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“Centenas de crianças não deveriam ser mantidas em locais de detenção ao lado de adultos”. Mas são
“Nenhum ser humano deveria viver nessas condições”. Crescer no meio de “um grande deserto cheio tendas”
As crianças descendentes de portugueses nos campos de refugiados sírios
A “guerra” travada para conseguir fazer chegar ajuda
Chamam-lhes a “próxima geração de terroristas” que a ninguém pertence
O “pesadelo” que não acaba: o testemunho de quem cresceu num “filme de ação”

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Idris, 11 anos

Apanhados numa teia de interesses e dinâmicas políticas, crianças e adultos estão presos na Síria por tempo indeterminado. “É uma situação terrível porque eles não podem ficar lá para sempre. Mas é o que está a acontecer. Há um problema para ser resolvido e que ninguém quer resolver”, lamenta o autor do estudo “Inside the Foreign Fighter Pipeline to Syria: A Case Study of a Portuguese Islamic State Network” e diretor-executivo da “Sábado”, Nuno Tiago Pinto, em entrevista ao JPN. 

Sem conhecimento do mundo para além das longas planícies de deserto, os sonhos dos mais novos podem ficar limitados às redes que cercam os campos. A inexistência de soluções para contrariar este problema “é uma tragédia”, uma vez que “lhes estamos a negar a possibilidade de terem uma infância, crescerem e serem quem eles querem ser”, afirma Kathryn Achilles, diretora de Advocacia, Media e Comunicações da Save The Children (STC) na Síria, em entrevista ao JPN. 

Os pedidos são muitos. Mas as organizações que atuam no terreno insistem num: elaborar soluções políticas “para proteger o melhor dos interesses das crianças”. Os mais pequenos não podem ser esquecidos, nem devem sentir que o foram.

Tendo em conta as motivações que as crianças podem trazer consigo, os países dos quais possuem cidadania receiam recebê-las. O medo de que os retornados cometam atos terroristas tem legitimado o rótulo de “ameaça à segurança” que lhes é imposto pelas nações de origem. Uma visão alimentada pelos ataques na Bélgica e em Paris, de 2015 e 2016, que envolveram afiliados do Estado Islâmico que regressaram aos países de origem, aponta a Save The Children, em relatório

Emaranhadas numa rede da qual não conseguem sair sem ajuda, os mais novos são “tratados como se fossem pequenos membros do Estado Islâmico”. Imene Trabelsi, a porta-voz regional da Cruz Vermelha para o Próximo e Médio Oriente, com sede em Beirute, lamenta que a comunidade internacional não consiga superar ideias preconcebidas sobre as crianças. “Não devemos ser nós a determinar se elas estão em risco de se tornar, estigmatizar e rotular como um problema futuro, porque eles não merecem”, acrescenta Imene, em declarações ao JPN.

Foto: Alessio Romenzi/UNICEF Foto: Alessio Romenzi/UNICEF

As organizações apontam a repatriação para os países de origem como uma das melhores soluções para resolver a situação. Para a Save the Children, este é mesmo “o único caminho para tentar garantir que os direitos das crianças estrangeiras são protegidos e respeitados”. Os mais pequenos “podem ser até as primeiras vítimas de um conflito que em nada passa pela sua responsabilidade”. 

Maryam, 12 anos

“As repatriações recentes são bem-vindas”, disse a Save the Children em comunicado, “mas simplesmente não são suficientes”. Na semana de 14 de março, duas crianças e as respetivas mães foram repatriadas para a Suécia. Já em fevereiro, a Suécia havia repatriado quatro menores do campo de Roj, altura em que para os Países Baixos voltaram onze. Atendendo a que existem “mais de 7.300 menores de 60 países” a viver em dois dos campos (al-Hol e Roj), a este ritmo serão precisos “30 anos até que as crianças estrangeiras presas em campos inseguros no nordeste da Síria possam voltar para casa”, estima a STC. 

“As crianças estão presas nestes campos terríveis há pelo menos três anos – algumas até mais. Ao ritmo que os governos estrangeiros estão a andar, vamos ver algumas crianças atingir a meia idade antes de serem capazes de deixar os campos e voltar para casa”, garante Sonia Kush, diretora de resposta da Save The Children na Síria. Até setembro de 2021, a organização avança que haviam sido repatriadas 1.163 crianças para 22 países.

