A decisão surge na sequência do anúncio do World Opportunity Fund de que não vai fazer a transferência para pagar os salários de dezembro e o subsídio de Natal em atraso até terminarem os processos iniciados pela ERC e por Marco Galinha. Jornalistas do "DN" reúnem-se esta sexta-feira para debater o atraso no pagamento dos salários.

Os trabalhadores das redações do “Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias”, TSF e “O Jogo” estiveram em greve na quarta-feira passada (10) Foto: Inês Pinto Pereira/JPN

Os trabalhadores do “Jornal de Notícias” (JN) e d'”O Jogo” decidiram, esta quinta-feira, suspender os contratos de trabalho, por atrasos no pagamento de salários. A decisão, aprovada por maioria em plenário, acontece depois de o World Opportunity Fund (WOF), fundo de investimento que controla o Global Media Group (GMG), ter anunciado que não vai fazer a transferência para pagar os salários de dezembro e o subsídio de Natal.

O atual presidente da CE do grupo, José Paulo Fafe, disse que não será feito qualquer pagamento “até à decisão da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) quanto à ativação do artigo 14.º da Lei da Transparência, cuja aplicação suspende o direito de voto nesta CE, e até ao levantamento da providência cautelar para arresto interposta pelo acionista Marco Galinha”. No início de janeiro, a ERC abriu um processo administrativo autónomo com vista à aplicação da Lei da Transparência por existirem dúvidas sobre os detentores do fundo.

A redação do título portuense disse, em comunicado, repudiar “mais um ato de terrorismo da Comissão Executiva (CE) do Global Media Group“, relembrando que os salários de dezembro dos “trabalhadores do ‘Jornal de Notícias’, d”O Jogo’, do ‘Diário de Notícias’ (DN), do ‘Dinheiro Vivo’, das revistas, da Global Imagens e dos serviços partilhados” ainda não foram pagos. Na nota enviada às redações, critica ainda o facto de o anúncio de José Paulo Fafe ter sido feito “através de um comunicado enviado aos órgãos de comunicação social antes de o fazer chegar aos trabalhadores“.

O anúncio de José Paulo Fafe sobre a decisão do WOF aconteceu enquanto se realizavam os plenários das redações do “JN” e d'”O Jogo”, agendados para esta quinta-feira (18), para debater a suspensão dos contratos de trabalho face à falta de pagamento de salários e “todo o contexto de não haver perspetivas de um pagamento célere“, referiu Rita Salcedas. A delegada sindical do “JN”, explicou ao JPN que “os trabalhadores aperceberam-se, primeiramente, dessa comunicação pelo Eco. E, só depois, é que foi comunicado por email aos trabalhadores”.

Já “O Jogo” disse que “o comunicado de José Paulo Fafe deixa clara uma ideia repulsiva: não pagam porque não querem“, dando nota de que os trabalhadores estão a viver uma “situação limite e extremamente angustiante”. “Não cedemos a chantagens, pressões e táticas terroristas da CE ou de José Paulo Fafe, que fazem dos trabalhadores autênticos reféns e armas de arremesso“, pode ler-se na nota.

Na quarta-feira, o  Sindicato dos Jornalistas (SJ) e o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Norte (SITE-Norte) apresentaram uma “denúncia na ACT pela falta de pagamento dos salários de dezembro aos trabalhadores” do GMG. Num comunicado, o SJ referiu ainda que “os representantes dos trabalhadores temem que a situação se prolongue no tempo e solicitam uma averiguação inspetiva urgente às contas do GMG”.

Numa audição da Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, realizada a 9 de janeiro, o presidente da CE do GMG disse que lhe tinha sido prometido que, no início desta semana, seria feita uma transferência para que o grupo pudesse pagar os salários em atraso. No entanto, o World Opportunity Fund, sediado nas Bahamas, recuou, segundo o próprio, na sua intenção.

O que se segue à decisão de suspensão dos contratos de trabalho?

Segundo o artigo 325.º do Código do Trabalho (CT), cada um dos trabalhadores que pretenda suspender o contrato de trabalho tem de comunicar por escrito à administração e à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) essa vontade “com a antecedência mínima de oito dias em relação à data de início da suspensão”. “No final desses oito dias, [a pessoa] é livre de não ir trabalhar”, diz a delegada sindical do “JN”.

Enquanto os contratos de trabalho estiverem suspensos, os trabalhadores vão poder pedir o subsídio de desemprego ou exercer outras funções remuneradas numa outra empresa, “com respeito do dever de lealdade ao empregador originário”, de acordo com o artigo 326.º do CT.

A suspensão de contratos não se traduz no fim do vínculo com a entidade empregadora, já que “é passível de ser ela própria suspensa“, explica Rita Salcedas. O artigo 327.º do CT dá conta de que a cessação da suspensão dos contratos pode acontecer “com o pagamento integral das retribuições em dívida e juros de mora”, “por acordo entre trabalhador e empregador para regularização das retribuições em dívida” ou se o trabalhador assim o decidir.

Rita Salcedas relembra ainda que não é possível dizer “quantas pessoas vão efetivamente suspender o contrato” e, por isso, é difícil prever os efeitos que esta decisão poderá ter. “Isto funciona mais ou menos como uma greve. A greve é aprovada de forma coletiva, mas depois a escolha de a concretizar é individual”, explicou ao JPN.

Questionada sobre se os trabalhadores do ‘JN’ receberam alguma reação da administração face à decisão tomada nos plenários, a delegada sindical do diário portuense disse que, “a não ser as duas demissões que acabamos por ler como uma resposta ao que tinha sido decidido“, não.

O administrador executivo do grupo Filipe Nascimento e o administrador Paulo Lima de Carvalho apresentaram esta quinta-feira a sua demissão, alegando não estarem a ser cumpridas as condições para continuarem no grupo. Na carta de renúncia a que a Lusa teve acesso, Filipe Nascimento diz não querer que o seu nome “seja arrastado para uma batalha de oportunismos empresariais, e também políticos, bem como de egos e guerras de um mercado que está demasiado prisioneiro de interesses conflituantes, nem todos preocupados com a sobrevivência e sustentabilidade das marcas jornalísticas“.

Segundo a Lusa, a administração do GMG deverá agora ser apenas constituída por Marco Galinha, José Paulo Fafe, Kevin Ho e António Mendes Ferreira, já que até ao momento se registaram as saídas dos dois elementos referidos, além do administrador executivo Diogo Agostinho e, como noticiado pelo Expresso, de outros dois administradores não executivos (Carlos Beja e Victor Menezes).

Propostas de aquisição de ativos do GMG

No comunicado enviado às redações, “O Jogo” refere ainda que “se a CE não é capaz de solucionar os problemas, que assuma isso e aja em conformidade. Há propostas e vias de saída em cima da mesa para todos os títulos. A situação exige em toda a linha a abertura para uma negociação”.

No entanto, o presidente da Comissão Executiva do GMG disse, esta quinta-feira, que, para além do que foi noticiado nos órgãos de comunicação social, não tem conhecimento de qualquer proposta de aquisição de ativos do grupo.

Note-se que, até ao momento, foram avançadas três propostas: uma delas foi apresentada por um grupo de investidores, com sede em Ponte de Lima, que se mostrou interessado em adquirir alguns títulos pertencentes ao Global Media Group (“JN“, “O Jogo“, “Volta ao Mundo“, “Evasões” e “Notícias Magazine“); a outra de Marco Galinha, que juntamente com outros empresários, pretendia comprar o “JN” e “O Jogo”; e uma outra, conhecida esta quinta-feira, do Nobias European Studios, que disse estar interessado em investir, pelo menos, dez milhões de euros no GMG para adquirir 51% da empresa.

Os trabalhadores das redações do “Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias”, TSF e “O Jogo” estiveram em greve na quarta-feira passada (10) para protestar contra os salários e os subsídios em atraso e a ameaça de despedimento coletivo. Os jornalistas do “DN” vão reunir-se esta sexta-feira em plenário para debater o atraso no pagamento dos salários.

Editado por Filipa Silva