A COVID-19 teve um efeito negativo nas pessoas de todas as faixas etárias. Às crianças é difícil explicar que vírus é este e o porquê das coisas estarem tão diferentes. “Porque é que as pessoas agora não se podem abraçar? Porque é que agora temos que usar uma máscara? Porque é que não podemos ir visitar os avós como fazíamos antes?”, exemplifica Carolina Pascoal. Não se trata de uma questão de medo, mas de não compreenderem o que se passa, explica a psicóloga. Os adultos, por outro lado, têm mostrado medo, ansiedade e desgaste. Estão cansados desta situação que vivem há quase um ano.

No início, as pessoas desapareceram dos consultórios por não se sentirem confiantes com o acompanhamento online. Carolina Pascoal explicou que “foi muito difícil mostrar às pessoas que a psicologia pode funcionar online” e esclarece que, embora faça sentido a dúvida, a psicologia, mais que uma ciência de proximidade, é uma ciência de relação. O importante no acompanhamento psicológico é sentir uma ligação com a pessoa.

Apesar do distanciamento cliente-psicólogo na primeira fase da pandemia, as pessoas começaram a regressar aos poucos, “como um animal que sai da toca”, por perceberem que não conseguem estar sem terapia. Deste modo, com o passar do tempo, começou a haver um grande aumento da procura dos serviços de psicologia.

Do confinamento aos “fantasmas” escondidos

A primeira vaga da COVID-19 impôs o confinamento a milhares de portugueses, que tiveram de mudar de planos e ajustar os seus hábitos. As notícias que passavam na televisão assustavam, a desinformação era uma constante nas redes sociais e a incerteza do amanhã incomodava qualquer um. Para além disso, Carolina Pascoal lembra que “nós somos seres sociais, temos que sair e conviver. Obrigar uma pessoa a estar confinada é obrigar uma pessoa a estar presa, e nós não somos reclusos”.

A psicóloga explica a forma como o nosso cérebro processa o confinamento: “Nós funcionamos a nível de sinapses. O nosso cérebro é o nosso computador, a nossa máquina, e está interiorizado nas nossas sinapses que nós temos que ir à rua e fazer as nossas coisas. De um momento para o outro, é exigido ao nosso cérebro que crie novas sinapses, que têm que nos dizer que agora somos pássaros dentro de uma gaiola”.

Obrigadas a ficar em casa, as pessoas tiveram mais tempo para pensar sobre si e estar mais atentas àquilo que sentiam. Carolina explica que foi aí que os problemas que estavam “camuflados” emergiram. Assim, a COVID-19 acabou por se revelar um sintoma de um problema primário, “que serviu para acordar fantasmas”.

A luz ao fundo do túnel?

A altura do verão foi a mais benéfica para a saúde mental. A estabilização do vírus e a diminuição do número de infetados, aliadas às altas temperaturas, deram alento às pessoas e ajudaram no combate aos sintomas depressivos. “As pessoas viram que já não havia tantas restrições: as fronteiras abriram, podíamos viajar… até havia quem aparecesse nas minhas consultas sem máscara!”, conta Carolina Pascoal. Para a psicóloga, este período foi uma falsa ilusão: “Havia muita gente que achava que a COVID-19 tinha acabado”.

Carolina Pascoal no consultório de psicologia. Foto: PSIKE

Mais grave que a COVID-19

Atualmente, a procura está a ser ainda maior comparativamente à primeira vaga, mas o principal motivo não é a pandemia: “As pessoas vêm por causa de problemas das vidas delas, não vêm por causa do coronavírus: as pessoas estão cheias de falar disso. Há stresse, sim, e, no geral, as pessoas estão tristes e cansadas, mas no gabinete desligam”, conta Carolina Pascoal.

A psicóloga tem verificado que as pessoas que procuraram a sua ajuda durante a primeira vaga estão a conseguir lidar melhor com a situação, pois são capazes de fazer “uma identificação de sentimentos e separação de pensamento e realidade”. Ainda assim, muitas delas continuam a frequentar as consultas para se sentirem estáveis.

Marcas irreversíveis

E como estará a saúde mental das pessoas quando a pandemia acabar? Carolina Pascoal acredita que as pessoas vão continuar a precisar de acompanhamento psicológico. Isto deve-se ao facto de o nosso sistema de defesa-ameaça estar completamente ativado desde que a COVID-19 começou. Carolina compara-a a uma sirene dos bombeiros: “Desde que a pandemia começou, a nossa sirene está sempre a tocar, porque estamos com um medo constante”. Mesmo quando a pandemia terminar, o nosso sistema vai continuar alerta e a “sirene dos bombeiros vai tocar por muito tempo”.

A pandemia vai deixar cicatrizes e marcas irreversíveis em nós

A psicóloga acredita que, quando for possível retomar a normalidade, as pessoas não vão saber como fazê-lo: “Um dia em que seja possível voltar a entrar numa discoteca, as pessoas não vão saber estar lá dentro (…), vão estar cheias de medo. Não vão acreditar logo que a COVID-19 passou, vão pensar que a qualquer momento vai voltar e que a vacina não é real”. É, por isso, necessário um acompanhamento posterior para “ensinar às pessoas que o perigo já não existe e que vamos ter que continuar a viver como vivíamos antes”.

Carolina Pascoal conclui que “houve um lado agridoce no meio disto tudo: as pessoas acabaram por perceber, da pior maneira, a importância da psicologia nas vidas delas”. Para moral da história fica o reconhecimento da saúde mental como uma constante no dia a dia de todos, bem como a necessidade de recorrer à psicologia para o tratamento de “fantasmas escondidos”.

Artigo editado por Filipa Silva

Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online