O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou, no dia 24 de março, na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, que não quer quebrar o contrato entre a Infraestruturas de Portugal (IP) e o El Corte Inglés (ECI) para a implementação de um projeto imobiliário que, entre outras coisas, contempla a construção de um shopping nos terrenos da antiga estação de comboios da Boavista.

O ministro alega que “não só a IP teria de devolver os 20 milhões de euros, como uma indemnização que, em última instância, poderia atingir o mesmo valor”. Os 20 milhões referidos pelo governante dizem respeito à quantia já desembolsada, a título de sinal, pelo grupo ECI.

Na audição pública de dia 16 de março, o presidente da IP, António Laranjo, revelou que o contrato assinado em 2000 entre a IP e o ECI previa o pagamento de 20,82 milhões de euros e que o grupo espanhol já tinha pago 19,97 milhões desse valor.

A propósito destes esclarecimentos dados no Parlamento, o investigador do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), Hugo Silveira Pereira, que se tem batido pela preservação do património ferroviário da antiga estação da Boavista, contesta a posição do ministro e do presidente da IP quando aludem a uma possível indemnização além do sinal ou do pagamento deste em dobro.

Num artigo que escreveu no “Público”, cita o artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil, que diz: “não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste”. O investigador reforça que, segundo o numero 2 do mesmo artigo “a devolver algo, seria o sinal em dobro, mas isto apenas por causa imputável ao promitente vendedor, caso contrário só o valor do sinal é devido”.

Em declarações ao JPN, Hugo Silveira Pereira diz que “ainda há esperança em conseguir reverter o contrato e fazer algo que seja mais útil à cidade do que um centro comercial.”

O contrato-promessa entre a IP e o grupo espanhol foi assinado em 2000 e inclui a opção de compra do terreno. O grupo ECI pretende construir naquele local um armazém comercial, um hotel e ainda um edifício de habitação, comércio e serviços e já viu aprovado pela Câmara Municipal do Porto, em outubro do ano passado, o Pedido de Informação Prévia (PIP) do projeto.

Centro comercial vs jardim

A construção do centro comercial abriu um debate na cidade do Porto sobre a pertinência de ter mais uma grande superfície comercial, na zona da Boavista. Assim, surgiu um movimento contra este projeto, que defende a criação de uma zona verde naquele local.

Orlando Gilberto-Castro e Sofia Maia Silva, membros do Movimento por um Jardim Ferroviário na Boavista,  mostram-se surpreendidos, ao JPN, com o facto de o ministro e de o presidente da IP considerarem “não ter qualquer responsabilidade sobre o destino de propriedades públicas sob a sua tutela”. Os responsáveis pelo movimento civico lamentam que “o  único critério que parece caber nas suas definições de bem público é o financeiro, dessa forma, o superior interesse da cidade e dos seus cidadãos e cidadãs é relegado para segundo plano e desconsiderado como a prioridade que deveria ser”.

O Movimento por um jardim público para a Boavista refere a existência de cláusulas de resgate do contrato que poderiam ser acionadas em caso de interesse público. Nesse sentido, espera que o “Governo e a IP consigam reconhecer o interesse público de preservar esta estacão ferroviária, a primeira a ficar operacional na cidade do Porto” e reclama a oferta de “ um jardim público tão necessário nesta zona da cidade e como pedido por mais de 10.200 peticionários.”

No que toca ao PIP, o grupo entende que a decisão deve ser corrigida. Por isso, esta quarta-feira (31) escreveu uma carta aberta a Rui Moreira na qual alega que a possibilidade dada ao ECI de pagar uma compensação pela não cedência de 24.835 metros quadrados para área verde e equipamento público é incompatível com um artigo do Código Regulamentar do Município do Porto (CRMP), porque resulta num evidente inconveniente para a prossecução do interesse público”, alerta a iniciativa de cidadãos.

Sofia Maia Silva e Orlando Gilberto-Castro dizem ainda ao JPN ter esperança que o assunto seja levantado durante a próxima reunião de câmara, marcada para segunda-feira (5), ficando igualmente a aguardar uma resposta da autarquia ao pedido de reunião que lhe dirigiram.

Seja como for, garantem que vão manter “a discussão” que têm “vindo a desenvolver com os vários partidos políticos, ao nível local e nacional” e insistirão “para que a voz da população seja ouvida”.

Ministro passa a discussão para a Câmara

Pedro Nuno Santos relembrou, no Parlamento, que quando o contrato foi assinado ainda não era ministro e, que se a decisão fosse tomada hoje, “preferia que aquele terreno fosse para habitação”, contudo, vinca que não é correto rescindir o contrato – “mas há um contrato e nós vamos cumpri-lo porque rescindi-lo é errado”, afirmou aos deputados.

Relativamente ao debate em torno da necessidade de construir ou não mais um centro comercial, Pedro Nuno Santos considera que essa decisão não é da responsabilidade do governo e que o debate pertence ao “quadro da política local” e afirma mesmo que “não se pode fazer um centro comercial se uma autarquia não quiser”. O argumento do ministro sustenta-se na aprovação do PIP, em outubro de 2020, pela Câmara do Porto.

O presidente da IP, António Laranjo, na audição pública de 16 de março anunciou ainda que está prevista uma reavaliação do valor a pagar pelo grupo El Corte Inglés.

Artigo editado por Filipa Silva