Clara Silva ou Clara Não, como é mais conhecida no espaço público, é uma jovem ilustradora de 27 anos que vive no Porto. O nome artístico surgiu de um momento de indecisão: listou várias hipóteses, a todas foi dizendo que “não”. A palavra substantivou-lhe o nome e deu-lhe uma atitude. Faz agora “ainda mais sentido”, diz ao JPN a ilustradora, que vê o “Não” como uma “reivindicação”.

Clara Não é, para além de ilustradora, escritora e ativista, mas vê-se sobretudo como uma “autora”. Autora que expôs, pela primeira vez, o seu trabalho em nome próprio. Na galeria Senhora Presidenta, no Porto, estão expostas desde 7 de novembro várias ilustrações, bordados e postais.

A exposição chama-se “Tudo me interessa imeeenso” e tem como base “duas coisas”, explica a própria ao JPN: “as coisas que me irritam imenso e sentires-te assoberbada de informação, porque hoje em dia estão sempre a tentar impingir informação”, diz.

Este trabalho nasceu durante o período de confinamento: “comecei  a ficar muito mais alerta para as coisas que me irritavam, porque estava isolada e estava a irritar-me tudo”. Os signos são um bom exemplo: “Eu acho piada à questão dos signos e até acredito que tenha alguma validade, no sentido que até possam ser uma base de personalidade. Não sei se acredito, mas acho piada. Só me irrita imenso é quando as pessoas justificam o mau-feitio ou as más ações com signos”, comenta.

Há também espaço para abordar o amor e como “às vezes é piroso”. A “‘pirosidade’ do amor, às vezes, irrita-me, mesmo quando eu própria estou apaixonada e sinto-me mais pirosa e ‘autoirrito-me’”, descreve. E fala, igualmente, das coisas que lhe perguntam em entrevistas de que não gosta.

Para além das ilustrações, Clara Não também apresenta os bordados “que vão de encontro à questão de picar o politicamente correto, o que também me irrita, porque parece que a partir do momento em que tens alguma visibilidade, tens de ser automaticamente politicamente correta, para as pessoas não te insultarem. Isso irrita-me, porque eu quando tinha menos visibilidade dizia muito mais coisas que agora não posso”.

A exposição também revela um tema essencial para Clara Não, que já é abordado em muitos outros trabalhos da ilustradora. A presença do feminismo nas suas ilustrações parte do facto, primeiro, “de ser mulher” e, depois, de uma preocupação: “A partir do momento em que acordas para os problemas enraizados do machismo é impossível não veres as coisas. E cada vez, vês mais, cada vez, vês mais camadas”, afirma. Para a ilustradora é impossível não falar do feminismo no seu trabalho: “quero o melhor para o mundo e para a mulher e a igualdade não faz mal a ninguém.” Por isso, considera, “é impossível não tocar nisso, porque a única forma de nós alcançarmos justiça social no mundo é com o feminismo”, resume.

Mas também há uma relação com a política, que também está exposta. “Honestamente, é impossível falar de feminismo sem falar de política”, acrescenta.  Porém, o que irrita a jovem ilustradora, ao ponto de expor esta sua irritação, é “quando as pessoas não se interessam por política, mas depois mandam vir com as políticas. Interessares-te pela política é interessares-te pela tua liberdade, pelos teus direitos, por isso, para mim é impossível não tocar na política”, remata.

Novo livro em 2021

Clara Não tem 88 mil seguidores na sua página de Instagram e “não esperava nada” que assim fosse. A ilustradora começou sem um plano, de uma forma muito natural, mas assume que fica contente com o percurso feito até aqui. “Fico também ligeiramente mais preocupada, porque tenho mais responsabilidade, mas é uma responsabilidade boa, porque acabo por ter poder para influenciar assuntos, no melhor sentido da palavra”. Isto é, “não deixar os assuntos morrerem, é criar espaço de discussão em que haja liberdade de expressão, mas nunca discurso de ódio. Isso eu não tolero”, garante .

No fundo, Clara Não quer “ter uma plataforma” que lhe “permita dar a conhecer às pessoas coisas que são realmente importantes para o mundo”, na sua visão, e que preocupam a autora.

Depois exposição “Tudo me interessa imeeenso”, a ilustradora, nesta primeira semana de dezembro, participa numa exposição coletiva no espaço Art Room, em Lisboa, que vai contar, para além de Clara Não, com nomes como Dylan Silva, Henriette Arcelin, Sebastien Navosad, Andres Ciccone e Cátia Castel-Branco. A ilustradora também colaborou com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) para comemorar os 30 anos, participando com duas ilustrações originais e exclusivas.

Colaborou, igualmente, com a associação Animais de Rua, para a qual fez ilustrações para um calendário e uma agenda.

Em abril do próximo ano, Clara Não vai lançar um novo livro, que conta a história da sua residência literária em Braga. “É um livrinho pequenino. São só 32 páginas e somos quatro ou cinco escritores”, conta ao JPN. Este novo livro junta-se a um outro, intitulado “Miga, esquece lá isso”, que foi lançado em agosto de 2019, e no qual aborda “o amor e a indignação para os dias em que te sentes em baixo”.

A exposição “Tudo me interessa imeeenso” está disponível na galeria Senhora Presidenta. Foi inaugurada no dia 7 de novembro e fica patente até ao final do mês de novembro. A entrada é gratuita e pode ser visitada de quinta a sexta, das 14h00 às 19h00, e no sábado das 10h00 às 12h30.

Artigo editado por Filipa Silva