No Dia Internacional da Mulher relembra-se que “metade da população tem menos direitos”. Em conversa com o JPN, ativistas da FEM e do movimento Coletiva indicam que apesar de, atualmente, o feminismo ter várias vertentes e facetas, a missão é comum: lutar pela igualdade. É, aliás, a ameaça de certos direitos que “está a unir as feministas de todo o mundo”. Em Portugal, a luta do movimento vai desde questões salariais a um sistema judicial justo.

Atualmente, há uma visão dividida de feminismo. O movimento pode ser visto em diferentes vertentes, pelas perspetivas marxista, radical, de pós-feminismo, de ecofeminismo e de feminismo interseccional. Ainda assim, no dia em que se celebra a mulher, a luta é comum. Nesse sentido, Sandra Cunha, da associação Feministas em Movimento (FEM), lembra que “metade da população tem menos direitos”.

Não é um dia para levar as mulheres a jantar ou almoçar fora. Não é um dia para no trabalho oferecer uma rosa à mulher”, declara, reafirmando a importância de encarar a data como uma oportunidade para lutar pela igualdade de género.

Camila Florencia, por sua vez, afirma que para falar sobre a luta feminista é “sempre importante pensar no plural – são feminismos”. A pesquisadora de géneros e ativista do movimento Coletiva refere a importância de perceber “diferentes pontos de vista, diferentes vivências”. Acredita que se deve “abraçar a diversidade” de uma série de movimentos sociais como o “movimento LGBT, o movimento pela habitação, pela vida digna, de pessoas negras e de imigrantes”.

Também Sandra Cunha, tem uma visão inclusiva da luta, definindo-a como um “movimento que luta pela igualdade entre todas as pessoas”, não-exclusiva às mulheres. Ainda assim, a ativista da FEM explica que, nos dias de hoje, existem questões que criam uma certa divisão entre feministas, nomeadamente as questões do trabalho sexual e de inclusão trans.

No que diz respeito ao trabalho sexual, “há quem seja abolicionista”, enquanto que “outras pessoas entendem que criminalizar é desproteger ainda mais estas mulheres”, completa. Para Sandra Cunha a criminalização não resolve o problema, dado que o trabalho sexual vai continuar a existir.

A integração trans surge como outro fator de segmentação da luta feminista. A representante da FEM revela que determinadas organizações sentem “algum desconforto com a inclusão de mulheres trans”, argumentando que não experienciaram a mesma realidade de desigualdade de género. Sandra Cunha tem, no entanto, outra opinião: “Não foram criadas com os mesmos estereótipos de género, mas sofreram outras discriminações e outras violências. Portanto, tem que haver espaço no movimento feminista para todas as pessoas.

Desafios que levam à união

Apesar de existirem correntes contrárias, Sandra Cunha considera que aquilo que “une o movimento feminista é maior do que o que o possa desunir”. Para a associação FEM existem dois desafios principais para a luta: o avanço da extrema-direita e a prevalência dos papéis de género.

A ativista aponta que o crescimento da direita conservadora põe em causa “direitos que foram tão duramente alcançados nos últimos anos ou, mesmo, séculos”. O aborto, a luta pela igualdade salarial, a luta da comunidade LGBT pelo direito ao casamento e pela igualdade na constituição de família são os exemplos dados. É a ameaça desses direitos que “está a unir as feministas de todo o mundo”.

A nível social, o desafio é “ultrapassar ideias pré-concebidas dos papéis de género e em torno do género”, explica. Ainda que o conceito de homem-provedor se tenha se diluído com o ingresso da mulher no setor do trabalho, Sandra Cunha admite que certas responsabilidades de cuidar continuam a recair no feminino. “Acho que o principal desafio é conseguirmos ultrapassar esta ideia de separar o que é das mulheres e dos homens e pensar nas pessoas como seres humanos”, conclui a representante da FEM.

O que falta conquistar em Portugal

A nível nacional, o feminismo apresenta alguns pontos de intervenção. A igualdade salarial é um dos aspetos principais. “Mulheres trabalham cerca de 48 dias por ano de graça, se for considerar a diferença salarial”, menciona Camila Florencia.

O acesso à saúde, à habitação, o contexto de guerra e o assédio, nomeadamente nas faculdades, são outras pautas apresentadas. Contudo, a “questão dos cuidados” é mencionada pela ativista como uma das mais cruciais. “O trabalho de cuidados envolve tanto cuidados da casa, com os filhos, dos pais ou pessoas idosas, -até mesmo cuidado de um vizinho, por exemplo”, explica. Segundo a pesquisadora, as mulheres acabam por dedicar mais duas horas por dia útil do que os homens.

Uma das medidas desejadas pela Coletiva é a criação de um serviço nacional de cuidados para que “tanto mulheres que cuidam, quanto as pessoas que são cuidadas” tenham direitos garantidos.

A FEM menciona também a violência doméstica, o assédio e as violações sexuais como problemáticas de relevo. Sandra Cunha refere como o número de queixas e denúncias reportadas aumentaram, mas que, no entanto, o sistema judicial continua a ser uma barreira – através de sentenças que responsabilizam vítimas e desculpabilizam agressores.

Tantas mulheres que pediram ajuda, que denunciaram, foram à polícia e que mesmo assim acabaram mortas”, evidencia Sandra Cunha. A ativista refere que mais de metade das vítimas mortais da violência doméstica pediram ajuda e isso “é a prova que esta sociedade e este sistema estão a falhar redondamente”.

Batemos contra a justiça, que é uma parede machista e que continua a desvalorizar este tipo de violência sobre as mulheres”, afirma a representante da FEM.

Sandra Cunha considera que a desigualdade de género e a discriminação de mulheres interligam-se “em todas as dimensões da vida”. A seu ver, o desequilíbrio na partilha de responsabilidades domésticas afeta a “capacidade das mulheres participarem na vida pública e na vida política”, e consequentemente refletem-se na “desigualdade na representação e participação política”.

Para assinalar a data, Porto e Lisboa são palcos de marchas feministas. Organizadas pela Plataforma Greve Feminista, as ações reúnem cerca de 40 associações. Segundo manifesto, a marcha é “inclusiva e diversa”, abrangendo “mulheres lésbicas e bissexuais, mulheres trans, outras pessoas trans e não-binárias, mulheres consumidoras de substâncias psicoativas, trabalhadoras do sexo, pessoas racializadas, pessoas (i)migrantes, pessoas com deficiência”.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira