Investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), Alexandra Oliveira (ver Vídeo) decidiu dedicar a sua tese de doutoramento ao estudo do mundo da prostituição na cidade do Porto.
A investigação teve a duração de seis anos, mas foi entre Outubro de 2004 e Outubro de 2005 que Alexandra Oliveira estabeleceu a maior parte dos contactos, recorrendo ao método etnográfico, em que o próprio investigador se torna o principal instrumento de trabalho.
Permanência no terreno, observação participante e estabelecer contacto com os vários aspectos do problema são os conceitos fundamentais. Daí concluiu, por exemplo, que os próprios companheiros das prostitutas vêem a actividade como uma profissão.
O que é que leva uma mulher a prostituir-se?
Não é fácil responder de forma simples porque é que alguém opta pela prostituição ou opta por fazer das trocas sexuais e comerciais o seu modo de vida. Há uma questão que eu acho importante dizer aqui: fazem-no por dinheiro. Há alguma ideia erradamente associada à prostituição de que as mulheres são perversas e que o fazem por ter prazer sexual. A motivação principal é o dinheiro. Não digo dinheiro fácil, pois não é fácil fazer esta actividade. De facto, tendo em conta as habilitações profissionais e escolares de muitas das pessoas que se prostituem, podem ganhar bastante dinheiro de forma mais rápida.
A entrada da prostituição dá-se na sequência de um acontecimento de vida que é marcante e que provoca uma inflexão na trajectória da pessoa. Como exemplo, a morte dos progenitores, a morte do companheiro. Num divórcio, em que uma mulher fica sozinha, as despesas mensais aumentam muito e, depois de ponderar várias hipóteses, acaba por recorrer à prostituição.
A prostituição está geralmente ligada a que condição social? A maioria das prostitutas vem meios sociais problemáticos?
O contexto que eu estudei foi a prostituição de rua. As pessoas que o compõem são sobretudo provenientes de níveis socioeconómicos baixos. São pessoas pouco escolarizadas, com pouca formação profissional, que vêm de meios pobres ou empobrecidos, não necessariamente problemáticos.
Perfil: Alexandra Oliveira
Alexandra Oliveira é docente e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). “O mundo da prostituição de rua: trajectórias, discursos e práticas: um estudo etnográfico” é título da sua tese de doutoramento.
Estas mulheres têm problemas de toxicodependência ou alcoolismo?
Há um grupo que se prostitui na rua precisamente porque é toxicodependente e é essa a motivação: conseguir dinheiro para comprar a droga. Em 2001, fiz um estudo de caracterização da prostituição de rua, no Porto e em Matosinhos, em co-autoria com a professora Celina Manita da FPCEUP. Concluímos que cerca de 30% das mulheres eram toxicodependentes. Eu não sei se este número actualmente se mantém ou não, mas há um grupo significativo de toxicodependentes.
E existem homens que se prostituem?
Existem, mas a prostituição feminina é maioritária, quer na rua quer noutros contextos. Existe também prostituição masculina, mas geralmente tem formas mais dissimuladas de oferta dos seus serviços. Geralmente faz-se em sítios mais específicos. E, depois, há também a prostituição transexual, que eu acho que tem mais visibilidade na rua do que a prostituição masculina. É a prostituição que é feita por transexuais ou por travestis e tem um número significativo.
Qual é a reacção dos familiares das prostitutas quando tomam conhecimento da sua profissão?
Sendo a prostituição tão rejeitada e tão estigmatizada as pessoas que a praticam têm tendência a ocultá-la dos seus familiares. Quando se trata de prostituição exercida em contextos que não de rua, a maioria das pessoas esconde-a. A maioria das prostitutas tem uma vida dupla em que os familiares não fazem ideia de qual é a sua actividade. Na rua isso é mais difícil de conseguir e há muitas pessoas que se prostituem na rua cujos familiares tomam conhecimento.
As reacções dependem. Pode ser de rejeição. Conheci mulheres que dizem que o pai ou a mãe nunca aceitaram que ela fizesse aquilo. Há casos de familiares que aceitam e apoiam incondicionalmente, digamos assim. E há outros casos em que constatei que os familiares aceitam porque têm interesse nisso e acabam também por usufruir de algum dinheiro. Se calhar, acabam por também usufruir desses ganhos e explorar esses ganhos. Mas as reacções são variadas: entre quem rejeita completamente, quem aceita incondicionalmente e quem aceita porque retira daí algumas vantagens económicas.
As prostitutas têm cuidados de saúde?
Sim, em geral têm. É óbvio que se pensarem numa toxicodependente degradada que está sempre a ressacar, com sintomas fortes, que vive na rua, esta é uma mulher que tem poucos cuidados em toda a sua vida. E também não tem cuidados ao nível da sua vida sexual. Mas, em geral, elas têm. Em geral, usam preservativo e vão ao médico, até porque há já muitos projectos a trabalhar no terreno e a apoiar as pessoas que se prostituem. Passam mensagens preventivas e de educação para a saúde muito fortes e muito direccionadas para as pessoas que se prostituem. Eu acho que elas têm bastante consciência dos perigos que correm e têm bastantes cuidados com a sua saúde.
A maioria das mulheres que se prostituem nas ruas do Porto é portuguesa ou estrangeira?
Há muitas estrangeiras na rua neste momento, este número tem vindo a crescer. Em 2001, na altura do tal estudo, não encontramos praticamente estrangeiras nenhumas. Neste momento já há muitas.
Quais são as diferenças entre as prostitutas portuguesas e as estrangeiras?
Salientava talvez dois aspectos que me parecem os mais importantes: as estrangeiras estão aqui como imigrantes, têm um projecto de vida muito bem definido de ganhar dinheiro a curto e médio prazo para poderem regressar ao seu país. O seu objectivo é esse e geralmente são mulheres que estão durante um período de tempo mais ou menos curto na prostituição, enquanto que muitas portuguesas acabam por fazer uma carreira durante grande parte da sua vida na prostituição.
As estrangeiras estão geralmente durante menos tempo. Isto reflecte também a sua postura na actividade. São mulheres geralmente jovens, bem arranjadas e que têm aquilo a que eu chamei uma postura activa na solicitação. Uma mulher que está encostada a uma parede durante toda a noite de forma passiva tem muitos menos clientes do que uma mulher que anda de um lado para o outro na beira do passeio, que chama os clientes, que tem uma postura mais activa na angariação de clientes.
As prostitutas têm o poder face ao cliente?
Acho que o poder do cliente existe até ao momento em que ele escolhe a prostituta. Aí o poder é dele. A partir desse momento o poder é da prostituta porque é ela que define o que faz, como faz, onde faz, em que condições e por quanto faz. É ela que dita as regras. Elas têm muito bem definido o que fazem e o que não fazem. Uma prostituta que faz sempre relações sexuais com preservativo, não adianta nada o cliente oferecer-lhe mais dinheiro para fazer sem preservativo que ela não faz. O poder está na mão dela.
As mulheres que vivem da prostituição conseguem realmente ser felizes?
Tem a ver com a reacção social a essa actividade. Para alguém que tem uma actividade que é permanentemente julgada e rejeitada… é óbvio que isso depois contribui para que a pessoa se sinta menos bem. Se esta actividade fosse uma actividade aceite, se fosse uma actividade profissional vista como todas as outras, penso que, em muito, contribuiria para que as mulheres, os homens ou os transexuais que se prostituem se sentissem melhor com o que fazem.