Sair da escola com trabalhos de casa para fazer e entregar no dia seguinte é uma ideia enraizada há décadas. Mas será que tem de ser necessariamente assim?
Nem sempre. “As escolas são locais de trabalho por excelência e os alunos deverão sair com a questão dos trabalhos resolvida”, refere Albino Almeida. Para o presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP), que agrega 195 associações de norte a sul do país, os trabalhos de casa são uma questão complexa, em que devem ser ponderadas variantes como o tipo de tarefas marcadas ou o tempo dedicado às atividades escolares e à família.
Maria José Araújo, docente na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE-IPP), reconhece utilidade aos trabalhos de casa, mas não concorda com tarefas sistematicamente repetitivas e mecânicas que não estimulam o conhecimento dos alunos. “Há TPC e TPC. As crianças têm muitos estímulos fora da sala de aula, logo o trabalho repetitivo, além de cansativo, não tem nenhum efeito positivo”. “Trabalhos em que tenham uma participação ativa poderão ser bastante mais interessantes”, acrescenta.
Inovar e estimular o trabalho individual
Para Marina Serra Lemos, coordenadora da área de Intervenção Psicológica de Educação e Desenvolvimento na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, os trabalhos de casa são importantes até ao 9.º ano de escolaridade, devendo diminuir gradualmente.
Inês Jorge há 12 anos que ensina alunos do 1.º ciclo na E.B.1 João de Deus, no Porto. Na carreira a que se dedica há mais de 30 anos, costuma marcar trabalhos de casa todos os dias. Por vezes, prescreve aos mais novos tarefas de treino e consolidação, como fichas e cópias. “Preocupo-me que os trabalhos não sejam repetitivos, mas às vezes é preciso repetir, até tratarem o assunto por tu”, explica. Neste sentido, preocupa-se com a componente de pesquisa e de estudo, marcando-lhes resumos, sublinhados e mapas conceptuais. A colega Fátima Vaz, professora há 25 anos e há oito na mesma escola, também opta várias vezes pelos desenhos e jogos com os pais. Como refere Marina Serra Lemos, “o livro deve ser usado, mas não só”.
“As escolas têm de ser imaginativas e estimular os alunos ao trabalho individual”, refere Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes Escolares (ANDE). Para Marina, o trabalho individual e autónomo deve ser valorizado, pois promove a autorregulação comportamental em que “os miúdos resistem ao desejo de fazer outra coisa não tão importante”, refere. Assim, considera que os TPC não devem ser realizados em contextos escolares, o que raramente acontece.
“98% dos trabalhos vêm certos”, afirma Fátima Vaz. Tal situação deve-se ao facto de a maioria dos seus alunos fazer os trabalhos de casa num ATL, onde são corrigidos, perdendo-se, igualmente, a possibilidade de aferição das competências dos estudantes, mas consolidando o que foi ensinado. Por esse motivo, Inês Jorge não gosta que os pais corrijam os trabalhos dos filhos. “Prefiro que não façam o trabalho e o tragam, e eu volto a ensinar”, refere. Ainda assim, a docente reconhece que uma das utilidades dos TPC é servirem de referência para a família acompanhar o que os filhos estão a aprender. Maria José Araújo concorda com a professora primária. “Conversar com as crianças e estar atento às questões que colocam é ser um educador competente, o que não envolve diretamente os trabalhos de casa”, afirma. “Isso até desvaloriza o papel do professor”, acrescenta.
Luís Marinho, membro da Associação de Pais do Externato de Penafirme, nunca deixou os filhos irem para a escola com os trabalhos por fazer e, quando eles têm dúvidas, opta por questioná-los até encontrarem as soluções. “Quando não sei, vou estudar com eles e se, um dia, não conseguir, terá de ser a professora a ajudar”, esclarece.
Pouco tempo para a família
Além do contexto em que os TPC se realizam, é fundamental que haja uma relação com os interesses dos alunos. “Sendo que numa sala da aula é impossível ter isso em conta, os trabalhos de casa podem otimizar essa questão”, explica Marina Serra Lemos.
Para que pais como Luís possam ser pais e não professores, é necessária alguma sensatez. Inês Jorge nunca marca trabalhos de casa que ultrapassem 30 minutos a serem resolvidos, “porque os miúdos estão aqui cinco horas e depois ainda têm imensas atividades”, justifica. Liliana Correia, também professora na E.B.1 João de Deus desde o ano passado, opta, várias vezes por semana, por não marcar trabalhos de casa aos alunos do 1.º ano. “Eles andam tão cansados que já não se conseguem concentrar para fazer o trabalho com qualidade, por isso, hoje em dia, acho que os TPC não têm utilidade nenhuma”, refere. Para a docente, a principal necessidade é a de os alunos passarem mais tempo com os pais.
Para a CONFAP, trata-se de uma questão de equilíbrio em que as tarefas que potenciam uma relação escola-família devem ser prescritas, estimulando a partilha e a descoberta de conhecimentos. No entanto, “a criança não deve ser aluno da família”, refere Albino Almeida. “Dez minutos depois de chegar a casa, ainda é aluno porque toda a gente pergunta: ‘Trouxeste TPC?’ ou ‘Estás preparado para o teste?’. Só passada meia hora é que começa a ser filho”, acrescenta. Maria José Araújo considera que é essencial que as crianças, sobretudo entre os 6 e os 10 anos, brinquem depois da escola. “Porque brincar é uma atividade de socialização, logo é fundamental para o seu equilíbrio”, justifica.
Uma questão complexa
Quanto à possível extinção dos TPC em Portugal, não há um sim entusiasmado, nem um não convincente. Para Maria José Araújo, a organização das escolas por grupos etários deveria ser repensada, uma vez que os alunos não têm todos o mesmo background cultural. “A escola devia estar organizada de forma a que as crianças pudessem ir aprendendo ao seu próprio ritmo e até já há escolas onde os alunos não trazem a mochila para casa”, afirma.
Marina Serra Lemos não rejeita o fim dos trabalhos de casa mas, no caso do sistema de ensino português, seria uma grande perda para os alunos. “Não é fácil, mas não é impossível”, refere. Manuel Pereira diz que, embora roubem tempo ao convívio familiar, “servem para consolidar informação que a escola vai dando ao longo do dia”.