Durante o Thinking Football Summit, no passado fim de semana, Tomás da Cunha e Luís Vilar falaram com o JPN sobre o panorama do comentário desportivo em Portugal. Dois comentadores, de gerações e áreas diferentes, falaram das polémicas, do impacto das redes sociais e de uma vertente de comentário cada vez mais popular: a análise tática

Luís Vilar é comentador desportivo na CNN Portugal Foto: Tomás de Almeida Moreira

Luís Vilar é uma cara conhecida no mundo do comentário desportivo nacional. O comentador da CNN Portugal é também professor na Universidade Europeia, mas já trabalha na comunicação social desde 2013. Já Tomás da Cunha é analista e comentador de futebol na Eleven Sports, rádio TSF e na Tribuna Expresso. Ganhou notoriedade com as suas opiniões e análises através da sua conta no Twitter, onde é ativo regularmente. Com formação em Jornalismo, o jovem analista tem também experiência como treinador.

Ambos marcaram presença no  Thinking Football 2022, que de 18 a 20 de novembro encheu a Super Bock Arena de discussão e reflexão sobre futebol e todo o universo que o rodeia. Os dois comentadores conversaram com o JPN à margem das conversas que protagonizaram ao longo da programação do evento e concordaram que o paradigma do comentário futebolístico em Portugal tem sofrido grandes mudanças nos últimos anos.

Uma das principais mudanças tem sido motivada pelo maior acesso à informação por parte dos espetadores. Para Tomás da Cunha, quem vê futebol têm, atualmente, “muito mais informação e conhecimento do que há 20 anos”. “Se o comentador não se atualizar, vai acabar por ter dificuldades de afirmação, de rigor, e vai ser questionado, porque há pessoas em casa que sabem tanto ou mais do que o próprio”, acrescentou.

Luís Vilar sublinha a importância de um comentador “fundamentar a opinião com factos e com ciência”. Para o comentador da CNN Portugal, “as pessoas têm de discutir factos, não têm de discutir a opinião”.

Nesse sentido, o maior nível de conhecimento dos comentadores tem de passar pelo “lado mais analítico, o lado da história, o lado do conhecimento dos jogadores, e do treinador, da forma mais aprofundada possível”, destacou Tomás da Cunha. O jovem analista prevê que a exigência da sua profissão suba de nível no futuro: “Creio que daqui a 10 anos será ainda mais exigente esta tarefa”.

No que ao clubismo diz respeito, Luís Vilar acredita que os programas com comentadores assumidamente afetos aos “três grandes”, formato maioritariamente extinto, era menos prejudicial para a discussão sobre futebol português do que o panorama de debates atual: “Eram programas onde sabias que estavas a ouvir um mensageiro do Benfica, do Sporting ou do Porto. O problema é que agora não sabes se estás a ouvir a narrativa dos clubes.”

O comentador da CNN identifica um problema com alguns comentadores “influenciados de forma não oficial”, porque “querem vir a ter qualquer influência junto do clube. Aí, deturpam informação e a qualidade do seu trabalho.” Para Luís Vilar, as influências dos clubes prejudicam a imagem dos comentadores: “isso deixa-nos mal a todos, é um bocadinho com esses que eu vivo mal, porque denigre o meu hobby de comunicar”.

O realidade do comentário desportivo mudou com o crescimento das redes sociais

Quanto ao impacto das redes sociais no comentário desportivo, os dois comentadores abordaram de forma distinta o assunto.

Por um lado, Tomás da Cunha destacou a maior exposição mediática que teve através da sua conta no Twitter. Segundo o próprio, a rede social abriu portas para outros meios: “Se não fosse o Twitter, talvez ainda não conseguisse ter acesso a um canal televisivo.

Tomás da Cunha começou a analisar futebol no Twitter. Hoje é trabalha na Eleven Sports, TSF e Tribuna Expresso Foto: Tomás de Almeida Moreira

O comentador da Eleven Sports referiu que muito do potencial dos jovens aspirantes a analistas está nas redes sociais: “É muito importante que se use TikTok, Twitch, ou Youtube, porque com a quantidade de plataformas para partilhar conhecimento torna-se mais fácil ter visibilidade do que há uns anos. Creio que esse é o grande potencial de qualquer jovem atualmente. Não precisas de estar na televisão para seres conhecido e isso é uma grande vantagem que não existia há alguns anos”, acrescentou.

Luís Vilar, por outro lado, falou dos limites da opinião e dos desafios de lidar com a crítica nas redes sociais, que deixou de utilizar. “Vivemos numa era onde as redes sociais predominam, onde as pessoas fazem um corte antes e um corte depois e muitas das vezes são críticos sem perceber ou estudar a opinião”, afirmou.

O professor universitário sublinhou ainda que gosta do contraditório, desde que seja “baseado em factos”, o que não é comum devido à “pouca cultura desportiva” em Portugal: “ Nós temos um problema em Portugal, que é a pouca cultura desportiva que temos, e acho que os comentadores têm um papel a desempenhar nesse sentido.

Como desejo para a evolução do comentário futebolístico, o comentador gostava que o comentário desportivo fosse “menos clubista e que houvesse uma maior articulação com os stakeholders, com os clubes, com a liga e com a federação, para que se conseguisse educar o espectador.”

Relativamente ao comentário durante os jogos, Tomás da Cunha distinguiu os estilos de comentário dos antigos jogadores dos de comentadores que nunca jogaram futebol: “ O ex-jogador foca-se muito mais em pequenas questões do jogo, da picardia, do duelo, da experiência que aquele jogador teve naquele exato momento. Tentam, no fundo, transportar aquilo que foram para o comentário.”

O problema, na visão de Tomás, é principalmente de “comunicação” e de “menor disponibilidade para ver futebol”: “É mais fácil, para quem está fora do meio, acompanhar a Liga Inglesa, a Liga Espanhola, ou a Liga Italiana há 20 anos do que um jogador. Obviamente o Ronaldo não está em casa todos os dias a ver a Liga Inglesa”, afirmou.

O analista referiu ainda que a escolha de antigos jogadores para o lugar de comentador, pode servir para apelar a espectadores mais velhos: “ Sobretudo em canais generalistas, a imagem de um ex-jogador muito conhecido acaba por ser relevante para as gerações mais velhas. Para as gerações mais novas, não me parece que isso seja importante”, referiu.

Artigo editado por Fernando Costa