O novo 3R Knowledge Center (3RKC) surge sob a alçada do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Em 2020, devido à pandemia, verificou-se uma diminuição na utilização de animais para fins científicos, mas a Cruelty Free Europe defende que é preciso ir mais longe.

Em 2020, foram realizados na Europa mais de sete milhões de testes em animais. Foto: Anna Marchenkova via Wikimedia Commons Creative Commons Attribution 4.0 International

No final do mês de abril, o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3s) lançou a criação do primeiro 3R Knowledge Center (3RKC) em Portugal

O principal objetivo do centro é diminuir a utilização de animais em testes científicos. O 3RKC dedica-se assim à investigação no âmbito da política dos 3Rs: substituição (replacement) da utilização de animais por meios alternativos, redução (reduction) do número de animais utilizados na investigação científica e refinamento (refinement) dos procedimentos científicos que envolvem animais, tendo em vista a minimização do seu sofrimento, dor ou danos permanentes.

Em declarações ao JPN, a investigadora principal do projeto, Anna Olsson, explica que o 3RKC é uma oportunidade para “condensar sob um mesmo ‘teto’ todas as iniciativas que decorrem por todo o país nesta área, criando um ‘hub’ de informação”.

Olsson ressalva, porém, que no que concerne à substituição “não estamos a falar em acabar com o uso de animais“, mas de dar passos para que as investigações possam “usar métodos não animais”.

A substituição total dos testes em animais por processos alternativos, para além de ser algo que estamos longe de atingir, pode não ser benéfico: “Não existem métodos de substituição para tudo”, esclarece a cientista. “É em circunstâncias que não precisamos de toda a complexidade do organismo vivo que existe grande potencial de substituição”.

Há mesmo casos em que a substituição por completo da experimentação em animais não é desejável. Anna Olsson dá o exemplo do ensino de medicina veterinária, em que o “veterinário tem de aprender a trabalhar com animais vivos”.

Além disso, no caso de estudos sobre animais selvagens “captar animais para poder tirar amostras e avaliar a saúde da espécie é muito importante para as próprias populações de animais”.

A iniciativa foi anunciada nos dias 26 e 27 de abril, num evento sobre a redução da experimentação animal, que reuniu no i3s investigadores de várias áreas científicas. Segundo Olsson, um dos objetivos do 3RKC será fomentar sinergias entre os vários campos da ciência, “partindo de um contexto de investigação em biomedicina, mas não se ficando por aí”.

O centro de conhecimento funcionará, numa fase inicial, como um espaço de educação e formação que “levará à criação de competências diretas para trabalhar com uso de animais de uma forma mais respeitadora do seu bem-estar”, aponta Anna Olsson.

Para além disso, existirão também atividades formativas dedicadas à vertente conceptual, com o intuito de “discutir os diferentes modelos, as diferentes abordagens e quais as suas vantagens e limitações”, acrescenta.

A prática dos 3Rs já se encontra bastante incorporada na prática científica portuguesa e, por isso, o trabalho do 3RKC não “parte do zero”, diz a investigadora. Os cientistas portugueses têm adquirido reconhecimento internacional pela criação de métodos inovadores que substituem os animais e reduzem o impacto sobre os mesmos na investigação.

Olsson destaca o trabalho do investigador do i3s, Daniel Ferreira, que foi agraciado com o International 3Rs Prize Award do National Center for the 3RC, “o prémio com mais prestígio na Europa dado a um artigo ou descoberta científica na área”.

Total de animais utilizados diminuiu devido à Covid, mas ONG consideram resultado insuficiente

No início de Abril, a Comissão Europeia lançou um relatório estatístico sobre a utilização de animais para propósitos científicos, relativamente ao ano de 2020. Este relatório conta com informações dos países da União Europeia (UE-27), bem como da Noruega.

De acordo com os dados estatísticos, o ano de 2020 foi o primeiro em que o número total de animais utilizados para investigação científica ficou abaixo dos oito milhões, atingindo 7.938.064 animais. Esta redução deve-se, sobretudo, ao cancelamento ou suspensão de investigações devido à pandemia Covid-19.

Todavia, o texto denota alguns aumentos na utilização de espécies como peixes e anfíbios, para investigações ligadas à proteção de ecossistemas, mas também aumentos na utilização de novas espécies de animais para criar ou manter colónias e novas linhas genéticas. Ademais, o relatório indica que, no que diz respeito à utilização de ratos, registou-se um aumento de 12%.

Organizações não-governamentais como a Cruelty Free Europe (CFE) reagiram ao relatório da Comissão Europeia. Num comunicado de imprensa, a ONG declara que a diminuição do número de animais utilizados para investigação é pequena e apela ao aumento dos esforços para reduzir os testes em animais, que se mantêm acima dos 7.3 milhões.

A CFE faz uma leitura distinta da que é apresentada pela Comissão Europeia. Realça que o decréscimo nos testes em animais, tendo em conta a pandemia Covid-19, deveria ter sido mais significativo e acrescenta que o aumento de 12% na realização de testes quando existem outros procedimentos disponíveis é preocupante.

Fiscalização em Portugal: é preciso dotar organismos dos “meios necessários”

Segundo o relatório da Comissão Europeia sobre o tema, Portugal registou uma diminuição de 20,43% relativamente a 2019. Em 2020 foram usados 65 966 animais para investigação científica. A redução resulta, em grande parte, da suspensão e cancelamento de investigações durante a pandemia, acompanhando a tendência da União Europeia.

equipamento científico em funcionamento num laboratório

Utilização de animais na investigação científica diminuiu na Europa durante a pandemia de Covid-19.

A falta de meios e de regulamentação ética dos testes em animais é um tema que tem vindo a ser discutido em Portugal nos últimos anos. Desde 2015, o número de animais utilizados para testes tem vindo a aumentar exponencialmente.

Partidos como PAN, BE e PCP já levaram ao Parlamento propostas de regulamentação que previam a criação de uma comissão independente de fiscalização dos testes em animais. Estas propostas nunca saíram do papel e a Comissão Nacional para a Proteção dos Animais Utilizados para Fins Científicos, ao abrigo da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) é o único órgão de regulamentação existente.

Quando questionada pelo JPN sobre a relevância da criação de um órgão independente para a fiscalização dos testes em animais, Anna Olsson foi taxativa. Declara ser mais importante “dotar o organismo responsável de meios suficientes”, em vez de “criar novos organismos, correndo o risco de distribuir um orçamento de estado muito limitado por várias entidades, acabando por ter um uso menos prudente da verba limitada que existe”.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro