Na maioria dos países da União Europeia, o trabalho sexual é parcialmente criminalizado o que contribui para a estigmatização dos trabalhadores do setor. A conclusão é do estudo “Menos iguais que outr@s: As leis que afetam o trabalho sexual e a defesa dos direitos de profissionais do sexo na União Europeia”, apresentado esta quarta-feira de manhã.

Coordenado por Alexandra Oliveira, professora universitária e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), o trabalho realizado para a delegação do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu, propõe como solução a descriminalização da atividade.

O estudo pretende promover o debate sobre o trabalho sexual e dar visibilidade aos trabalhadores do setor que, de acordo com Marisa Matias, eurodeputada do BE, fazem parte de “populações invisíveis” e cuja situação se “agravou com a pandemia”.

Ao analisarem a legislação existente nos estados-membros da UE, as investigadoras verificaram dois quadros legais distintos – criminalização e regulamentação do trabalho sexual.

Na Croácia, o trabalho sexual é crime. Já na Roménia e na Lituânia dá lugar a uma multa. Estas penalizações abrangem tanto trabalhadores, como outras partes envolvidas na atividade. Na Áustria, Alemanha, Grécia, Hungria, Letónia e Países Baixos o trabalho sexual é regulamentado, apesar de o estudo ter verificado uma contradição.

“Embora na lei esteja subjacente que estes regulamentos existem para proteção dos trabalhadores do sexo, na prática, é um controlo sobre eles, quer seja [pela] apresentação de exames médicos obrigatórios na Áustria e na Alemanha, quer seja [pela] delimitação das zonas em que o trabalho sexual pode ou não acontecer”, explica Rita Pinto,  investigadora da FPCEUP e responsável por esta parte da investigação. Desta forma, a regulamentação destes países “parece ter subjacente o propósito de limitar e controlar os trabalhadores do sexo”.

Nos restantes 18 países da UE (onde, aliás, Portugal se incluí) a prostituição não é crime, mas é ilegal comprar serviços sexuais. No estudo pode ler-se que, no caso português, a prostituição não é considerada “nem crime, nem é uma atividade regulamentada ou profissão”. Contudo, promover o trabalho sexual é crime e é igualmente ilegal o trabalho conjunto na profissão, ou seja, só é possível o trabalho de forma individual.

Descriminalização do trabalho sexual é a solução

No que diz respeito ao impacto das políticas europeias no trabalho sexual, o estudo conclui que têm particular incidência nos trabalhadores migrantes em termos de cuidados de saúde – prevalência e risco de contrair VIH -, discriminação e estigma social. Para além disso, em todos os contextos verifica-se uma “confluência entre política de migração e trabalho sexual” que leva a uma dualidade de critérios que afeta, sobretudo, os trabalhadores migrantes de países fora da UE.

O estudo evidencia ainda que a descriminalização do trabalho sexual traz benefícios tanto para os trabalhadores, como para a sociedade, permitindo-lhes “acesso formal à economia e beneficiando de segurança social”, pode ler-se. A investigadora da FPCEUP responsável por esta parte, Ana Lemos, explicou que a eliminação de legislação punitiva tem um efeito positivo na redução do tráfico humano e exploração sexual.

Assim, as recomendações do estudo incidem sobretudo na descriminação do trabalho e no envolvimento dos trabalhadores do sexo na elaboração de legislação.

“Nada deveria ser feito sem nós”

Além de defenderem a descriminalização da atividade, os trabalhadores do sexo presentes na sessão foram unânimes no que diz respeito à pouca visibilidade que têm nas decisões políticas. Isto deve-se à pouca vontade dos governos no reconhecimento do trabalho sexual.

Sabrina Sanchez, trabalhadora migrante, membro do International Committee on the Rights of Sex Workers na Europa e fundadora do Sindicato Otras, referiu que, apesar de o Governo espanhol ser de esquerda e “um dos mais progressistas na história de Espanha, não quer ouvir os trabalhadores”. Afirmou ainda que o setor “contribui com 0,35% do PIB da UE e que é o único setor que não é tido em consideração”, isto porque são vistos como “criminosos”.

A ativista defendeu que a forma como se olha para a profissão tem de ser uma visão económica e não utópica, porque “o trabalho sexual não vai deixar de existir”, uma vez que quem o faz, fá-lo por necessidade. “Somos pessoas trans, migrantes. Já temos imensas barreiras”, explicou.

Para que os trabalhadores sejam ouvidos, Luca Stevenson, trabalhador do sexo e coordenador do International Committee on the Rights of Sex Workers na Europa, afirmou na mesma sessão que é necessário que estes profissionais se organizem, à semelhança de outros setores. Stevenson considera que não é “eficaz excluir os trabalhadores, porque isso não impede a exploração e a violação”.

Sandra, do Movimento dos Trabalhadores do Sexo em Portugal, considera também que a legislação do setor deve ter em conta as vozes dos trabalhadores. “Nada deveria ser feito sem nós. Qualquer modelo legislativo deveria incluir as nossas vozes na sua realização.”

Algo, aliás, que o estudo recomenda que se faça com base em evidência científica.

Artigo editado por Filipa Silva