O seu nome aparece sempre indissociável de todo um universo acerca dos morcegos e dos ultrassons que emitem. Pode explicar-nos um pouco sobre os objetivos e o âmbito do trabalho que realiza?

Tenho trabalhado com mais animais para além do morcego, mas os morcegos têm sido um desafio particular na minha carreira, porque são um grupo sobre o qual, em Portugal, há um desconhecimento muito elevado. Cerca de 40% dos vertebrados terrestres ameaçados em Portugal são morcegos. Portanto, temos esta dicotomia – um grupo extremamente ameaçado e com um elevado grau de desconhecimento. E foi isso que acabou por me atrair.

Em que consiste especificamente o trabalho que realiza?

O trabalho que realizamos à noite começa por, ou por experiência própria ou sensibilidade, escolher um sítio onde montar redes. Estas redes são semelhantes àquelas com que se apanham pássaros ou aves. Montamos redes em locais que achamos ser bons para os morcegos caçarem. Essas redes estão abertas durante a noite e, se tivermos sorte, os morcegos caem nelas. Fazemos assim durante a noite e é isso que nos permite recolher dados para a posteriori fazer a sua caracterização.

A fama dos morcegos

Os morcegos “têm uma imagem terrível e horripilante na sociedade mundial e em Portugal, em particular. São bichos da noite e estão associados à imagem do escuro, do mal, de coisas horríveis. Aliás, Hollywood, ao longo do século XX, contribuiu muito pouco para mudar essa imagem. Por outro lado, o seu papel nos ecossistemas e, inclusive, para o homem, é extremamente positivo”, diz Hugo Rebelo.

O que o alicia no trabalho da captura, recolha de material genético e cruzamento de dados entre populações?

Isto é bastante pessoal, mas gosto muito deste desafio, isto é, do facto de os morcegos serem espécies desconhecidas. A isto podemos aliar a ocupação que fazem de um tipo de abrigos de difícil deteção, como são o caso das grutas ou minas, que trazem desafios particulares. Eles também andam à noite e portanto a detetabilidade é baixa. O que mais me aliciou foi a questão metodológica de trabalho com este grupo faunístico e a missão de tentar, apesar de saber pouco, dar alguma contribuição e conseguir avançar em termos de conservação.

Trabalha na área da bioacústica. Pode explicar-nos a importância de estudar os ultrassons que são emitidos pelos morcegos e o que é que eles nos “dizem” sobre cada espécie?

A relação é total. Graças ao estudo dos ultrassons é que é possível estudar os morcegos. Cada espécie distingue-se por variadas vocalizações características, não digo únicas, mas com um reportório mais ou menos típico. O som é de extrema importância para os morcegos, dado que é o principal sentido para eles percecionarem e interpretarem o que os rodeia. Do mesmo modo que, para nós, seres humanos, a visão é o mais importante, para eles é o som. Estes mamíferos percecionam o meio, mandando “berros” ultrassónicos e através do eco que esses sons produzem, caso encontrem um obstáculo, conseguem “ler” uma informação bastante importante e semelhante àquela que nós conseguimos ler do ambiente através dos olhos, nomeadamente, a localização dos obstáculos, objetos, texturas, profundidade. Eles têm informação 3D do som. Portanto, têm um sistema bastante eficaz. Não é semelhante a um radar, porque este emite radiação eletromagnética, mas é semelhante a um sonar.

Os morcegos “portugueses”

“Todos os morcegos em Portugal são insetívoros, alimentam-se quase exclusivamente de insetos, alguns deles só se alimentam exclusivamente de mosquitos, outros alimentam-se de insetos que são pragas para a agricultura, outros comem muitos escaravelhos (que também são pragas para a agricultura)”, explica Hugo Rebelo.

Existem então diferenças entre os ultrassons, por exemplo nos casos de comportamentos sociais?

Sim. Eles têm vários tipos de sons. O som de navegação é o som que eles utilizam durante o voo, para evitarem chocar com obstáculos e para detetarem as presas. Trata-se de um som mais ritmado, mais constante, em que chega a ter 10 a 20 gritos por segundo, num ritmo mais ou menos constante e isso é mais ou menos a lógica do sonar, que vai emitindo uma série de pulsos e os ecos depois vão dando informação. Por serem animais muito pequeninos e o nível de intensidade sonora elevado, os ultrassons têm um custo metabólico para os morcegos, isto é, cansa-os, porque gastam muita energia ao “berrar” muito alto. Em todos os outros tipos de comportamentos que não sejam navegação, por exemplo, nas interações sociais, os sons que eles emitem já são de baixa frequência e portanto audíveis pelo ser humano. Neste caso, o custo metabólico é baixo. Inclusive na cidade do Porto, nas árvores, em setembro/outubro, que é a época de acasalamento, detetamos imensos “chamamentos sociais” de machos ou fêmeas, que se chamam uns aos outros. São sons que passam despercebidos, mas que se ouvem por todo o lado.