Depois da estreia mundial no Festival Annecy de 2022, a primeira longa-metragem em stop-motion portuguesa chega aos cinemas esta quinta-feira (22). “Os Demónios do meu Avô”, da autoria de Nuno Beato, vai estar presente em 37 salas nacionais.
O filme combina animação 3D e stop-motion e custou cerca de 3 milhões de euros. Surge de uma coprodução entre Portugal, Espanha e França, contando com apoios e financiamento dos três países.
Ao JPN, Nuno Beato, realizador e produtor, esclarece que a fita reflete “as relações humanas e a necessidade que temos delas”. Fala sobre perda, mas vai além da sua representação; retrata a consciência de que, muitas vezes, “é quando perdemos alguém que nos apercebemos de que o tempo que podíamos ter passado com aquela pessoa acabou por não acontecer, porque fomos consumidos pelo ritmo do dia a dia”, explica.
A ação toma lugar em Trás-os-Montes e, segundo o cineasta, carrega um leque variado de influências da cultura portuguesa. “Na pesquisa dei de caras com os caretos e, obviamente, quis pôr essa forma de representação de demónios no filme. Depois, mais tarde, no Minho, encontrei o trabalho da ceramista Rosa Ramalho, que achei perfeito para a representação dos demónios”, conta. E remata: “Sem dúvida que temos este lado muito português ao ir buscar estes autores populares, que só acrescentam”.
Com argumento de Possidónio Cachapa e Cristina Pinheiro, o projeto foi longo e passou por várias etapas. Os primeiros tempos foram dedicados à criação do guião, com a realização de vários estudos e estruturações, tanto a nível de história como no estilo a seguir. Depois, deitaram-se as mãos ao trabalho. “Foram cinco anos no total [para montar o filme], onde os primeiros três foram dedicados a pré-produção e construção de cenários e personagens. Depois tivemos aproximadamente um ano de filmagens, e o resto do tempo acabou por ser pós-produção, o que totalizou sete anos de trabalho”, adianta Nuno Beato.
Tanto as personagens como os cenários foram construídos em barro – e animados frame a frame. O processo é lento, tendo aproximadamente 12 sets de animação a funcionar ao mesmo tempo. Os seis animadores presentes em estúdio conseguiam animar apenas 4 segundos de filme por dia, num modo de experimentação. “Mexe-se um pouco na personagem, fotografa-se, mexe-se mais um pouco, volta-se a fotografar – isto com cerca de 12 a 24 fotografias por segundo”, conta o realizador.
A banda sonora é dos Gaiteiros de Lisboa, baseada nos cantos transmontanos tradicionais. No elenco constam vozes familiares (e portuguesas) como as de Victória Guerra, Ana Sofia Martins e Nuno Lopes. Já a vertente transfronteiriça da história juntou Celso Bugalho, ator espanhol, à equipa.
É igualmente a paleta cromática que guia a história, separada em dois momentos distintos. Segundo o produtor, se numa primeira fase, dominada pela animação em 3D, a produção joga com cores planas, sólidas e muito mais frias, na segunda, em stop-motion, são utilizados os tons quentes e terroso – que nos remetem, exatamente para a ideia de “voltar à nossa terra”. Não são escolhas feitas ao acaso e servem para “acrescentar algo à narrativa”, completa Nuno Beato.
Numa perspetiva pessoal do realizador, entre os principais desafios de fazer uma longa-metragem em stop-motion consta a coordenação de grandes equipas. “Temos de tomar decisões muito mais rapidamente. As equipas são muito maiores e é preciso dar resposta de forma muito mais imediata, portanto é preciso uma pré-produção muito maior e mais eficaz. Até porque o ritmo de trabalho é muito mais acelerado”, afirma.
Ao JPN, Nuno Beato mostra-se expectante pela reação do público português. “Já tivemos nomeações de vários países, portanto, para primeiro filme de animação stop-motion português, acho que está a ser muito positivo”.
“Os Demónios do meu Avô” já esteve em exibição em vários festivais nacionais e internacionais. Arrecadou o prémio de Melhor Banda Sonora Original, no Caminhos Film Festival, em Portugal; o Grande Prémio Competição Internacional Longas-Metragens, no CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação, em Portugal e a Menção Especial para “Bper Green Future Prize, no Future Film Festival, em Itália.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira