O processo de criação do Instituto da Língua e Cultura Mirandesa avançou na semana passada, depois de um despacho publicado no Diário da República. O JPN falou com o vice-presidente da Associação de Língua e Cultura Mirandesa, Orlando Teixeira, sobre a importância deste projeto.

O Instituto de Língua e Cultura Mirandesa (ILCM) está mais perto de se tornar uma realidade. Um despacho publicado no Diário da República na última sexta-feira (2) determinou a formação de um grupo de trabalho que vai ter a missão de criar o organismo. Este grupo é liderado pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), em representação do Estado, e constituído pela autarquia, Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, Associaçon de la Lhéngua I Cultura Mirandesa – Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM), representantes do Património Cultural, da Direção-Geral da Educação (DGE) e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. 

O despacho define também a dotação a ser atribuída ao instituto, que pode ir até aos 200 mil euros, o dobro do valor pedido na proposta inicial. O mirandês é a segunda língua oficial de Portugal há 25 anos, desde que, a 29 de janeiro de 1999, foi aprovada a lei que reconheceu os direitos linguísticos da comunidade mirandesa. 

A par da lei, foi publicada uma convenção ortográfica e, neste momento, o ensino do mirandês está a crescer: 78% dos alunos do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro aprendem voluntariamente o mirandês. No entanto, continua a haver falhas na proteção da língua mirandesa. A ALCM há muito que defende a criação do Instituto de Língua e Cultura Mirandesa, proposta submetida no Parlamento pelo deputado do Livre, Rui Tavares, e aprovada na discussão do Orçamento do Estado para 2023. Agora, ao que o despacho indica, vai sair do papel. 

Faltam professores de mirandês

Ao JPN, Orlando Teixeira, vice-presidente da ALCM, explica que a missão do grupo será “elaborar uma estratégia de proteção e promoção da língua mirandesa” e, mais tarde, um “plano de implementação da unidade orgânica para operacionalização da estratégia”.

A associação já apresentou “carreirones”, palavra que deriva do mirandês e significa “propostas” para a língua mirandesa, explica Orlando Teixeira. Com a criação do Instituto, será possível continuar a desenvolver parte dos projetos que a associação já tem no terreno: “um Centro de Documentação, com um arquivo de memória e uma biblioteca em mirandês; uma Casa da Língua. Além de preservar o passado, documentar o presente e publicar o futuro, com uma série de propostas ligadas à publicação de livros, mas também coleções”, exemplifica o mirandense.

Algumas obras já publicadas em mirandês. Foto: Nádia Neto

Para Orlando Teixeira, o mais importante da criação do Instituto é ajudar “a fazer recolha e guardar um corpus para investigadores, para preservar a própria língua”. 

O mirandês está em perda de falantes, a par da perda de população. Há cada vez menos famílias a transmitir o mirandês aos filhos em casa. Orlando Teixeira explica que é crucial que isto mude. “Todas as crianças aprendem a falar antes de ir para a escola. Se os pais não falam mirandês, é mais difícil. Temos de ter pais falantes para que as crianças aprendam mirandês.”

Neste contexto, a escola é cada vez mais importante e o futuro instituto poderá ter aí uma palavra a dizer. “Um dos problemas que nós temos em Miranda do Douro é a falta de professores. É como a história do ovo e da galinha. Enquanto não houver alunos, não há professores, mas enquanto não houver professores, não podemos abrir vagas para alunos. Portanto, tem que haver uma estratégia comum aqui. Creio que no instituto também haverá continuação para isto. Terá que haver.”

Outro dos objetivos do instituto será transformar o modo de ensino. Este ano, pela primeira vez, o mirandês faz parte do currículo do primeiro ciclo do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro. Orlando Teixeira afirma que o objetivo é que a disciplina seja integrada também nos outros ciclos. No futuro, querem ir ainda mais longe: Gostaríamos de ter um ensino bilingue, que já acontece em todo o mundo. Os estudos indicam que ser bilingue permite um desenvolvimento cognitivo muito mais avançado, uma flexibilidade mental muito melhor. Permite melhorias na leitura, na escrita, na matemática e uma sensibilidade cultural que, de outra forma, não acontece”, declara ao JPN.

As aulas de mirandês são opcionais em quase todos os ciclos. Nádia Neto

Uma língua em risco

A criação do Instituto de Língua e Cultura Mirandesa é um passo importante para garantir a preservação do mirandês. O vice-presidente da ACLM diz que não há tempo a perder: “Se não for criado rapidamente o instituto, um organismo público responsabilizado, com uma dotação orçamental para liderar o destino da língua, o mirandês vai ficar mais fraco e vai chegar a um ponto em que vai ser mais difícil fazer a recuperação. Os estudos assim o indicam. A língua mirandesa não é só dos mirandeses, é um bem de Portugal. O estado português é responsável por preservar um bem de todos”.

Em 2020, vários investigadores da Universidade de Vigo andaram pelas terras do planalto mirandês, para estudar os “usos, costumes e competências linguísticas da população mirandesa”, através de questionários feitos aos habitantes. Em 2023, foi publicado o estudo Presente e Futuro da Língua Mirandesa, coordenado pelo catedrático de Filologia Galega Xosé-Henrique Costas, que escreve: “A este ritmo de perda de falantes, em 2050 ou 2060 o mirandês perde-se como língua viva”. 

Além da criação do Instituto de Língua e Cultura Mirandesa, a Associação defende a ratificação da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias, assinada a 7 de setembro de 2021, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva.

Ratificar a carta permitir que “a língua deixe de ser quase vista como um aspeto folclórico, mas que seja tratada como outra disciplina qualquer”, argumenta Alfredo Cameirão, presidente da ALCM. Ou até obrigar, por exemplo, o Estado central a garantir que um mirandês que queira ser ouvido em tribunal em língua mirandesa tem que ter um tradutor, um aspeto importante do ponto de vista simbólico.

Basta pensar, hoje, quem quiser entregar um documento escrito em mirandês, este não vai ser aceite por serviços administrativos. Como explica, Alberto Bautista, também linguista, “o mirandês é reconhecido como uma língua, como uma língua que se fala em Portugal. Não vai muito além disso, não é propriamente uma língua oficial”.

Importa referir que muitas das medidas enunciadas na Carta Europeia já estão no terreno através de um protocolo da ALCM com a Câmara Municipal de Miranda do Douro. Desta forma, é o próprio Alfredo Cameirão que afirma que o Estado, com a implementação da carta, não gastará uma “coroa”. E, por isso, os mirandenses não sabem muito bem “do que é que estão à espera”. 

Editado por Filipa Silva