Amamentar é um processo natural, desejável do ponto de vista da saúde, mas que coloca muitos desafios às jovens mães. No Dia Internacional da Mulher, que se comemora esta sexta-feira, ouvimos o testemunho de quem sentiu na pele a dificuldade de amamentar e também o de quem se dedica a tentar ajudar.

Mãe pela primeira vez aos 30 anos, Carla Silva enfrentou diversas dificuldades na amamentação. Aquele que deveria ser um momento de ligação entre o recém-nascido e a mãe, para muitas mulheres como Carla, pode significar sofrimento e, muitas vezes, desespero. Algo como um sentimento de impotência e até mesmo culpa, por não conseguirem acalmar o choro dos mais pequenos.

Com expectativas elevadas para a primeira gravidez, a mãe de agora 37 anos, contou ao JPN que, devido a questões morfológicas, os receios começaram ainda antes do parto. No entanto, Carla manteve-se positiva. Acreditava que com o avanço da medicina, ter o “bico invertido” não seria um fator impeditivo para amamentar: “As enfermeiras aconselharam, desde início, a colocar uns bicos de silicone para a bebé conseguir fazer a pega. Essa solução funcionou durante algum tempo e consegui amamentar”.

Esta solução funcionou nos primeiros “dois, três meses”, mas apenas parcialmente. Depois de chegar a casa, Carla reparou que tinha pouco leite. “A bebé não pegava o suficiente e teve de ir ao hospital. Aí, as enfermeiras aconselharam-me a dar também leite de lata”. Para evitar, contudo, que a alimentação fosse exclusivamente de fórmula, começou “também a extrair com a bomba”, o que complicou a vida do casal e, principalmente da jovem mãe: “As enfermeiras diziam que tinha de extrair 20 minutos numa [mama] e 20 minutos na outra e depois tirar a bomba”. Considerando que um bebé se alimenta, em média, de três em três horas, o tempo que sobrava era praticamente nulo: “Nem à casa de banho tinha tempo de ir”, recorda.

Mas os problemas não ficaram por aqui. Além de não ter quantidade de leite suficiente para alimentar a filha, Carla acabou por desenvolver mastites. Este fenómeno ocorre quando não é extraída a quantidade necessária de leite, originando a acumulação do mesmo em certas áreas dos seios. Em pleno agosto, com dores devido ao “leite encaroçado” e com febres elevadas, Carla aliviava o sintomas como podia – “compressas de água quente, fazer massagens e tentar drenar o leite. Não foi fácil”, conclui.

Carla Silva acompanhada das duas filhas, Beatriz e Gabriela. Foto: D.R.

Um mês depois, após uma visita médica, foi-lhe detetado hipotiroidismo e, a jovem mãe, teve de começar a tomar medicação. Isto tudo somado a uma depressão pós-parto, por complicações gastrointestinais da pequena. “Não foi fácil”, repete. “Era ela a chorar para um lado e eu a chorar para o outro. Ela muito roxa e eu sem saber o que fazer”, resumiu. Com diversos problemas em mãos, Carla decidiu pedir ajuda à enfermeira que lhe tinha dado as aulas de preparação para o parto. “Na altura em que as aulas acabaram, ela deu-me o contato dela, para o caso de precisar de ajuda. Cheguei a ir ter com ela ao centro de saúde onde ela estava de serviço. Foi muito querida e ajudou-me imenso”.

Três anos mais tarde, foi mãe novamente. Ao contrário do que tinha acontecido com a primeira gravidez, a segunda começou “um bocado mais atribulada”, por serem gémeos e só um – neste caso, uma – sobreviver. Carla admitiu ao JPN que, na altura, estava com o pressentimento de que “ia correr mal, por causa do que tinha acontecido com a primeira” e que pensar em amamentar a “deixava nervosa”.

Desta vez, já saiu do hospital com o leite em lata, visto que, continuava a não ter leite suficiente. E houve uma conversa com uma enfermeira que a marcou: “Ela disse que se o bebé não pega, não se vai alimentar e que uma mãe nervosa não ia adiantar de nada. E depois rematou com: “Não é menos mãe, se não der de mamar”.

As experiências variam. Para algumas mulheres, amamentar pode ser uma experiência memorável. No entanto, há que ter a consciência de que nem tudo é um “mar de rosas”. Quem também partilha desta convicção é a consultora de lactação, Margarida Telhado.

Margarida Telhado é coordenadora do projeto “Vamos Dar de Mamar” desde 2011 Foto: Vamos Dar de Mamar/ Facebook

A consultora de lactação, com certificação internacional, é também coordenadora do projeto “Vamos Dar de Mamar, Ajuda de Mãe” e ainda voluntária no SOS Amamentação. O interesse pela área surgiu há 27 anos quando fez voluntariado na maternidade Alfredo da Costa, onde começou a “receber formação”. “Depois senti a necessidade de que precisava de saber mais e mais”, contou ao JPN.

“Vamos dar de Mamar – Ajuda de Mãe” é a organização sem fins lucrativos na qual Margarida Telhado está desde 2008, sendo coordenadora desde 2011. O serviço de apoio é gratuito e é realizado em contexto de domicílio, telefónico, videochamada ou num dos gabinetes do projeto: Santarém, Corroios, Paço de Arcos, Odivelas, entre outros locais.

Diariamente, o serviço atende mais de dez chamadas e responde sobretudo a mensagens. Chegam à casa das “centenas”, via WhatsApp, Facebook e Instagram.

Além disso, a coordenadora do projeto realiza, em média, quatro domicílios por dia, o que equivale a 600 por ano, fora as sessões que ainda são realizadas com grupos de mães. Para tal, são necessários voluntários espalhados pelo país, a quem chegam diversas dificuldades e anseios enfrentados pelas mães, como a “dificuldade de perceber se o bebé está a ingerir leite ou não, a pressão sobre o ganho de peso e a dor no mamilo”.

Ao JPN, Margarida Telhado revela a preocupação com o impacto das redes sociais nas mães durante o processo de amamentação. Para a consultora de lactação, muitos vídeos explicativos são feitos por pessoas “que não têm formação, e que não conhecem nada da amamentação”, sendo que, “quem vai ser mãe pela primeira vez, acredita em tudo o que vê”.

Linhas de apoio

  • Vamos Dar de Mamar/SOS Amamentação: 213880915 (dias úteis, das 10h00/18h00)
  • SOS Grávida: 213862020/808201139 (todos os dias das 9h00/23h00)
  • Linha de Amamentação do Hospital Pedro Hispano (Unidade Local de Saúde Matosinhos): 229391340

*Estas linhas existem também no Facebook

Forúns:

A especialista deixa a crítica à romantização realizada nas redes sociais, onde se partilham experiências “muito cor-de-rosa [porque] isto do bebé que nasce e vai à mama, às vezes não acontece”. “Às vezes, as mães acabam por ficar frustradas e com falta de confiança, porque a realidade não corresponde ao que viram. Porque aquela senhora diz que não tem dor e eu estou cheia de dor. Porque aquele bebé está a aumentar de peso e o meu não está. Quando as coisas não correm bem, normalmente é o bebé que não está a ser capaz, por vários fatores”, reflete.

Para contornar a desinformação, a voluntária no SOS Amamentação, enfatiza a importância do apoio ao aleitamento para que, junto de cada família, exista um processo que “seja o mais prazeroso para todos”.

Um processo que começa muito antes do bebé nascer

O processo da amamentação começa na gravidez, “ou seja, a mulher, a partir das seis semanas, começa a desenvolver a sua glândula mamária e depois, ao longo de 20 dias, os seus alvéolos, os seus núcleos, vão-se multiplicando e formando, para que, quando o bebé nasça, a mãe esteja disponível para fazer a produção de leite”, explica Margarida Telhado. “Nós somos uma fábrica, e não um armazém”, acrescenta.

A especialista sublinha que a produção de leite difere de mulher para mulher, porque “muitas vezes, há fatores, não só hormonais, mas de alguma patologia, como a diabetes, a hipertensão, hipertiroidismo ou hipotiroidismo que afetam a mãe”. Estas problemáticas fazem com que possa existir um atraso na produção de leite. Além disso, de acordo com a consultora de lactação, existem ainda mulheres que possuem pouca glândula mamária, ou seja, têm hipoplasia mamária, e “essas mulheres vão conseguir produzir, mas não na quantidade que o bebé precisaria”.

Amamentação tem muitos benefícios

Segundo a especialista, a amamentação responsiva é fundamental para a saúde do bebé, porque, neste cenário, o recém-nascido comanda a alimentação, indicando quando está com fome e quando está satisfeito. Esta abordagem, “diferente [de quando] estamos a oferecer leite” num biberão, garante que o bebé recebe todos os nutrientes essenciais, ajudando a prevenir condições como diabetes, alergias e gastroenterites, especialmente, em bebés prematuros, por exemplo, em casos de Enterocolite Necrosante (NEC), que afeta o intestino.

Na mulher, a amamentação contribui para a prevenção da osteoporose e de outras condições relacionadas com o colo do útero.” Ao nível ambiental, a amamentação pode contribuir, também, para reduzir o uso de plásticos e recipientes, o que também tem implicações económicas positivas.

Conselhos para as mães

“Rodearem-se de pessoas que sejam positivas” é o primeiro e principal conselho dado pela especialista, porque “não há nada pior do que uma mãe estar a tentar e dizerem: ‘estás a fazer mal, não ponhas assim. Põe a mão abaixo, põe a mão acima’.” Depois, a confiança no bebé é outro dos conselhos dados, porque o recém-nascido, através do movimento corporal, pretende transmitir informações à mãe. “Ou seja, se uma mãe põe o bebé à mama e ele está a dar impulsos positivos, [está] a dizer tu vais conseguir, eu sei que tu vais”, ilustra.

Em relação às pegas mais indicadas, a especialista aconselha a “fazer uma pega mais profunda”, o que significa que “quanto mais o mamilo estiver direcionado para o céu da boca [do recém-nascido] melhor para o bebé.” É importante perceber, ainda, se o bebé tem alguma limitação, isto é, algum stresse ou alguma posição que ele prefira. Margarida Telhado convida-nos a imaginar: “suponhamos que o bebé teve um parto mais traumático, ou teve [na barriga] uma posição mais para o lado direito do que para o lado esquerdo. Sabemos que este bebé pode ter limitações em algumas posições.” Por isso, a melhor posição para cada bebé, difere. A profissional aconselha as mães a proceder à elevação dos seios e “não fazer tesoura com os dedos quando estão a segurar”, ou seja, “não podem estar junto do bico nem da auréola”, tendo de estar “bastante mais afastados e em forma de ‘C’.”

Em Portugal, não há dados recentes obre a prevalência e a duração do aleitamento materno. Segundo um artigo da Associação Portuguesa de Nutrição, que cita o Registo do Aleitamento Humano da DGS de 2014, 92% dos recém-nascidos estavam em aleitamento materno exclusivo à data da alta da maternidade. A percentagem cai para os 68% às 5-6 semanas de vida e vai decrescendo. Em 2023, no despacho em que o Governo constituiu a Comissão para a Promoção do Aleitamento Materno, sugere-se que cerca de 21,8% das mães praticam o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses, o tempo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Artigo editado por Filipa Silva