Afinal, de quem é a culpa?

Alguns conseguem sair do território com sucesso. No entanto, caso regressem à Síria, os mais novos ficarão permeáveis a uma possível detenção, atos de tortura, violação sexual, tal como acontece com qualquer adulto. “São vistas como desleais, como potenciais terroristas, simplesmente porque procuram proteção internacional e, por isso, no caso da Síria, sabemos que nenhuma parte é segura para absolutamente ninguém”, declara Ana Farias, coordenadora de Mobilização e Campanhas da Amnistia Internacional (AI), em entrevista ao JPN.

Neste sentido, as crianças e as mulheres encontram-se mais vulneráveis a este “sistema de permanente abuso de direitos humanos”. Letta Tayler, diretora da divisão de Crise e Conflito da Human Rights Watch (HRW), considera “inconcebível” que os Estados transfiram a responsabilidade de ajudar os cidadãos nacionais a uma autoridade não estatal – as Forças Democráticas Sírias (FDS). 

Letta Tayler atribui uma maior responsabilidade aos países de origem e considera que as nações estão a falhar em repatriar e em fornecer o suporte que as autoridades locais precisam para garantir que as pessoas são detidas em condições dignas: “Eles não estão a fornecer apoio suficiente para remédios, água potável, comida, educação, abrigo adequado para crianças e outros cidadãos vulneráveis”.

As autoridades locais de detenção – as FDS – dizem que deter os estrangeiros “é um fardo enorme”. Chia Kurd, vice-presidente da Administração Autónoma, culpa “a comunidade internacional, em particular os países que têm cidadãos nos campos e prisões”, que “não estão a assumir a sua responsabilidade”. “Este problema, se não for resolvido, não nos afetará apenas a nós, mas ao mundo inteiro”, afirma.

“Eles [os governos] deveriam estar a ir lá, a tirar os seus nacionais desta situação o mais rápido possível. Deveriam ter feito isso há anos. E o que aconteceu neste cerco à prisão [al-Sina] deveria ser um alerta de que já passou da hora de [os governos] o fazerem antes de mais pessoas morrerem; antes que mais pessoas sejam submetidas a maus-tratos no buraco infernal do deserto do nordeste da Síria”, avisa Letta Tayler. 

“As crianças estão a ser punidas coletivamente pelos crimes dos pais”

“É compreensível que muitas pessoas não se importem com os direitos dos suspeitos de terrorismo, mas acho que o que o público muitas vezes não percebe é que muitas pessoas inocentes são apanhadas nas amplas redes lançadas para encontrar supostos terroristas”, sublinha a diretora da divisão de Crise e Conflito da HRW.

Lembrando a forma como os portugueses foram recebidos em França nos anos 80 e 90, João Godinho Martins, coordenador de emergência da Médicos Sem Fronteiras, considera que é necessário “haver um bocadinho mais de educação social”, no sentido de “compreender realmente que estamos a falar de pessoas que estão em risco de vida e que procuram uma vida melhor”, razão pela qual “não merecem estar na prisão ou em condições completamente desumanas”. 

Foto: UNICEF

A grande maioria dos detidos no nordeste da Síria são menores. Existe “uma situação em que as crianças estão a ser punidas coletivamente pelos crimes dos pais”, não esquecendo as “muitas mulheres que foram arrastadas” pelos “maridos, noivos, irmãos, tios, pais” e que, tal como alguns homens, podem ter sido levadas quando ainda eram crianças. Isto para além de que, “de acordo com o direito internacional”, é possível ser “vítima e perpetrador ao mesmo tempo”, lembra Letta Tayler.

“Há um precedente muito perigoso a ser estabelecido”, alerta a diretora. “Até os suspeitos de terrorismo têm os mesmos direitos que todos os outros: têm direito a um julgamento justo, a comparecer perante um juíz; têm direito a tratamento humano e isso está a ser negado”, frisa.

Particularizando nas mulheres que estão em campos de refugiados, quando existem “evidências credíveis” de que cometeram crimes enquanto membros ou afiliadas do Estado Islâmico, “impedir o seu retorno vai diretamente contra as Resoluções do Conselho de Segurança da ONU (UNSCR) – UNSCR 2178 e UNSCR 2396 – que impõem uma obrigação legal dos Estados de levar os terroristas à justiça”, lembra a Save The Children.

