Em dezembro de 2021 foi publicada, em Diário da República, a revogação do Cartão do Adepto. No entanto, permanece a obrigação de identificação, através de um bilhete nominal, na zona das claques. Persistem dúvidas sobre a aplicação da nova lei e as políticas adotadas pelos clubes parecem divergir. Claque do Vizela recusa ir à Luz por contestar bilhetes nominais.
O assunto voltou à ordem do dia no início desta semana, quando a claque do FC Vizela anunciou que não vai marcar presença, esta sexta-feira, no Estádio da Luz, para apoiar o clube minhoto. Motivo? Um protesto contra os chamados bilhetes nominais, os ingressos que vieram substituir, na prática, o Cartão do Adepto nos estádios portugueses. “Fomos dos poucos grupos que disseram sempre não à legalização e um dos muitos que não aderiu e combateu desde a primeira hora o famoso e extinto cartão do adepto, que agora se encapota de uma outra forma menos conhecida”, referiu a Força Azul em comunicado publicado no início desta semana.
A 24 de fevereiro, a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA) também chamava a atenção para a questão. “Só o tempo nos explicará melhor alguns dos detalhes da Lei n.º 92/2021”, refere a APDA numa publicação nas redes sociais. “É abolido o Cartão do Adepto, são mantidas as zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos e o seu acesso é agora feito através do igualmente pouco simpático bilhete nominal”, afirma num artigo a presidente da organização, Martha Gens.
De facto, o Cartão do Adepto foi revogado em dezembro último, por decisão do Parlamento, mas a lei n.º 92/2021 que o baniu, não acabou com as Zonas com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos (ZCEAP). O acesso a estas áreas, normalmente reservadas às claques, está dependente da compra de um bilhete nominal, isto é, um bilhete que é emitido com o nome do portador. O adepto tem que identificar-se na compra e eventualmente no estádio, onde à entrada ou no decorrer de um jogo lhe pode ser solicitada a exibição da identificação para comprovar que o adepto é o legítimo portador do bilhete.
O cartão do adepto foi criado em 2020, por iniciativa da Liga de Clubes, em articulação com o Governo, na sequência de episódios de pirotecnia nos estádios. Mas a medida só entrou em vigor no início da época 2021/22, depois do público voltar aos estádios.
Para a obtenção do Cartão do Adepto, o portador devia divulgar o seu nome completo, morada, documento de identificação, número do documento de identificação, data de nascimento, número de identificação fiscal, endereço de correio eletrónico, número de telefone e promotores de espetáculos desportivos que apoia.
O documento tinha um custo de 20 euros, era válido por três anos e tinha como objetivo identificar os adeptos que pretendiam aceder às zonas dos estádios reservadas às claques dos clubes. Em dezembro, foi revogado. Deixou de estar em vigor a 1 de janeiro de 2022.
Na ótica da APDA, o documento identificativo a solicitar ao adepto “pode ser qualquer um, desde o cartão de sócio, como o bilhete de época ou o cartão de cidadão”, mas, alertava a organização, persistem muitas dúvidas sobre a forma como os clubes estão a aplicar a lei que entrou em vigor em janeiro.
No que diz respeito ao acesso aos estádios, pelo que o JPN pôde apurar junto de fontes oficiais de três clubes que preferiram não ser identificadas, a situação varia entre os clubes da Primeira Liga. Se emblemas como o Benfica exigem a todos os adeptos visitantes um bilhete nominal – razão que levou a claque do Vizela a colocar-se fora do jogo -, outros clubes optaram por reservar parte das áreas que destinam aos visitantes para adeptos não portadores de bilhete nominal. Estes adeptos só não podem fazer-se acompanhar de artigos tradicionais das claques (bandeiras, tarjas, tambores, entre outros).
“Não há cartão, mas não se pode dizer que tenha desaparecido a catalogação de adeptos – pois, se optarmos por outra bancada, a nossa identificação deixa de ser uma questão”, refere Martha Gens, presidente da APDA, no artigo que dedicou ao assunto.
É verdade que o fim do cartão do adepto introduziu diferenças. Desde logo, porque era pago – custava 20 euros e era válido por três anos. Além disso, dias antes do jogo o adepto tinha que fazer um registo prévio e existia uma base de dados dos elementos que pretendiam fazer parte das ZCEAP. Após a abolição do documento, deixou de haver arquivo centralizado de dados. Também mudou o acesso para os menores de 16 anos que antes não podiam ver jogos junto às claques – agora podem, desde que acompanhados por um adulto. No entanto, a identificação continua a ser precisa para os que pretendam ver jogos nas ZCEAP.
Apesar da revogação do Cartão do Adepto ter sido uma luta ganha pelas claques dos mais diversos clubes da Primeira Liga, fica claro que os fantasmas que o documento deixou continuam a pairar sobre os adeptos portugueses.
Artigo editado por Filipa Silva