O movimento estudantil português cresceu ao longo da década de 60. Ideais como a liberdade e a igualdade inspiravam a luta contra a opressão do regime. A defesa da autonomia universitária e a oposição à guerra colonial eram o prato forte das exigências, enquanto em Paris os trabalhadores e estudantes fundavam o “primeiro território português livre e socialista“.

José Medeiros Ferreira, professor universitário e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, participou activamente nas lutas estudantis. Entre 1961 e 1963 foi dirigente da Associação de Estudantes pró-Letras, tendo participado activamente na crise estudantil de 1962, a primeira grande vaga de contestação.

“Foi a que teve maior expressão. Tudo começou em Lisboa com a proibição da comemoração do Dia do Estudante. Depois passou para o Porto e Coimbra com centenas de estudantes expulsos”, recorda Medeiros Ferreira, que acabaria por ser detido pela PIDE durante três meses e depois expulso de todas as universidades do país por ter voltado a “dirigir movimentos de contestação”.

Foi em Genebra, na Suíça, onde se exilou, que assistiu às movimentações do Maio de 68. Acredita que com o passar dos anos “os movimentos foram-se tornando mais politizados, mais orientados para a ditadura salazarista”. Por isso, para Medeiros Ferreira, a crise estudantil de 1969 não foi apenas um “contágio do Maio de 68 francês” pois teve em conta “temas centrais como a luta contra a ditadura e contra a guerra colonial”.

“Preparávamos forças e condições para a abertura do regime”

Depois da crise de 1962, o ano de 1965 ficou marcado por grande agitação estudantil. Em Janeiro, cerca de 50 estudantes foram detidos pela PIDE por, alegadamente, pertencerem ao PCP. O balanço de meses de protesto foi a exclusão de 53 alunos de todas as universidades do país e a suspensão de mais de 100 estudantes.

Vítor Dias, membro do Comité Central do PCP, participou no movimento associativo enquanto estudante de Direito, de 1965 a 1968. “O ano de 65 foi de grande repressão. Preparávamos forças e condições para a abertura do regime. Claro que isto era feito debaixo da cobertura da revindicação por causa das matérias educativas”, considera o antigo activista.

Para Vítor Dias, as associações de estudantes eram “autênticos sindicatos estudantis” e, por isso, o Maio de 68 não influenciou completamente o movimento estudantil, nomeadamente a crise de 1969. “Creio que, no essencial, essa crise ainda se moveu dentro dos padrões das crises portuguesas, embora com características novas, como a liberdade sexual”, conclui.

“Nunca acreditámos que o amanhã falasse por si”

A crise estudantil de 1969 provocou a demissão do ministro da Educação, a mudança de reitor e o envio dos “estudantes mal comportados” para a guerra colonial. Em Coimbra, os estudantes saíam à rua evocando luto académico, em solidariedade com os colegas detidos.

Quem acendeu o rastilho foi o presidente da Associação Académica de Coimbra. Na inauguração do Edifício das Matemáticas, Alberto Martins dirigiu-se ao Presidente da República, Américo Tomás, para pedir a palavra em nome dos estudantes. O pedido foi recusado, a cerimónia terminou de forma abrupta e Alberto Martins foi detido nessa noite.

A jornalista Diana Andringa assistiu aos eventos à secretária de um semanário em que trabalhava. Recorda-se de uma “vontade de mudar o mundo“, que a crise de 1969 partilhou com o Maio de 68. “O movimento de 1969 inspirou-se no Maio de 68 no seu lado estético e na forma de reivindicar e deu atenção a outros problemas como a igualdade ou o amor livre”, como era demonstrado nos slogans que ecoavam nas ruas de Paris.

Foi numa perspectiva de homenagear estes ideais que, em 1989, Diana Andringa criou uma série documental chamada “Geração de 60”, que se debruçava sobre a guerra colonial, as crises universitárias e a repressão do regime.

“Esta geração tem de ser contada… Aqueles jovens que, com vinte anos, iam para a guerra e, ou eram mortos, ou tinham de matar. Imagine-se o que é transformarmo-nos naquilo que mais nos repugna. A minha geração teve de viver com isso e não merece ser esquecida”, justifica Diana Andringa, referindo-se à herança deixada pelo movimento estudantil de 60 às gerações actuais.

A jornalista considera que as lutas estudantis eram motivadas, principalmente, por um “gozo imenso” porque a “única recompensa era ir para a cadeia”. “Eu devo à minha geração ela ter-me permitido viver com ela. Nós nunca acreditámos que o amanhã falasse por si. Mas queríamos um amanhã melhor”, admite Diana Andringa.