As Nações Unidas sugerem que as soluções a longo prazo devem “incluir a investigação e o julgamento de adultos que recrutaram as crianças” que, efetivamente, tiveram ou têm ligações ao Estado Islâmico, e daqueles que “lhes deram ordens para cometer atos terroristas”. 

Nos casos em que, “em nome do contraterrorismo e da segurança nacional”, os Estados “violaram os direitos das crianças, incluindo a detenção arbitrária”, os menores devem “ser reconhecidos como vítimas dessas violações, que devem ser investigadas independentemente e os culpados responsabilizados”. 

Fionnuala Ní Aoláin, Relatora Especial das Nações Unidas, distingue ainda a “prevenção do recrutamento por grupos terroristas” de “abordagens preventivas inexploradas que se concentrem na criança como um risco potencial, em vez de potencialmente estar em risco de exploração”, sustentadas por fazerem parte “de uma estratégia mais ampla de combate ao terrorismo”.

A lei é clara, mas não se reflete nas práticas dos governos

Os fortes argumentos legais não se têm mostrado suficientes para que os Estados se comprometam a repatriar todos os seus cidadãos, a acrescentar à “falta de transparência por parte de muitos”, por exemplo, quanto à “extensão do seu contacto com crianças e famílias nos campos”. Muitas das barreiras impostas têm origem “nas políticas e práticas dos próprios governos”, refere a Save The Children. “Porque a política perde-se em perceber que está lá para apoiar as pessoas”, lamenta João Godinho Martins, coordenador de emergência da Médicos Sem Fronteiras.

As Nações Unidas relembram os Estados que fazem parte da Convenção do Conselho da Europa sobre Ação Contra o Tráfico de Seres Humanos, que têm a obrigação de “retornar sem demora indevida ou injustificada” qualquer vítima que seja nacional desse Estado ou na qual essa pessoa tenha o direito de residência permanente antes da vitimização (artigo 16 da referida Convenção).

A Convenção exige que os Estados “adotem todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física e psicológica e a integração social de uma criança” que seja vítima de “qualquer forma de negligência, exploração ou abuso; tortura ou qualquer outra forma de tratamento ou pena cruel, desumana ou degradante; ou conflitos armados”. Mesmo os menores que tenham sido, alegadamente, membros do Estado Islâmico, têm os seus direitos protegidos, à responsabilidade dos estados.

“No entanto, vários governos – os europeus em particular – rejeitaram os argumentos acerca das suas obrigações legais extraterritoriais para com seus cidadãos nos campos”, salienta a STC. A organização dá como exemplo a Suécia, que declarou não ter “nenhuma obrigação legal de repatriar os cidadãos nos campos de al Hol e Roj”, alegando que “as mulheres nos campos podem ter cometido crimes graves; incluindo a associação com o Daesh”. Nestas circunstâncias, “o Governo não tem qualquer obrigação de explorar as possibilidades de repatriar as mulheres”.

Em resposta a uma carta enviada pelos Procedimentos Especiais da ONU, também o governo dinamarquês deixou claro que “combatentes terroristas estrangeiros – tanto mulheres como homens que deixaram a Dinamarca para se juntar ao Estado Islâmico – não são bem-vindos na Dinamarca e não serão evacuados. Os filhos de combatentes estrangeiros estão a enfrentar condições difíceis exclusivamente devido às ações dos pais e sob a sua responsabilidade”. 

Foto: Alessio Romenzi/UNICEF Foto: Alessio Romenzi/UNICEF

No entanto, em maio de 2021, terá havido uma mudança de perspetiva quando Copenhaga anunciou a decisão de “repatriar três mulheres e os 14 filhos, todos com cidadania dinamarquesa. Contudo, a repatriação real ainda não ocorreu e nenhum cronograma foi comunicado”, informa a Save The Children.

Na Austrália, o governo não aceitou que as suas obrigações de direitos humanos se estendam “para fora do território australiano onde exerce ‘controlo efetivo’”, reporta a organização para os direitos das crianças. Ou seja, reconhecendo que a Austrália não administra os campos de al-Hol e Roj, o país da Oceania não aceita que tenha jurisdição sobre as “condições dos cidadãos australianos nesses campos de modo a envolver a aplicação extraterritorial das obrigações internacionais de direitos humanos da Austrália”.

Uma postura contestada por especialistas em direitos humanos das Nações Unidas, que instaram o governo australiano a repatriar 46 dos seus cidadãos presentes ainda na Síria. Numa carta conjunta divulgada a 17 de abril, os dez relatores especiais da ONU escreveram que fazer retornar este grupo de pessoas, que inclui 30 crianças – as mais novas com dois anos -, é a “única resposta legal e humana”.

Em contraste com os países já referidos, a Finlândia “emitiu orientações para o repatriamento e adotou uma resolução do governo, em dezembro de 2019”. A resolução clarificava o objetivo de “repatriar as crianças do(s) campo(s) o mais rapidamente possível”, garantindo que as autoridades vão “ativamente assegurar o cumprimento do Estado de Direito, da Constituição, de outra legislação finlandesa e do direito internacional, incluindo tratados de direitos humanos, acordos sobre os direitos da criança e outras leis internacionais aplicáveis”.

Uma escolha “desumana entre a separação familiar e a reivindicação da cidadania”

“Em vez de trazê-las [as crianças] para casa, os governos estão a negar as suas responsabilidades. Estão a tirar a cidadania das mães para impedi-las de regressar, forçando-as a fazer as escolhas mais cruéis – manter os seus filhos consigo nos campos ou mandá-los para casa, onde nunca mais os verão”, acusa Sonia Kush, diretora de resposta da Save The Children na Síria, em declarações enviadas ao JPN.

Muitos países não estão dispostos a apoiar o regresso de adultos. Por consequência, a maioria dos (poucos) regressos têm sido de órfãos, crianças separadas dos respetivos cuidadores ou menores cujas mães concordaram que estes regressassem desacompanhados.

A 15 de abril, o presidente francês, Emmanuel Macron, pronunciou-se sobre o assunto, durante uma sessão em direto no canal “France Info”, garantindo que os processos de repatriação das crianças francesas que ainda estão nos campos estão a ser trabalhados. Macron recusou adiantar mais pormenores por não querer “politizar esta questão” e para garantir as “condições de segurança adequadas para estas operações”. Não obstante, o presidente responsabilizou os pais das crianças que também estão nos campos, que, “muitas vezes não querem que elas partam, mesmo que a sua família em França o deseje”.

Familiares de crianças francesas argumentaram, junto do Comité dos Direitos da Criança, que a permanência dos menores nos campos teve a sua “origem única” na decisão da França de não as repatriar. O Comité considerou a queixa admissível, relata a Save The Children; isto é, “que a França tinha jurisdição sob a Convenção dos Direitos da Criança e a capacidade e o poder de proteger os direitos das crianças francesas por meio de repatriação ou outra assistência consular”.

A Relatora Especial das Nações Unidas, Fionnuala Ní Aoláin, “deplora as práticas ingratas dos Estados que só aceitam o regresso de crianças já traumatizadas com base na sua separação das mães”. “Esta escolha desumana entre a separação familiar e a reivindicação da cidadania é uma escolha que não deve ser aceite nas sociedades civilizadas”, atesta.

Foto: UNICEF Foto: UNICEF

Para levar a cabo a repatriação apenas das crianças, os governos obtêm o consentimento escrito por parte das mães. Um método sobre o qual recai alguma desconfiança, na medida em que é questionado se o consentimento dado pode ser informado e voluntário quando se tratam de mulheres que estão detidas indefinidamente em campos fechados, sem acesso a orientação e aconselhamento. 

“Se eu tivesse que escolher novamente, não sei se teria feito isto”. São as palavras de uma mãe canadiana, em Roj, à STC, acerca da decisão que tomou ao permitir que o Canadá repatriasse a sua filha de 4 anos. “É o sacrifício mais difícil para uma mãe fazer.” Considerando a posição de muitos países de que homens e mulheres não devem ser repatriados, é bastante provável que esta mãe nunca mais veja a filha, vaticina a organização.

Admitindo que existem circunstâncias em que o melhor para as crianças é a separação dos pais – caso lhe estejam a ser negados direitos básicos e segurança -, ressalva a Save The Children, continua a ser a recusa por parte dos Estados em repatriar cuidadores adultos que impulsiona a separação, e não o melhor interesse das crianças. 

Sem ajuda, sem proteção e sem pátria

“Ao abrigo do direito internacional, todos têm direito a uma nacionalidade e existe uma convenção internacional sobre a apatridia [condição de quem não tem pátria] e, ao abrigo desta convenção, os governos não devem revogar a cidadania se isso deixar uma pessoa apátrida”, esclarece Letta Tayler, da Human Rights Watch. 

Nos casos em que alguém possui dupla nacionalidade, “os governos podem, em certas circunstâncias, revogar a cidadania”. “Mas há aqui duas questões: uma, é se estas pessoas têm realmente dupla nacionalidade; a outra questão é se o governo está a proporcionar o devido processo à pessoa cuja nacionalidade está a revogar para garantir que tem o direito de recorrer da decisão de forma significativa”, expõe. E é no segundo ponto que “vários governos” têm falhado, crê Letta Tayler. 

Um exemplo é o sucedido com Shamima Begum. Nacional do Reino Unido, viajou para a Síria com duas amigas para se juntar ao Estado Islâmico. Shamima tinha 15 anos, “o que significa automaticamente que ela deve ser tratada como vítima, mesmo que seja também uma perpetradora”. O governo britânico despojou-a da sua nacionalidade e “negou-lhe o direito” de poder voltar ao país “para contestar pessoalmente a revogação da sua cidadania”, por representar “um risco demasiado grande” em termos de segurança. De acordo com Letta Tayler, Shamima “está agora num dos campos do nordeste da Síria: Roj”.  

As autoridades britânicas alegaram que Shamima Begum teria dupla nacionalidade – do Reino Unido, e do Bangladesh, da parte da mãe. No entanto, a nação asiática contrapôs ao dizer que Shamima não é cidadã do país, aludindo ainda para a “tolerância zero” na abordagem ao terrorismo e contraterrorismo, o que, segundo a diretora da Human Rights Watch, significa que, caso Shamima entre no país, será “executada por enforcamento”. “Assim, Shamima Begum é, essencialmente, apátrida e é isto que estamos a ver em alguns destes casos”, completa.

“É essencial que as crianças não sejam colocadas numa situação de facto, ou em risco, de apatridia”, manifestou a Relatora Especial das Nações Unidas, Fionnuala Ní Aoláin. Os menores subsistem numa situação de “limbo legal” sem sequer terem acesso ao “direito a ter direitos”. “Esta lacuna requer a reparação imediata pelos Estados, e a implementação do direito a uma nacionalidade para estas crianças vulneráveis”, apela Fionnuala Ní Aoláin.

Uma reparação que deve ser feita de forma “individualizada” e com o objetivo de “não perpetuar ou contribuir para uma maior vitimização daqueles que já sofreram violência e trauma profundos”, advertiu.

Foto: Delil Souleiman/UNICEF Foto: Delil Souleiman/UNICEF

Olhados e tratados como “crias do califado”, “mini-membros do Estado Islâmico”, “a próxima geração de terroristas”, Kathryn Achilles, da Save The Children, acredita que a comunidade internacional já determinou quem estas crianças são e serão: de ninguém. “E isso é uma enorme tragédia e que impede soluções eficazes que reconheçam que estas crianças são, antes de mais, vítimas do conflito”, constata. 

Depois de uma guerra que se arrasta há 11 anos, “há um cansaço emocional na comunidade internacional e nos meios de comunicação social que é realmente difícil de desafiar”, exprime Kathryn. “Todos os dias existem relatos de crianças mortas em bombardeamentos. A seca afeta o nordeste do país, os preços dos produtos alimentares sobem diariamente…”, relata.

É um contexto “cruel” e “desumano”, e a atenção “também se perde por isso”, porque “as pessoas querem que a história do conflito sírio termine”. O problema é que “para aqueles que vivem no país” ele está longe de acabar. “É realmente necessário que haja muito mais urgência em torno da tentativa de resolver isto e não deixar as crianças a crescer em campos poeirentos no meio do nordeste da Síria”, compele. 

Artigo editado por Tiago Serra Cunha e Filipa Silva