Em protesto contra a ameaça de despedimento coletivo e os salários em atraso, os trabalhadores do GMG realizaram uma greve de 24 horas, esta quarta-feira, que teve adesão "superior a 100%". O JPN acompanhou a manifestação onde marcaram presença jornalistas de outros órgãos. Presidente da Câmara do Porto reclama poderes para que as autarquias possam intervir em casos como este.

Os jornalistas do grupo poderão suspender o seu contrato a partir de 16 de janeiro Foto: Inês Pinto Pereira/JPN

Já passava das 14h30 desta quarta-feira (10) quando dezenas de trabalhadores das redações do “Jornal de Notícias” (JN), da TSF, d'”O Jogo” e do “Diário de Notícias” (DN) chegaram à Câmara Municipal do Porto para protestar contra a situação do Global Media Group (GMG). Carregando cartazes e bombos, faziam ouvir as suas reivindicações. A eles juntaram-se, no local, outras dezenas de jornalistas de outros órgãos, personalidades públicas e populares, em solidariedade.

“Queremos passar esta mensagem de que o jornalismo, neste caso, está a ser ameaçado. É um perigo para a democracia [o que se está a passar no GMG], porque somos, de facto, isentos e independentes e procuramos dar todos os pontos de vista possíveis”, referiu ao JPN Rui Tukayna da TSF. O jornalista relembrou que os trabalhadores destas redações estão a trabalhar mesmo sem ter recebido o salário de dezembro.

Para além deste salário, está em falta o subsídio de Natal e o pagamento a alguns colaboradores do “JN”. “É muito frustrante, porque continuamos a dar o nosso melhor todos os dias, a fazer o nosso trabalho, como sempre fizemos até aqui, e não estamos a receber os pagamentos devidos por esse mesmo trabalho”, refere Rita Salcedas do “JN”.

A jornalista do diário portuense Sara Gerivaz contou ao JPN que se tem vivido “um clima de muita incerteza, muita preocupação e muita tristeza” na redação.

O também jornalista do JN e vogal do Sindicato de Jornalistas (SJ) Augusto Correia falou numa adesão à greve “superior a 100%” já que também os ex-trabalhadores, jornalistas já reformados e profissionais de outros órgãos de comunicação social portugueses se juntaram para mostrar a sua solidariedade. Alguns profissionais cumpriram uma hora de greve (entre as 14h00 e as 15h00) nas suas redações.

“Não é apenas o grupo e os jornalistas que estão em causa, mas também o jornalismo. E, com o jornalismo, o que está em causa é também a própria democracia e o escrutínio numa sociedade que tem de ser participada e cívica”, disse Amílcar Correia, redator principal do “Público” e ex-diretor adjunto do jornal, a propósito da sua presença na manifestação.

Também Tiago Serra Cunha, ex-jornalista do JPN, atualmente no “Expresso”, se decidiu juntar aos jornalistas, dizendo ser “absolutamente criminoso o que estão a fazer com os colegas de profissão da GMG”. “Num ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril é especialmente simbólico, no pior dos sentidos, porque garantimos nessa altura o que sempre almejámos – a liberdade de imprensa – e agora estamos a vê-la a ser posta em causa”, referiu.

O historiador e atual colunista no jornal diário portuense Germano Silva, de 92 anos, também marcou presença em frente à Câmara Municipal do Porto. O antigo jornalista do “JN” relembrou que “um jornal como o ‘JN’ não se pode fazer com 40 ou 50 jornalistas”. “O ‘JN’ foi sempre o baluarte da liberdade mesmo nos tempos da censura”, afirmou, acrescentando que a liberdade de imprensa está neste momento a ser “posta em causa com esta situação no ‘JN’ e nos outros meios de comunicação do grupo”.

Audição de José Paulo Fafe na AR não esclareceu trabalhadores

Numa audição da Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, na terça-feira (9), o atual presidente da Comissão Executiva (CE) do grupo, José Paulo Fafe, disse ter tido a “promessa” por parte do World Opportunity Fund (WOF, o fundo de investimento que controla atualmente o GMG, de que faria uma transferência “até ao início da semana que vem” para que o grupo pudesse pagar os salários em atraso aos trabalhadores.

Rita Salcedas disse ter sido com “grande estupefação” que ouviu as declarações de José Paulo Fafe, já que revelaram um “grande desconhecimento acerca de muitas matérias em relação aos títulos do grupo”. “Foram ditas muitas inverdades, muitas incorreções, foram dados muitos supostos factos que não são factos, que estão assentes em premissas erradas”, explicou.

A jornalista disse ainda que, durante a audição, não foram dadas respostas relativas à “titularidade e à idoneidade do fundo“. “Não conseguimos compreender como é que um fundo milionário com sede nas Bahamas entra num grupo de comunicação social português, faz as devidas auditorias e só depois de estar cá dentro é que descobre que as contas são más” e mesmo assim “vai avançar para mais de 30 contratações nas vésperas de um despedimento coletivo“. Note-se que, em dezembro, o grupo avançou que iria dar início a um processo de rescisões com o objetivo de eliminar entre 150 a 200 postos de trabalho.

Dezenas de trabalhadores do GMG juntaram-se em frente à Câmara do Porto. Foto: Inês Pinto Pereira/JPN

Rui Tukayna acredita que o pagamento do salário em atraso será “um alívio muito curto“. “Na próxima semana já será dia 18 e depois vem o dia 31 e acredito que este grupo não nos vai pagar a tempo o salário de janeiro”, continuou.

Em relação às declarações do presidente da CE de que o “JN” é feito por 160 pessoas, Sara Gerivaz diz não ser “de todo verdade”. “O ‘JN’ tem 90 trabalhadores nos seus quadros – jornalistas, gráficos, revisores, agenda, chefia de redação e direção – e depois tem uma rede de colaboradores que são 70”. Contudo, refere a jornalista, apenas 20 dos 70 colaboradores trabalham com regularidade para o diário portuense.

Augusto Correia lamenta que o jornalismo tenha de estar a ser defendido no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril e que os alertas do sindicato sobre o perigo que algumas empresas jornalísticas enfrentam não tenham sido ouvidos. “E agora chegamos a uma altura em que um dos maiores grupos de media em Portugal, um dos mais importantes na área da imprensa, está em perigo”, afirmou.

Sara Gerivaz considera que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deve “dispor dos meios legais e jurídicos para tentar garantir a idoneidade e pluralidade e tentar rever este negócio”, bem como investigar a informação veiculada esta quarta-feira pelo “Público” que dava conta de que algumas entidades europeias lançaram avisos sobre o grupo detentor do fundo que agora controla o GMG.

Refira-se que a ERC decidiu esta segunda-feira abrir um processo administrativo autónomo com vista à aplicação da Lei da Transparência, por existirem “fundadas dúvidas sobre se, entre os detentores do World Opportunity Fund (WOF), existem participações qualificadas nos termos” da lei, e um outro de averiguações para perceber as consequências da reestruturação do grupo sobre o pluralismo e independência editorial dos órgãos.

Por onde pode passar a solução?

O presidente da Câmara Municipal do Porto veio ao encontro dos jornalistas concentrados à porta da autarquia para mostrar a sua solidariedade para com os profissionais. Aos jornalistas, Rui Moreira disse não compreender a razão pela qual o Governo não permite a participação dos municípios nos jornais. “É por desconfiança do poder autárquico aqui em Portugal?”, questionou, acrescentando que é “preciso permitir que os municípios possam no futuro intervir e participar com posições minoritárias nos jornais“.

Rejeitando um cenário de nacionalização do grupo, Rui Moreira admitiu que a Câmara do Porto estaria disponível para intervir – mencionou, a propósito, os limites impostos às autarquias em matéria de contratação pública no que se refere, por exemplo, à publicação de editais -, relembrando que o desaparecimento do “JN” seria uma “tragédia” para a cidade.

Rui Moreira juntou-se aos manifestantes, à porta dos Paços do Concelho. Foto: Inês Pinto Pereira/JPN

Em relação às barreiras de intervenção mencionadas pelo autarca, Rita Salcedas do “Jornal de Notícias” disse estar na altura de “deixarem cair essas barreiras“. “Os jornalistas estão bem preparados para as pressões políticas. Não estamos é bem preparados para poderes mais ou menos ocultos que anunciam investimento e reforço a uma segunda-feira e que anunciam despedimentos coletivos e salários em atraso a uma terça-feira”, ironizou.

Para Rita Salcedas, a intervenção do Estado, “seja pela nacionalização, seja por apoios indiretos, apoio aos leitores, às assinaturas”, poderia ajudar a salvar vários órgãos de comunicação social. Já para Rui Tukayna, “não parece muito provável, nem muito desejável” a intervenção do Estado.

O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, ouvido esta quarta-feira no Parlamento a propósito da situação do Global Media Group, disse ser contra a criação de um apoio específico para ajudar os títulos que pertencem ao GMG. “Na minha opinião, o Estado tem de ter apoios transversais à comunicação social e não apoios específicos” para situações particulares, referiu, dizendo que tal decisão poderia “prejudicar todos os outros grupos que respeitam as regras concorrenciais e isso corresponderia ao enviesamento do funcionamento do mercado e seria muito pernicioso”.

Para o vogal do SJ, Augusto Correia, existem duas soluções: “uma de curto prazo, que garanta salários, pelo menos, até haver nova legislatura; e, depois na nova legislatura, pensar num projeto de futuro para este grupo, para todos os que estão em dificuldades e para o jornalismo”, afirmou ao JPN. Para já, os trabalhadores ainda só vislumbram dificuldades: “Temos a possibilidade de receber no dia 15, mas já há o aviso de que no final do mês será difícil ou não haverá dinheiro”, contou.

Em resultado da greve, os sites e as redes sociais dos títulos do grupo, nomeadamente do “Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias”, TSF, “O Jogo” e “Dinheiro Vivo” estiveram em baixo durante 24 horas e a rádio TSF passou o dia a passar apenas música. Os impactos desta paralisação refletiram-se também na edição em papel desta quinta-feira, já que o “JN”, “DN” e “O Jogo” não chegaram às bancas.

Os jornalistas do grupo poderão suspender o seu contrato a partir de 16 de janeiro no caso de continuarem sem receber ou continuar a trabalhar e esperar que os salários sejam pagos. Augusto Correia diz que a “luta vai continuar“, sendo a rua e os protestos a melhor forma para dar visibilidade aos problemas e chamar a atenção do Governo, de outras forças governativas, bem como de possíveis empresas que queiram investir no grupo onde trabalham cerca de 530 trabalhadores.

Editado por Filipa Silva