O lateral esquerdo esteve à conversa com o JPN e, numa longa entrevista, falou sobre a sua paixão pelo futebol, as fases da sua carreira e os segredos e conselhos para os jovens jogadores.

Formado em Freamunde e com passagens por Roma, Málaga, Dynamo Kiev ou Sporting, Vitorino Gabriel Pacheco Antunes, ou simplesmente Antunes para quem o conhece no mundo do futebol, está de regresso ao FC Paços de Ferreira, onde se estreou há 15 anos.

Em entrevista ao JPN, o lateral esquerdo de 34 anos falou dos clubes por onde passou, da grave lesão que enfrentou no Getafe e do título pelo Sporting, onde cumpriu o seu “sonho de menino”: ser campeão nacional.

Apesar de sentir que merecia ter tido mais oportunidades na seleção nacional, Antunes é um homem “feliz” pela carreira que conseguiu até aqui e não pensa ainda em abandonar o futebol. À cautela, tem já um plano em mente para o futuro: “estou a pensar em iniciar uma carreira como treinador de futebol”.

JPN – Como é que nasce a sua paixão pelo futebol?

Antunes – Desde miúdo que tenho uma grande paixão pelo futebol. Comecei aos 5 anos no velho campo do Freamunde, o antigo Carvalhal, e foi uma paixão que me foi incutida pelos meus tios e pelo meu pai.

Tinha um tio que era guarda-redes, era o meu ídolo, até, e tinha essa paixão partilhada de também ser guarda-redes. Entrei para os escalões de formação para jogar à baliza e depois acabei por passar para a frente quando faltaram dois ou três jogadores. Depois fiz uma carreira toda a lateral esquerdo, médio centro, extremo esquerdo, mas é uma paixão que vem desde miúdo.

JPN – Qual é a sensação de iniciar a carreira no Freamunde e depois transitar para o Paços de Ferreira, o maior rival?

Antunes – Quando nós começamos a jogar e queremos fazer uma carreira no futebol, temos que pôr de lado as rivalidades e é verdade que eu, tendo nascido em Freamunde, provavelmente nunca me passaria pela cabeça ir jogar no Paços, porque eu senti essa rivalidade durante esses anos todos em que joguei no SC Freamunde. Acabei, mais tarde, por ingressar no Paços e bem, ainda bem que o fiz, porque foi uma das melhores escolhas que fiz na minha carreira.

Foi a minha rampa de lançamento para a carreira que acabei por fazer, muito por conta do Paços de Ferreira também, e fiquei a gostar do Paços como gosto do Freamunde. No fundo, gosto dos dois clubes, por motivos diferentes obviamente. O Freamunde é o clube do meu coração e o Paços de Ferreira, o clube que me deu a grande oportunidade de jogar na Primeira Liga, que sempre me tratou bem e onde fiquei com uma parte do meu coração.

Ao início era complicado, não para mim, mas acabamos por entrar numa etapa da nossa vida onde não ligamos a rivalidades, nem amores a camisolas. O mais importante é sermos o mais profissionais possível e foi isso que incuti na minha cabeça desde o início.

Um jogador sem minutos é totalmente diferente de um jogador que joga regularmente e que tem a confiança da equipa técnica

JPN – Depois do Paços de Ferreira passa para a Roma, ainda muito jovem. Tinha 20 anos. Como é que um jogador tão jovem se consegue adaptar a uma equipa como a Roma, com Totti, De Rossi, Cicinho, Mexès?

Foi complicado. Era muito novo, fui sozinho para Itália, tive que aprender um novo idioma o mais rápido possível, porque falava muito pouco inglês e acabei por conseguir aprender alguma coisa em três meses.

Era uma realidade totalmente diferente! Antes jogava na 2.ª B com o Freamunde, onde fiz uma época inteira. No espaço de um ano, já jogava na Primeira Liga pelo Paços de Ferreira e acabei por ingressar num clube de topo mundial como era a Roma, com jogadores como o Totti, que tu bem referiste e que na altura, se não era o melhor do mundo, andava lá perto.

Uma realidade completamente diferente que para mim era um sonho! Estava a viver um sonho de menino, que um ano atrás não me passava pela cabeça sequer.

Foi complicado, por um lado, mas por outro foi uma aprendizagem enorme poder jogar com esses craques todos e considero que foi uma das melhores experiências da minha vida.

Tinha acabado de ficar no melhor onze da Liga espanhola, tinha vários clubes interessados na minha contratação e apareceu a lesão.

JPN – Entretanto seguem-se, Sampdoria, um regresso a Paços de Ferreira e a posteriori temos o Málaga e o Dynamo de Kiev onde ficou ainda bastante tempo e chegou a ser campeão ucraniano. Considera essa altura a melhor fase da sua carreira? E o que é que mudou para a adaptação também do Antunes, anteriormente jovem, numa Roma e agora mais maduro num Málaga e num Dynamo de Kiev?

Antunes – Sim, depois regressei ao Paços de Ferreira, numa etapa mais complicada da minha vida, e também era um bocadinho mais maduro, mas vinha de um tempo sem jogar. Tive poucas oportunidades com a mudança de treinador na Roma, na altura com a saída do Spalletti, e decidi dar um passo atrás, digamos assim, para começar do zero no Paços de Ferreira, sendo essa a melhor decisão que tomei. Daí, seis meses depois, fui novamente vendido ao Málaga, uma equipa de Champions League, mais uma vez, com grandes nomes, grandes jogadores, um grande treinador e onde fiz bons anos.

Acabei por ser vendido também ao Dynamo Kiev, num país totalmente diferente, uma cultura totalmente diferente, mas também com uma grande equipa. Chegámos a eliminar o FC Porto da Liga dos Campeões e também o Chelsea. Fizemos uma Europe League muito boa, e ganhámos tudo o que havia para ganhar internamente.

Lá está, era um jogador mais maduro, diferente, mas sou da opinião que os jogadores também se tornam maduros e atravessam melhores momentos conforme as oportunidades e a confiança que os treinadores lhes dão.

Um jogador sem minutos é totalmente diferente de um jogador que joga regularmente e que tem a confiança da equipa técnica, porque as coisas saem naturalmente. No fundo, foi o que eu encontrei desde o meu regresso da Roma para o Paços de Ferreira, depois pelas passagens pelo Málaga e pelo Dynamo Kiev e mais tarde, pelo Getafe quando regressei a Espanha.

Sinto que foi a confiança dos treinadores que fez com que eu tirasse rendimento do meu futebol e depois acabei por ganhar tudo.

Para Antunes, o Paços de Ferreira foi um clube essencial em diferentes fases da carreira. Foto: João Paiva/Paiva FrameWork Foto: João Paiva/Paiva FrameWork

JPN – Com o seguimento para o Getafe, vem também uma das piores lesões, senão a pior da carreira do Antunes. Fica um ano praticamente sem jogar. Já confessou em entrevista ao “Record” que se ficasse mais um ano sem jogar possivelmente acabaria a carreira. Alguma vez imaginou que pudesse voltar a ganhar o ânimo para jogar futebol depois de uma lesão tão grave, chegar a um grande e ainda ser campeão?

Antunes – Passei três anos muito bons no Getafe. Infelizmente, também tenho uma fase marcante na minha carreira que é a fase da lesão no joelho, principalmente no momento em que me estava a correr tudo muito bem. Tinha acabado de ficar no melhor onze da Liga espanhola, tinha vários clubes interessados na minha contratação e apareceu a lesão. Depois estive um ano e meio a recuperar dessa lesão no joelho, vim para o Sporting e voltei a jogar, não tanto quanto imaginava, quanto poderia querer, para ver se estava bem e recuperado.

O que é certo é que voltei a competir e ingressei num grande clube, numa grande equipa e onde acabámos por ser campeões, o que foi algo muito positivo e motivante para mim.

Quanto ao ânimo que tinha, nunca na minha vida pensei em abandonar o futebol no momento em que tive a lesão. Aliás, o meu primeiro pensamento foi sim voltar mais forte, mas não tinha dúvidas que depois do ano e meio sem jogar, só a recuperar de uma lesão no joelho e com mais um ano de Sporting com muito poucos jogos, não tinha dúvidas que este ano tinha que sair para voltar a jogar, ou então poderia ser o meu fim como jogador de futebol.

Tomei a decisão junto com os dirigentes do Sporting, para sair bem com eles e eles comigo, até porque sabiam que para mim era muito importante ingressar numa equipa onde tivesse mais minutos e pudesse desfrutar do futebol outra vez. O importante era sentir que estava bem da lesão que tive. Posso afirmar que este é provavelmente o momento em que estou a jogar mais jogos seguidos e onde me estou a sentir melhor.

Não tenho vergonha nenhuma de dizer que fui suplente do Nuno Mendes

JPN – O Antunes chega ao Sporting, tem de disputar o lugar com um jovem, que era o Nuno Mendes, e também acaba por ser campeão nacional sem adeptos. O que é que mudou da altura em que o Antunes era um jovem jogador para agora, para que o Nuno Mendes também tivesse tido maior regularidade e qual é a sensação de chegar a Portugal novamente e ser campeão, mas sem adeptos?

Antunes – Encontrei um miúdo com um talento enorme! O Nuno Mendes era titular e toda a gente sabe da qualidade que o Nuno tem, não fosse ele vendido agora para o Paris Saint-Germain e não estivesse ele nomeado para o prémio de Golden Boy, por isso, obviamente que já sabia que ia passar muito pela circunstância de suplente.

Ele era o maior ativo do clube, e vi logo que teria de ser ele a jogar, mas afirmo que a sua qualidade é inegável e por isso não tenho vergonha nenhuma de dizer que fui suplente do Nuno Mendes, bem pelo contrário, tenho um orgulho enorme no percurso que ele teve até agora e desejo-lhe as maiores felicidades, porque eu também fui um jogador jovem e, naquela altura, alguém tinha de ser meu suplente.

Hoje posso dizer que fui suplente do atual lateral esquerdo do Paris Saint-Germain e da Seleção Nacional.

Obviamente que gostaria de ter mais minutos para me sentir mais útil, mas encontrei pela frente este jovem promissor. Regressar a Portugal e ser campeão nacional tem um valor incalculável e especial. Claro que o facto de não ter adeptos rouba um pouco a magia de ser campeão. Eles mereciam e foi na mesma uma muito boa sensação.

O trabalho, persistência e humildade são os melhores conselhos que posso dar.

JPN – Que conselhos pode passar aos jovens jogadores de agora, quer a nível de adaptação de treino, de jogo ou até mesmo a uma nova cidade, a novas culturas e novas ligas?

Antunes – Um enorme conselho que dou é o trabalho. O trabalho de um jovem, que nunca deve desistir dos seus sonhos, porque tudo é possível. Com muito esforço, dedicação e persistência, tudo é possível! É o maior segredo de um jogador de futebol ou de qualquer pessoa que queira singrar em qualquer trabalho, em qualquer carreira, ou que tenha um sonho pessoal, porque ninguém dá nada a ninguém e isso é sem dúvida uma grande verdade. O trabalho, persistência e humildade são os melhores conselhos que posso dar.

JPN – Arrepende-se de algo que tenha feito alguma vez no futebol? Alguma decisão?

Antunes – Não, não me arrependo de nada. Obviamente que depois dos anos passarem, às vezes, pensamos em coisas que podíamos ter feito de maneira diferente ou escolhas que poderíamos ter tomado de outra forma, mas não me arrependo de nada em especial na minha carreira.

Acabei por fazer uma carreira muito boa e conseguida, para um jovem que vinha de um clube, digamos, pobre, como o Freamunde, chegar onde eu cheguei, ter conseguido ser internacional, campeão nacional, ter ganho taças em Itália, taças na Ucrânia… Não tenho nenhuma decisão que tomasse de maneira diferente até agora, por isso estou feliz com aquilo que consegui.

JPN – Já pensou no dia do fim da sua carreira deixar de sentir esse apoio e essa emoção por parte do adepto, e já sabe o que é que vai fazer no dia a seguir do fim?

Antunes – Sinceramente ainda não pensei no final da minha carreira, porque gosto muito de jogar futebol. Estou sim a preparar-me, porque algum dia terá que chegar o fim, e quando chegar temos de estar preparados para seguir outro caminho, outras ambições e eu estou a preparar-me para isso. Mas não me imagino a acabar a minha carreira de jogador de futebol brevemente. Obviamente que vou sentir a falta do carinho dos adeptos. Aquele bichinho na barriga antes de cada jogo, na entrada em campo, de cada treino que a gente faz no dia a dia, sim, vou sentir falta. Mas, lá está, temos de nos preparar para o futuro e o futuro, passa claramente por aí, pelo abandono da carreira de futebol, mas pelo começo de novas carreiras. Posso anunciar já que estou a pensar em iniciar uma carreira como treinador de futebol, futuramente.

Sinto que podia ter tido mais oportunidades do que aquelas que tive na Seleção Nacional.

JPN – O Antunes passou pelas seleções jovens, entretanto também teve internacionalizações enquanto sénior. Sente que podia ter tido mais oportunidades na seleção A? Acha que podiam ser dadas mais oportunidades aos jovens jogadores que vêm das seleções jovens?

Antunes – Sim, sinto que poderia ter sido de maneira diferente na seleção. Não me queixo, tive 13 internacionalizações, mas penso que poderia ter tido mais oportunidades que provavelmente outros jogadores tiveram e, infelizmente, não consegui fazer nenhuma fase final com a seleção. Penso que fui um bocadinho injustiçado a esse nível, mas o futebol é mesmo assim.

Os treinadores têm de tomar decisões e fazer escolhas, mas senti uma grande injustiça, principalmente antes do Mundial do Brasil, quando fiz toda a qualificação e todo o play-off de qualificação para o Mundial e acabei por ficar de fora da convocatória. O selecionador [Paulo Bento] acabou só por levar um lateral esquerdo e três laterais direitos e essa é, talvez, a única espinha que me ficou encravada da parte da Seleção Nacional, mas não me queixo daquilo que consegui até lá.

No futuro, Antunes pensa em fazer carreira como treinador de futebol. Mas deixar os relvados não é coisa em que pense agora. Foto: João Paiva/Paiva FrameWork

JPN – Qual foi o clube onde mais gostou de jogar? O clube que mais o marcou.

Antunes – É difícil escolher um clube. No fundo, todos eles foram importantes para mim. O Freamunde foi o clube da minha formação, o que fez de mim homem durante 15 anos. O Paços de Ferreira foi o que me deu a primeira hipótese de jogar na Primeira Liga e depois tenho a Roma onde eu ganhei os meus primeiros troféus coletivos. Ganhámos a Taça e a Supertaça de Itália.

Mais tarde fui campeão na Ucrânia pelo Dynamo, entretanto, o Sporting marcou-me muito, agora com este último campeonato, onde pude realizar um sonho de menino, por ter sido campeão em Portugal.

Claro que depois tenho o Málaga que me marcou pelas pessoas e pelos adeptos em si, e o Getafe pelos anos bons que tive, mas mais negativamente pela lesão que sofri.

JPN – O golo que o vai marcar para a sua vida?

Antunes – Tenho alguns golos que me vão marcar para a minha vida, mas julgo que há um golo que eu fiz ao Everton pelo Dynamo Kiev, nos oitavos de final da Liga Europa, que foi nomeado para o Prémio Puskás da FIFA.

Penso que esse será, provavelmente, o golo que mais me vai ficar gravado na memória.

JPN – O jogo que o marcou mais?

Tenho vários jogos que me marcam também. O jogo de apuramento para o Mundial [do Brasil], esse tal mundial para o qual não fui chamado. O jogo foi na Suécia, para o play-off, em que o Cristiano fez três golos e é um jogo que me vai ficar marcado.

O jogo da primeira ida do Paços de Ferreira à Liga Europa, em Aveiro, no Estádio Municipal, onde conseguimos o apuramento.

O último, foi no ano passado contra o Boavista. O jogo que deu o título de campeão nacional ao Sporting. Estes são os três jogos que me vão ficar marcados pela positiva, para sempre.

Tenho também um jogo que me ficou marcado pela negativa. O jogo pelo Málaga contra o Dortmund, onde infelizmente fomos eliminados com dois golos em fora de jogo e se tivéssemos ganho, possivelmente, teríamos ido à final da Champions League, nesse ano.

Entrevista realizada no âmbito da disciplina TEJ II/Imprensa – 2.º ano

Artigo editado por Filipa Silva