Foi no número 159 da Rua de Cedofeita que Carolina Michaëlis e Joaquim Vasconcelos abriram as portas ao moderno movimento cultural portuense. A casa, onde a escritora e o seu marido, conhecido como “o pai da história de arte portuguesa”, viveram, foi, na primeira década do século XX, o ponto de encontro dos artistas portugueses.
Hoje está em risco de ruir. Há cerca de um ano ainda se avistava uma placa evocativa, colocada pela Câmara Municipal do Porto (CMP), recordando que ali viveu a primeira professora universitária de Portugal; hoje, no entanto, a mesma placa está tapada por uma protecção que assegura que os azulejos da fachada não caem na rua. Uma ausência que aumenta o desconhecimento dos portuenses em relação à vida da primeira mulher a tornar-se professora universitária em Portugal (ver vídeo).
O proprietário da tabacaria do andar de baixo da antiga casa de Carolina Michaelis critica “o péssimo estado” em que o edifício se encontra.
“A casa por dentro nem se fala e por fora é o que se vê; tudo a cair aos bocados, nem parece que é de um jornalista”, reclama o proprietário da tabacaria, referindo-se a Manuel António Pina, jornalista do Jornal de Notícias e proprietário daquela que o próprio intitula como o velho “coração cultural do país”. Declinando responsabilidades sobre o estado da casa, António Pina aponta a antiga lei das rendas como “o cancro geral do país e dos cascos e espaços velhos da cidade”.
Até 2013 não há remodelação
Conta António Pina que os dois inquilinos do edifício pagam rendas “irrisórias”, que rondam os 13 euros, o que inviabiliza a remodelação do edifício até 2013 (altura em que o contrato termina e os dois arrendatários saem da casa).
Há cerca de um ano que o edifício está envolvido por um manto escuro que tapa parte da fachada do edifício e a placa colocada pela CMP. “A placa está tapada porque havia azulejos que estavam a desagregar-se e havia o risco de cair sobre as pessoas que estavam na rua. Com medo que pudessem vir a desagregar-se mais com o tempo pagou-se ao empreiteiro para por lá aquela protecção”, explica o jornalista.
“É mais difícil um português cuspir em Amesterdão do que no Porto”
Lúcia Rosas, directora do mestrado em História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), considera que há uma ligação muito próxima entre o dever cívico e a formação patrimonial. Até porque, sustenta, “o mau ambiente físico faz mal as pessoas. É muito mais difícil um português cuspir em Amesterdão do que no Porto. Portanto, a qualidade dos sítios também é um factor de formação cívica”.
A especialista em Gestão do Património refere ainda que “no Porto há uma falta de coragem para tomar decisões”, por parte da Câmara, mas também das imobiliárias e proprietários, o que leva à degradação do património edificado.
Já Manuel António Pina acusa a CMP e a “lei das rendas do tempo de Salazar” pelos atrasos na concretização de um projecto para a casa onde Carolina Michaëlis viveu. “A Câmara não quer saber disso para nada! Ouviu falar vagamente de uma coisa chamada património, mas não quer saber… não tem a mínima sensibilidade para estas questões”, reclama.