Maria José Salgueiro, mãe de um jovem surdo de 17 anos que frequenta o 9.º ano sem nenhuma reprovação, lutou, durante anos, pelos direitos do seu filho no seio escolar. “Eu quero que o meu filho seja um contribuinte e não um dependente da família ou do Estado”, diz, justificando as várias batalhas que travou.

Por isso, a encarregada de educação recebeu, com agrado, o lançamento de uma lei que melhor integrasse o seu filho na escola: o Decreto-Lei n.º 3/2008 que aborda aspectos tão polémicos como a metodologia, Classificação Internacional de Funcionalidade(CIF) para avaliar e seleccionar as crianças para aa educação especial. No entanto, a aplicação prática da nova legislação viria-se a revelar tumultuosa, não só para as escolas,mas também para os professores.

“Esta lei veio melhorar e complementar o anterior ‘319’ [Decreto-Lei n.º 319/91] O que falha é a sua aplicação no terreno. Realmente a lei obedece a todos os tratados assinados por Portugal. No terreno está a ser muito difícil implementar. Agora porquê, é isso que estamos a tentar descobrir”, explica Maria José Salgueiro, ao JPN, em alusão ao “problema” das escolas de referência.

Uma Língua Gestual para todos

Dentro da educação especial para surdos, Maria José Salgueiro diz que ainda há aspectos a trabalhar. A introdução do ensino de Língua Gestual nos planos curriculares é um exemplo. “Eu não digo que toda a população de Portugal vai saber Língua Gestual, mas umas luzes apenas”, remata.

Uma das questões que a nova lei estipulou é a criação destas escolas que abrigam todos os alunos de ensino especial de uma determinada localidade. Aos estudantes é-lhes fornecido o transporte, de forma a poderem dirigir-se regularmente para as aulas,onde têm direito a todos os apoios.

Os pais podem optar por colocar os seus filhos na escola de referência mais próxima (no caso do Porto, em Paranhos), uma escola de ensino bilingue por excelência, ou por mantê-los nas escolas que sempre frequentaram, onde são também acompanhados.

Maria José Salgueiro decidiu não mudar o filho de escola, mantendo-o a estudar em Vila Nova de Gaia. “Os pais foram confrontados com essa ideia [escolas de referência] aqui, [em Vila Nova de] Gaia, a 30 de Maio. Fizemos algumas perguntas acerca do ensino e dos transportes. Ninguém nos sabia responder. É evidente que os pais revoltaram-se”, confessa a encarregada de educação.

Em Gaia, vários pais decidiram não transferir os filhos para a escola de referência devida. Porém, ficaram “sem apoios”, diz Maria José Salgueiro. Os seus filhos continuam a ir às aulas, mas não contavam com qualquer tipo de suporte para a sua aprendizagem. Com algum esforço, os diversos encarregados de educação conseguiram que um intérprete de Língua Gestual acompanhasse os filhos. Ainda assim, os alunos não estão a receber o apoio que é necessário para uma correcta socialização e aprendizagem.

“Magoou-nos um bocadinho a forma como foi apresentada a situação. Não concordo com a distância. Acho que não são as crianças que devem ser mobilizadas. Estamos a falar dos nossos filhos e não de macaquinhos”, critica.

“Um atentado à dignidade da criança”

A nova legislação origina casos críticos, em que as crianças são obrigadas a levantar-se muito cedo para poderem ir às aulas e receber o devido apoio na escola de referência. “Aquilo que não percebemos, e que já questionámos o Governo, é como é que as direcções regionais indicaram escolas tão díspares”, salienta a encarregada de educação.

“Nós temos uma menina que vem de Canedo, que para estar em Paranhos às 8h30, levanta-se às 5 da manhã. Eu acho isso um atentado à dignidade da criança. Não me parece que isso seja uma evolução”, denuncia a encarregada de educação.

Em retrospectiva, Maria José Salgueiro recorda as mais-valias da anterior legislação. Com o Despacho n.º 7520/98 [em PDF], integrado no Decreto-Lei n.º 319/91, as crianças com problemas de surdez estariam “agrupadas” em escolas “em cada concelho”.

Para além disso, “previa um professor de ensino especial ligado à surdez, indicava um intérprete de Língua Gestual, um formador, e um terapeuta da fala”. “Esta era a a equipa que deveria estar sempre junto de crianças com surdez”, explica Maria José Salgueiro.