Os habitantes de São Pedro da Cova falam na primeira pessoa sobre como experienciaram a deposição de quase 300 mil toneladas de resíduos perigosos, com origem na antiga Siderurgia Nacional, nas antigas minas da localidade. "Tribunal Mina" vai estar em cena nos dias 1, 3 e 4 de fevereiro, no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

A peça conta com a participação de populares, com idades compreendidas entre os 15 e os 85 anos. Foto: DR

Os populares da freguesia de São Pedro da Cova, em Gondomar, ganham voz no palco do Teatro Carlos Alberto. Falando na primeira pessoa e fazendo de si mesmos, cada um dos habitantes, que participa na peça “Tribunal Mina”, que estreou esta quinta-feira (1) no Porto, conta como experienciou a deposição de quase 300 mil toneladas de resíduos perigosos, com origem na antiga Siderurgia Nacional, nas antigas minas da localidade, entre 2001 e 2002.

Quase dois anos depois de o caso ter prescrito e de os arguidos terem sido ilibados, 25 populares reúnem-se no palco para “estudar o processo, tentar perceber o que é que aconteceu e o que é que falha na lei portuguesa que permite que crimes ambientais possam ser cometidos” e tentar encontrar os responsáveis pela deposição dos resíduos, que acabou por contaminar as águas e os solos da localidade. Os documentos relacionados com o processo, servem, literalmente, de fundo ao cenário, nos quais foram escritas palavras, como “crime ambiental”, “justiça”, “água contaminada” ou “saúde”.

O espetáculo, segundo o encenador André Amálio, “tenta responder a esse sentimento de injustiça da população“, que nunca chegou a ser ouvida neste caso. “Como é que o maior crime ambiental cometido em Portugal não tem qualquer responsável? Como é que os tribunais foram capazes de, neste processo, não encontrarem qualquer pessoa que seja culpada? Ninguém é responsabilizado pelo maior crime ambiental [em Portugal]”, referiu.

Foi através de uma reportagem da Antena 1, emitida há cerca de cinco anos, que André Amálio teve conhecimento deste caso, admitindo ter ficado “muito chocado na altura”. Para além de discutir o caso, o encenador espera que, com a peça, “este caso de São Pedro da Cova, que foi tão grave, sirva de exemplo para que nada disto possa voltar a acontecer“.

O público também vai poder participar na peça com um papel fundamental, já que vai estar nas suas mãos o veredito. “Não é o tribunal que toma a decisão do veredito. O tribunal diz que não quer tomar essa decisão sozinho e o público vota se concorda ou não [com o que o tribunal propõe]”, explica.

A peça de teatro documental da companhia Hotel Europa conta com a participação de populares, com idades compreendidas entre os 15 e os 85 anos, entre os quais se encontram antigos mineiros, netos dos mineiros e até um antigo presidente da junta de freguesia. André Vieira, que assumiu a presidência da junta de freguesia entre 2009 e 2013, disse estar “satisfeito” com este projeto, porque dá visibilidade a um “grande problema” no qual esteve diretamente envolvido ao longo de vários anos.

Florinda Sousa, de 80 anos, diz que há “sempre um bocado de receio de que ainda esteja lá alguma coisa“, mesmo depois de ter sido noticiado, em 2022, que o último camião com resíduos abandonou o local. Embora não seja a primeira vez que pisa um palco, diz ter pena de que a apresentação da peça “não possa continuar” durante mais tempo.

Já Patrícia Lima, de 33 anos, recordou uma das vezes em que “escalou uma daquelas montanhas [onde estavam colocados os resíduos]”. “Via uns camiões lá a depositarem alguma terra, como a do carvão, mas nunca fiz ideia de que aquilo eram resíduos“, continuou.

O preço dos bilhetes para assistir à peça “Tribunal Mina”, que vai estar em cena nos dias 1, 3 e 4 de fevereiro, varia entre os cinco e os dez euros. Para além desta peça, o público poderá assistir, na sexta-feira (2) e no domingo (4), à apresentação d’ “A Mina”, que teve a sua estreia em junho do ano passado no Teatro Carlos Alberto. Nesta segunda peça, os populares falam, também na primeira pessoa, sobre as suas experiências pessoais ligadas às minas da freguesia. “É uma viagem muito interessante para conhecermos como era a vida antes do 25 de abril na primeira pessoa das pessoas que viveram esse período”, afirmou o encenador. No domingo (4), vão ser apresentadas as duas peças com uma hora de intervalo entre si.

No final dos espetáculos, vai ser apresentada uma petição, na qual “propõe mudanças concretas na legislação portuguesa relativamente ao ambiente”, nomeadamente no que diz respeito à defesa pelos direitos da natureza, e que “haja uma indemnização para a população de São Pedro da Cova“. A petição vai ser enviada, posteriormente, às autoridades competentes.