Esta decisão surge em solidariedade para com os trabalhadores do Global Media Group e em defesa da democracia e do jornalismo. O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões, disse ao JPN que ainda não está claro qual o dia mais indicado para concretizar esta greve e se a paralisação deve acontecer "durante, antes ou depois da campanha eleitoral".

O evento contou com uma redação multiplataforma constituída por dezenas de alunos que acompanharam os diferentes debates Foto: Congresso dos Jornalistas/Facebook

A moção conjunta que propunha mandatar o Sindicato dos Jornalistas (SJ) a convocar um dia de greve geral foi, este domingo, aprovada, por unanimidade, no 5.º Congresso dos Jornalistas. Esta decisão surge em solidariedade para com os trabalhadores do Global Media Group (GMG) e em defesa da democracia e do jornalismo.

Ninguém avança para uma greve de ânimo leve, mas a emergência é tão grande, as condições de trabalho dos jornalistas são tão más e precárias, que toda a classe – dos mais velhos aos mais novos – decidiu que era o momento de parar e de dizer que um dia sem informação é um drama para a sociedade“, disse ao JPN o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões.

Os proponentes da moção, Ana Luísa Rodrigues, Ricardo Cabral Fernandes, Nuno Viegas e Luís Simões, alertaram para os baixos salários, os longos turnos e a precariedade da profissão, dando nota de que esta situação “não começou com a destruição da Global Media Group”, já que “a crise está entranhada em todas as redações“, pode ler-se na moção.

Temos de parar. Simplesmente parar. Exigir que finalmente nos ouçam. Deixar de dar notícias, de fazer diretos, abandonar as redações, as conferências de imprensa e as ações de campanha. Não metemos jornais nas bancas, não damos notícias nas rádios, não transmitimos o telejornal, não publicamos nas redes sociais. Mostremos o quão necessário é o nosso trabalho. Caminhemos juntos sem deixar ninguém para trás. Empurram-nos para o escuro, mostremos o que é o escuro por um dia. Para que se perceba o que é viver sem notícias, o impossível da democracia: não haver informação. Avancemos para a greve geral“, lê-se ainda no documento, intitulado “Está na hora de parar: avancemos para a Greve Geral”.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas disse ao JPN que a data de realização da greve geral – a primeira desde 1982 – será anunciada “o mais brevemente possível“, uma vez que ainda estão a ser ouvidos os delegados sindicais, as comissões de trabalhadores e as direções dos órgãos de comunicação social. Luís Filipe Simões afirmou ainda que, neste momento, há dois aspetos em consideração: qual o dia mais indicado para concretizar esta greve e se a paralisação deve acontecer “durante, antes ou depois da campanha eleitoral“. No entanto, “a seguir à campanha, já passou muito tempo, depois do congresso dos jornalistas, e talvez não fosse boa ideia”, admitiu.

Para além destas considerações, Luís Filipe Simões diz ainda que é necessário “elaborar um caderno reivindicativo” que inclua todas as preocupações dos subscritores das moções, que apelavam a uma greve, e onde esteja claro que a classe está em luta por “um jornalismo digno, com menos precariedade e com melhores salários“.

Saúde mental, financiamento e diversidade nas redações marcaram as outras moções

No último dia do congresso, que se realizou entre 18 e 21 de janeiro no cinema São Jorge, em Lisboa, foram votadas mais de 20 moções, sendo que algumas delas – todas relativas à realização da greve geral – foram reunidas numa moção conjunta aprovada.

Do leque de propostas que reuniram a maioria dos votos dos jornalistas presentes fez também parte uma moção, apresentada por Luís Filipe Simões, Diana Andringa, Pedro Coelho e Sofia Branco, sobre a agressão contra jornalistas, na qual pedem à Procuradoria-Geral da República (PGR) que “seja célere a responder à queixa do jornalista do ‘Expresso’ e que avance com um inquérito rigoroso para o apuramento de responsabilidades e a punição exemplar dos responsáveis“. Note-se que um jornalista do semanário foi agredido na passada terça-feira (16), no exercício das suas funções, durante um evento na Universidade Católica, no qual esteve presente o líder do Chega.

Foi também aprovada a moção de Carlos Camponez e Orlando César que “manifesta preocupação com os ataques às condições de trabalho e ao exercício independente e autónomo da profissão em todo o mundo”, nomeadamente em Gaza, onde desde o início da guerra já morreram 96 jornalistas.

Também a moção intitulada “As nossas redações espelham a diversidade do país? Não, e temos de falar sobre isso”, apresentada por Filipe Santa-Bárbara, Joana Carvalho Reis e Sara de Melo Rocha, foi validada pelos congressistas. Os autores da moção propuseram a “criação de um grupo de trabalho que analise a representatividade nas redações, produza um relatório sobre o assunto e apresente os dados” e “a criação de um grupo de trabalho que ouça associações e ONG que representem minorias que identifiquem lacunas em assuntos tratados nos media e produza um documento que possa servir de consulta e reflexão para as redações”.

A moção “Não há democracia – nem jornalismo – sem igualdade”, que tem Aline Flor como primeira subscritora, chamou à atenção para “as desigualdades de género nas redações“, apelando à “criação de um grupo de trabalho sobre igualdade de género na profissão, que faça uma recolha e desagregação de dados e o planeamento de ações concretas” e à “promoção da transparência salarial nas redações“. A saúde mental no jornalismo, que foi também um dos temas de destaque do congresso, foi alvo de uma moção por parte de Isabel Nery. A jornalista solicitou a “criação, por parte dos órgãos de comunicação social, de um sistema de acesso a consultas de psicologia de forma gratuita para jornalistas”, dando conta que “48% [dos profissionais] tem níveis elevados de esgotamento e 18% está já em exaustão profissional“. Estas duas foram também apoiadas pela maioria dos presentes.

No que diz respeito ao financiamento dos meios de comunicação social, foram ainda aprovadas moções que propunham “a inclusão na legislação de normas de transparência dos investidores na comunicação social” para que qualquer investidor na comunicação social tenha de “obedecer a registo de idoneidade” e “que os jornalistas reivindiquem para si os dividendos que as grandes plataformas digitais fazem com o trabalho dos profissionais”.

Luz verde recebeu também a moção, apresentada pela jornalista Sofia Craveiro, que pede uma “reformulação do artigo 2.º do Código Deontológico dos Jornalistas, para que nele sejam incluídos os termos ‘clickbait‘ e ‘desinformação’“. Ou seja, os jornalistas devem combater estes dois últimos fenómenos à semelhança do que acontece com a censura e o sensacionalismo, como prevê o Código.

No congresso, foram ainda aprovadas moções que defendem: o direito de os jovens jornalistas, que estejam a frequentar um estágio, assinarem as suas peças; o trabalho dos fotojornalistas; a não “identificação de pessoas acusadas e condenadas de praticar crimes” e uma demonstração de solidariedade para com os profissionais palestinianos.

Para Luís Filipe Simões, o congresso, que contou com a participação de cerca de 800 congressistas, traduziu-se num “momento de reflexão muito importante“, no qual foi possível discutir as preocupações da classe, assumir alguns erros e trabalhar nas “soluções que devemos ter e no jornalismo que queremos ter”.

Editado por Filipa Silva