A peça “Hamlet L’ Ange du Bizarre” estreia esta quinta-feira (29) às 19h00 no Teatro Carlos Alberto, no Porto. A criação da Companhia Útero é uma reinterpretação do clássico de Shakespeare. O JPN esteve à conversa com Miguel Moreira e Maria Fonseca sobre a peça e este Hamlet reimaginado.
No seguimento do ciclo “Outro Shakespeare”, promovido pelo Teatro Nacional de São João, a Companhia Útero traz até à sala do TeCA, esta quinta-feira (29) às 19h, uma reinterpretação de Hamlet, um dos clássicos mais prestigiados do dramaturgo inglês.
A peça “Hamlet L’Ange du Bizarre”, tal como o nome indica, comporta em si algo de bizarro e estranho, causando no espectador uma certa inquietude e reflexão interior. Este espetáculo mistura teatro, dança e uma outra forma de expressão um tanto quanto indecifrável e indescritível. Em declarações aos jornalistas, Miguel Moreira, diretor e coreografo da peça, explica que “a comunicação não tem de ser sempre pueril, limpinha. Tem que às vezes ser histérica, completamente descritiva”, criando um “espaço de alienação, de histerismo, onde vamos a sensações e emoções que normalmente, quotidianamente, não temos.”
O diretor descreve, em entrevista ao JPN, a peça como sendo um “medley de arte contemporânea”, referindo que a “arte contemporânea não se vê só nos museus. Está em todo o lado. Está até num palco” e que este Hamlet criado pela Companhia Útero, na celebração dos seus 25 anos, é sobretudo uma “identificação com esse homem perdido”. Um homem que, no fundo, “é uma figura da humanidade”: “O Hamlet somos nós, quando não conseguimos descortinar caminhos e ainda estamos a tentar descobrir o sentido das coisas, correndo o risco de nunca o encontrar”, acrescentou.
Os pintores Francis Bacon e Neo Rauch e o escritor Edgar Allan Poe são algumas das referências artísticas que inspiraram esta reinterpretação do clássico de Shakespeare e que, segundo Miguel Moreira, costumam servir de base às suas obras: “Como o Shakespeare, o Francis Bacon é incontornável .Talvez também pela pintura, de alguma maneira, organizada, mas muito demoníaca”, onde é tudo “distorcido, as pinturas são arrastadas”. “Há certos artistas em que me começo a interessar por aquela maneira solitária de estar num estúdio”, disse.
Maria Fonseca, uma das atrizes do espetáculo, tem uma particularidade, uma vez que interpreta duas personagens (que não vamos revelar para não estragar a experiência do espectador): “há essa bipolaridade em mim ao longo da peça.” A atriz explicou ao JPN que as personagens que interpreta são muito diferentes daquelas que está habituada a interpretar, até porque há nelas uma “dualidade do feminino do masculino, da vida da morte, do eu e do não eu, do prazer, da sexualidade e da religião”. Para Maria, é como ter dois heterónimos que “habitam à volta do seu imaginário” e que, a certa altura, procura, contempla e “namora a morte”.
A atriz admite não ser uma tarefa fácil, mas um processo que em cada espetáculo vai evoluindo. Com liberdade de interpretação e criação desta personagem de rutura, a bailarina conta que esta procura requer um trabalho muito mais de introspeção e de tentativa de autodescoberta e incorporação de um lugar de alienação: “Já trabalhei com palavra, mas não tanto como aqui e acabei por me desafiar mais nesse sentido. Tentar que não seja uma representação, mas uma procura interior constante. Como é que tu vivias isto? Onde é que este personagem te leva a ti?”.
Segundo a intérprete, esta peça, na sua essência, espelha as circunstâncias inesperadas e inconstantes da vida, assim como, a natureza do trabalho de Miguel Moreira. “Está sempre em constante transformação. Água, tijolos, sujidade em palco, traz-te uma tela que é sempre diferente e que vais ter de te adaptar continuamente, como na vida. Há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. É imprevisível. E então isso, ao mesmo tempo, é o maior desafio. Como intérprete, obriga-te a estar presente. E para mim isso é dos melhores presentes que me podem dar”, explicou.
A peça, que tem a duração de duas horas, conta também com a participação musical dos saxofonistas Rodrigo Amado e Ricardo Toscano e de um coro de 12 atores que, de acordo com a informação fornecida pelo diretor, integram cursos de teatro promovidos pelo TNSJ.
O “Anjo do Bizarro” vai estar em cena no Teatro Carlos Alberto até ao dia 3 de março: na quinta-feira (29) e no sábado (2) às 19h00, na sexta-feira (1) às 21h00 e no domingo (3) às 16h00. Os bilhetes, cujos preços variam entre os cinco e os dez euros, já estão disponíveis. A peça encerra o ciclo “Outro Shakespeare”.
Editado por Inês Pinto Pereira