No ano em que a nomeação do Porto como Património da UNESCO comemora duas décadas, o JPN foi saber mais sobre o processo de candidatura e como se chegou a este estatuto em 1996.
Desde a ideia da candidatura do Centro Histórico do Porto a Património Mundial até à aprovação da UNESCO passaram seis anos. Pelo caminho a equipa técnica responsável pelo processo encontrou algumas adversidades, mas insistiu na luta de homenagear a Invicta sem a tornar uma cidade cristalizada.
Em 1993, chegou às mãos do ICOMOS, Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, um livro que continha as razões pelas quais o Centro Histórico do Porto devia ser considerado Património Mundial.
O dossiê “Porto a Património Mundial” foi criado por uma equipa técnica centralizada essencialmente no Comissariado para a Reabilitação Urbana da Área Ribeira/Barredo (CRUARB), mas que contou também com “alguns elementos de outras origens, sobretudo do arquivo histórico municipal do Porto e até da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto”, como conta Rui Loza, arquiteto na altura responsável pelo CRUARB, ao JPN.
Rui Loza nota que a ideia da candidatura era unânime porque o município tinha consciência do valor da cidade: “Havia a perceção de que o centro histórico tinha qualidade objetiva, tinha valor intrínseco para poder estar na lista do Património Mundial comparado com os outros centros históricos que já estavam na lista à época.”
Os obstáculos: O tempo dos técnicos e o tempo da política
O dossiê já vinha a ser preparado desde 1990 e quando em 1993 foi entregue ao ICOMOS, a comissão sugeriu algumas alterações que levaram mais três anos a afinar. O tempo parecia razoável para os técnicos, mas a pressão da autarquia aumentava com o apertar dos prazos.
“Isto do ponto de vista do trabalho técnico pareceu um ‘timing’ normal, mas para os políticos era um ‘nunca mais e quando é que está pronto? quando é que vai ser?'”. É evidente que há uma leitura do tempo para quem depende dos votos e para quem tem que fazer o trabalho de investigação”, continua Rui Loza, atualmente vereador sem pelouro na Câmara do Porto. “Como a decisão foi favorável é hoje irrelevante se demorou seis anos ou se demorou seis meses”, conclui.
Para o arquiteto justifica-se que os critérios da UNESCO sejam rigorosos, “para que a lista não seja banalizada”, mas garante que a candidatura não recebeu grande resistência e que até as alterações ao dossiê inicial não foram substanciais. “No caso do Porto foi, essencialmente, mais uma caixa de fotografias, alguns arquivos e anexos: cartografia, livros”.
A fuga à conotação de cidade cristalizada
Rui Loza explica que provar a autenticidade da história da cidade era uma prioridade para que o Porto fosse reconhecido e mostrar “que não é um figurino, que não é um cenário, que não é nada que tenha sido feito artificialmente para simular uma cidade histórica. É real, as casas que lá estão são realmente do século XVIII e XIX. As ruas foram realmente abertas na Idade Média ou no tempo de D. Manuel ou no tempo dos Almadas”. “Há um caráter único”, sustenta.
Uma das principais lutas da equipa técnica era mostrar que para além do valor histórico, o Porto era uma cidade com vida, assegura o antigo responsável pelo CRUARB. “O Porto foi entendido como uma cidade viva. É uma cidade com ruas, casas, cais, rio, zonas urbanizadas e zonas em urbanização, mas também tem uma população dinâmica. Há comércios a abrir, há comércios a fechar, há casas a arder e casas a construir e mudança. A cidade estando viva está sujeita a mudança como todos os seres vivos”.
A 4 de dezembro de 1996 era conhecida a decisão da UNESCO. O Porto passava a ser Património Cultural da Humanidade. A classificação abrange uma área que ronda os 49 hectares que inclui a parte da cidade interior ao traçado da antiga muralha Fernandina e algumas áreas adjacentes. No total, há quase 60 monumentos integrados nesta área.