seguem o mesmo princípio e, no que depender da Fla-Porto, a comunidade sempre será tão importante quanto o futebol.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro