A procuradora Andrea Marques do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa ordenou à Polícia de Segurança Pública (PSP) para vigiar jornalistas. O objetivo seria descobrir as fontes destes profissionais dentro dos tribunais. A informação foi veiculada por diferentes órgãos de comunicação social esta quarta-feira.

Segunda a revista “Sábado”, Carlos Rodrigues Lima, jornalista da publicação, e Henrique Machado, jornalista do “Correio da Manhã” na altura do caso, atualmente, da TVI, foram seguidos e fotografados pela polícia. Estavam ambos a trabalhar na investigação ao caso e-toupeira. A diligência foi ordenada, em abril de 2018, à PSP, por Andrea Marques sem qualquer mandado de um juiz de instrução – contrariando a lei que afirma que só um tribunal superior pode ordenar a quebra do sigilo dos jornalistas.

Já de acordo com a revista “Visão”, a mesma procuradora usou um processo para vigiar passos, contas bancárias e mensagens telefónicas de duas jornalistas. Também na sequência do caso e-Toupeira, o DIAP decidiu extrair o histórico de mensagens telefónicas trocadas entre um coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária e a jornalista da VISÃO, Sílvia Caneco. O mesmo aconteceu com um histórico de mensagens de Isabel Horta, ex-jornalista da SIC.

A procuradora Andrea Marques também quis descobrir as fontes utilizadas pelos jornalistas da RTP, no programa “Sexta às 9”. Segundo a estação pública, o caso ocorreu em agosto de 2020. A magistrada do Ministério Público chegou a pedir a inquirição de duas jornalistas e uma delas foi ouvida na qualidade de testemunha, tendo sido questionada por um procurador-estagiário sobre as fontes do programa.

A Procuradoria-Geral da República garante não ter sido informada sobre as vigilâncias aos jornalistas. Nem Joana Marques Vidal, a ocupante do cargo em abril de 2018, nem Lucília Gago, a atual Procuradora-Geral, estavam a par das diligências, segundo a “Visão”.

Segundo a “Sábado”, todas as operações movidas contra jornalistas no âmbito do processo por violação do segredo de Justiça no caso e-toupeira foram decididas pela procuradora Andrea Marques, que tutelava a investigação, e pela diretora do DIAP de Lisboa, Fernanda Pêgo. Ao Observador, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, disse que vai pedir ao Conselho Superior do Ministério Público para avaliar a investigação de Andrea Marques.

Um caso “impensável” que revela um “problema estrutural”

A presidente do Sindicado dos Jornalistas (SJ) afirmou à “Sábado” que o caso “coloca em causa o sigilo profissional”. Sofia Branco revelou-se surpreendida com o facto de as diligências terem acontecido “sem o mínimo de contacto com as instituições que podiam esclarecer que uma coisa destas viola claramente o sigilo profissional”.

O sindicato lamentou ainda que “neste contexto, de ataque cerrado à liberdade de imprensa, em muitas paragens, haja um poder judicial a ter uma decisão” como a da procuradora Andrea Marques. A representante sindical apelou aos jornalistas e aos respetivos orgãos de comunicação social que apresentem queixa: “O que aconteceu é grave, tem de ser denunciado individual e coletivamente. Este é um caso importante para toda a classe jornalística”, disse no comunicado que enviou à revista.

Ouvido pelo JPN, o jornalista da VISÃO Miguel Carvalho descreveu as diligências do DIAP de Lisboa como um caso “impensável”. “Esta atitude é suficiente para merecer uma condenação sem vírgulas”, afirmou.

O jornalista de investigaçãi realçou que a profissão luta “todos os dias para dar credibilidade à democracia e à própria liberdade”. Por isso, Miguel Carvalho não admite que “num estado de Direito e num estado democrático se vigiem jornalistas e as suas fontes”.

Já para o professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, António Granado, é “extremamente grave que haja vigilância de jornalistas e das suas fontes“. A investigação “viola o princípio de liberdade de imprensa e o princípio da confidencialidade das fontes”, explicou ao JPN.

António Granado apontou que este caso é mais um para o “triste historial que Portugal tem no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, onde o país perdeu todos os casos que já foram apresentados no que toca a crimes contra a liberdade de imprensa. “É claramente um problema estrutural“, afirmou o professor universitário, “os nossos governantes estão muito mal habituados aos direitos da imprensa”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva