Eda Alves enfrenta os desafios da fibrose quística desde os primeiros meses de vida. A jovem de 19 anos, que passou por vários internamentos hospitalares, viveu dependente de antibióticos orais e endovenosos até descobrir a terapia fágica. Foi criada uma petição para implementar este tratamento em Portugal.

Eda Alves foi diagnosticada com fibrose quística Foto: Bárbara Sequeira Pinto/JPN

Eda Alves, de 19 anos, foi diagnosticada, pouco depois de nascer, com fibrose quística, uma doença genética que se caracteriza pela falta de uma proteína chamada CFTR e pela consequente acumulação de secreções no corpo. A jovem tem uma vida muito condicionada pela patologia, que afeta, sobretudo, os pulmões, já que a acumulação destas secreções cria um ambiente propício ao aparecimento de bactérias e, consequentemente, infeções pulmonares.

Em dezembro de 2020, Eda descobriu a terapia fágica que a tem ajudado a ter uma “vida mais normal”. Esta terapia consiste num tratamento com bacteriófagos – ou fagos, como são habitualmente chamados -, que é utilizado para combater infeções e nos casos em que as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos.

Embora esta terapia seja uma alternativa aos antibióticos, não deve ser usada com esse propósito, mas apenas quando os antibióticos deixam de fazer efeito. O investigador do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho Luís Melo sublinha: “Não estamos a advogar o uso de fagos de uma forma generalizada e indiscriminada. Ainda acreditamos no uso de antibióticos e estamos a usar os fagos em infeções que são resistentes aos mesmos”.

Eda sempre sentiu que era “diferente”

Eda nasceu com uma oclusão intestinal e ao segundo dia de vida teve de ser operada. Estas obstruções são, muitas vezes, um efeito secundário da fibrose quística. Nesta altura, começaram também a ser realizados testes genéticos e, por isso, a jovem acabou por receber o diagnóstico de fibrose quística muito cedo.

Devido à doença, Eda permaneceu em casa e nunca frequentou um infantário até aos seis anos, o que a fez perceber que era “diferente” das outras crianças. À medida que foi crescendo, teve de se expor mais ao mundo exterior e o seu estado de saúde agravou-se. “Ao nível de saúde, a fase da adolescência, foi o início do agravamento, porque o que acontece é que, se nós não tivermos tão protegidos, vamos contrair bactérias mais facilmente. Ao contrair as bactérias, aparecem infeções respiratórias recorrentes, necessidade de antibióticos, por vezes, antibióticos endovenosos, que levam a que eu tenha de ficar duas ou três semanas, às vezes, mais tempo, internada e a faltar à escola”, contou ao JPN.

Aos 16 anos, a função pulmonar de Eda atingiu um nível preocupante, tendo, inclusive, surgido a possibilidade de se realizar um transplante pulmonar. “É sempre assustador pensarmos em fazer um transplante. Pensamos que isso só acontece aos outros e aos mais velhos, mas não é nada assim. O objetivo é tentarmos prolongar isso ao máximo e só ser mesmo usado em último recurso, porque um transplante tem muitos riscos. É claro que ajuda em algumas coisas, mas é, também, uma segunda doença”, afirmou.

A terapia fágica revelou ser uma solução para uma doença que ainda não tem cura

A fibrose quística, até à data, não tem cura. No entanto, existe medicação, por exemplo, o Kaftrio, que pode ser tomado diariamente e que ajuda a estabilizar a doença. Apesar do seu custo elevado, este medicamento faz com que, no caso de doentes com fibrose quística, a proteína CFTR funcione ligeiramente. Este medicamento pode ter vários efeitos secundários, nomeadamente, dores de cabeça, diarreia, infeções respiratórias e erupções cutâneas.

Depois de ter ingerido vários antibióticos que deixaram de fazer efeito, Eda descobriu a terapia fágica a 30 de dezembro de 2020, através do telejornal. As declarações de Joana Azeredo, investigadora da Universidade do Minho, sobre a bactéria específica da jovem, chamaram-lhe à atenção. “Falei com a minha médica e ela disse que iria ler mais sobre a terapia para a perceber melhor. Falei com a investigadora da Universidade do Minho, que se mostrou muito disponível e percebi que esta terapia podia, realmente, ajudar-me”, disse.

Foto: Liliana da Silva Costa

Luís Melo e a equipa liderada por Joana Azeredo produzem os fagos no Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho. O investigador conta que cada pessoa recebe um tratamento adequado à sua infeção, já que os fagos vão destruir apenas a bactéria responsável pela desregulação do organismo, o que aumenta exponencialmente as hipóteses de sucesso do tratamento. “Pode acontecer não termos um fago contra aquele [problema] isolado e, é nesse caso, que usamos as nossas redes e enviamos. Por exemplo, já recebemos um fago da Hungria”, afirmou.

Em entrevista ao JPN, o cientista explica que muitos dos pedidos de ajuda que chegam ao centro de investigação são, sobretudo, para problemas de infeções respiratórias, como fibroses quistícas e doenças pulmonares obstrutivas crónicas. O investigador disse ainda que recebem muitos pedidos relacionados com doenças de pele e queimaduras e salienta que a terapia pode atuar no pé diabético, uma das complicações mais graves de quem sofre da diabetes.

No entanto, os fagos não são, exclusivamente, usados em pessoas. Pela especificidade e eficácia que têm mostrado, Luís Melo conta que também podem ser utilizados em animais de companhia e até de grande porte. A agricultura é também uma das atividades que pode ser beneficiada com o seu uso, por exemplo, no combate a pragas na produção de frutos. “Onde quer que haja uma bactéria a causar uma possível praga ou uma possível infeção, os fagos estão sempre prontos a serem utilizados”, explicou.

Infarmed não aprovou implementação da terapia fágica no país

Apesar de todos os pedidos feitos à Comissão de Ética e à Comissão de Farmácia do hospital onde Eda estava a ser seguida, a terapia foi recusada por não estar aprovada pelo Infarmed.

No entanto, a jovem conseguiu realizar a terapia em Portugal, através de uma colaboração entre o Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho e do Militair Hospitaal Koningin Astrid (Hospital Militar da Rainha Astride), da Bélgica, o primeiro país desenvolvido a aprovar este procedimento, de onde foram enviados os fagos usados no tratamento. A terapia consiste em ciclos de três a quatro nebulizações por dia, num período de seis semanas. A jovem começou o primeiro ciclo em março de 2021 e os resultados foram notáveis e sem qualquer efeito secundário.

“Depois de fazer esta terapia, estive meses sem precisar de fazer antibióticos. Tive meses muito bons em que estive muito estável. Sinto-me melhor ao nível físico, como ao nível de quantidade de expetoração, por exemplo. Nota-se logo alguma diferença. Quando voltei a fazer antibióticos, eles já foram mais eficazes, porque a terapia conseguiu mudar as características da bactéria e torná-la mais fraquinha aos antibióticos. Entretanto, a bactéria tornou-se outra vez mais forte. Ela é tão esperta que se tornou, mais uma vez, resistente e fizemos, novamente, outro pedido para fazer outro ciclo de terapia fágica”, explicou.

Luís Melo dedica-se à produção de fagos Foto: DR

“Com aquilo que estamos a ver de resultados, com a própria aceleração do processo e com maior interesse político, vejo que nos próximos anos a terapia possa ser aplicada em qualquer hospital público”, confessa Luís Melo, que trabalha com fagos desde 2010. Apesar de a terapia não estar implementada em Portugal por falta de aprovação do Infarmed, o investigador mostrou-se otimista quanto ao futuro da terapia fágica em território nacional, uma vez que o Infarmed já reuniu com o Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho e o Ministério da Saúde. Por isso, crê numa possível regulação do uso dos fagos no nosso país.

Luís Melo relembra que no início da carreira tinha “expectativas de que [a terapia] ia funcionar, mas, de facto, os casos que estamos a ter e os resultados que estamos a ter são impressionantes. Foi quase um ver para crer. E agora nós acreditamos”.

Petição para implementar a terapia fágica em Portugal

Para implementar a terapia fágica em Portugal, Eda, juntamente com a investigadora da Universidade do Minho, Joana Azeredo, e outra doente com discinesia ciliar primária, Clara Casimiro, de 45 anos, criaram uma petição pública que conta com cerca de 8.000 assinaturas.

“Os objetivos da petição são vários. Primeiro, é chamar a atenção para este assunto, porque há muita gente que desconhece isto completamente. Mesmo ao nível médico, falamos disto e eles acham que é uma terapia alternativa e não é. Segundo, é fazer com que o Infarmed aprove esta terapia em Portugal e criar leis um bocadinho à parte para que a terapia possa ser usada em alguns casos pontuais, em que tem mesmo de ser. Terceiro, que seja possível, como noutros países, termos uma unidade de produção de fagos para que todo este processo seja mais rápido”, conta Eda.

Luís Melo acredita que o facto de este assunto poder vir a ser discutido na Assembleia da República possibilita que mais pessoas possam adquirir um maior conhecimento sobre o uso dos fagos. O investigador alerta para a sensibilização e abordagem cuidadosa deste assunto com a sociedade, especialmente depois da pandemia viral com a qual tivemos de lidar há pouco tempo. O grande desafio não passa só por promover a compreensão das pessoas, mas também por obter investimentos, seja das entidades políticas ou da indústria farmacêutica.

O número de mortes por infeções resistentes aos antibióticos pode disparar

As infeções bacterianas resistentes aos antibióticos são vistas como um dos maiores problemas de saúde global do século XXI. O investigador do Minho vê como inevitável que quando este problema se tornar maior e afetar ainda mais pessoas, existe a possibilidade de haver um maior interesse e necessidade de investir no uso dos fagos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2050, mais de dez milhões de pessoas possam morrer em consequência da resistência antibiótica. A OMS prevê ainda que, nos próximos 30 anos, este problema possa provocar mais mortes do que o cancro.

Editado por Filipa Silva

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de TEJ Online – 2.ºano.