O antigo centro comercial abriga atualmente mais de uma centena de projetos artísticos, sobretudo musicais. Por entre problemas estruturais e de licenciamento, há vários anos que se anuncia a possibilidade de encerrar o Stop. Encerramento que nunca se concretizou.

Nas artérias do centro que já foi comercial ecoam riffs de guitarra e ritmos de bateria que se fundem vindos de diferentes lugares. Há por ali música em volume, mas o som do muito que se ensaia e produz continua a não ser suficiente para silenciar a incerteza que paira sobre o edifício. Mais de uma década depois de a hipótese de encerramento ter sido levantada pela primeira vez, continua a não haver certezas sobre o futuro do Centro Comercial Stop (CCStop).

A falta de estruturas anti-incêndio, os problemas nas instalações elétricas e a falta de licenciamento das lojas são alguns dos motivos que dão fôlego à possibilidade de se fecharem, efetivamente, as portas.

Aparentemente, vários protagonistas – os músicos, a administração, os proprietários e a Câmara Municipal do Porto (CMP) – têm feito esforços para legalizar e licenciar o Stop, assim como para manter o espaço, localizado na freguesia do Bonfim, como um ponto central da cultura portuense. No entanto, os problemas estruturais e administrativos do centro continuam, no geral, por resolver, e a associação de músicos, responsável por fazer a ponte entre esta comunidade e a autarquia, está sem direção.

Carlos Freire, chefe dos seguranças e membro da administração do CCstop considera que o centro deveria funcionar à “porta fechada”. Ao JPN, deixou vincada uma ideia: não faz sentido o Stop ser tratado como se fosse um centro comercial, porque, efetivamente, já não funciona como tal. “Isto é um condomínio, não é um shopping”, exclama.

Manel Cruz, músico e ex-presidente da Associação de Músicos do Stop, sublinha que uma associação de músicos disposta a aprender e que funcione com poucos “atritos” pode ser importante para o futuro do centro. A Câmara Municipal do Porto (CMP) reconhece o valor cultural do Stop e manifestou vontade de manter o centro em funcionamento. No entanto, sublinha que há falhas estruturais que “comprometem a segurança do edifício e de quem o frequenta” que não podem ser ignoradas.

Manel Cruz e os Ornatos Violeta deram um mega-concerto em Vila Nova de Gaia.

Manel Cruz foi entre 2019 e o final de 2021 presidente da associação de músicos do Stop. Foto: Joana Nogueira

Da “anarquia funcional” à associação de músicos 

De forma a proteger os interesses da comunidade de artistas no Stop (estima-se que haja, no total, à volta de 850 músicos, uma comunidade que ocupa cerca de 95% da centena de lojas do centro) foi criada em 2019, ainda antes da pandemia, uma associação de músicos encabeçada por Manel Cruz, homem de múltiplos projetos, de que os Ornatos Violeta serão o exemplo mais conhecido. Segundo o músico, criar uma associação de músicos nem sempre foi uma intenção, já que, até aí, o Stop vivia numa “espécie de anarquia funcional”.

A necessidade de formar um coletivo que representasse a comunidade de músicos surgiu na sequência de uma telefonema que a CMP fez a Manel Cruz – por ser um dos músicos mais mediáticos no centro – a avisar que o Stop estaria “na iminência de fechar”. Em causa, estariam os problemas de segurança do edifício assim como problemas de ruído reportados por vizinhos.

De forma a tentar reagir e impedir o fecho do centro, prontamente foi criada a associação. Apenas houve uma lista candidata – encabeçada por Manel Cruz – que acabou por ficar responsável pela direção da associação. Gil Costa, também ele agora um ex-membro da mesma direção, conta que o coletivo começou a trabalhar em moldes “bastante informais”.

Ainda em 2019, a associação de músicos reuniu com a CMP e com o presidente Rui Moreira. Ao JPN, Manel Cruz revelou que nessas reuniões a Câmara sempre reconheceu “o valor que existe no Stop” e manifestou intenção de “ajudar na medida do possível”. O ex-presidente da associação afirmou ainda que a CMP deixou claro desde o início que não poderia apoiar financeiramente o centro, já que este se trata de uma instituição privada. O executivo portuense mostrou-se, contudo, disponível para colaborar com o Stop em futuro projetos.

Além desta reunião, Manel Cruz referiu também ter reunido com os Bombeiros, de forma a criar um projeto de segurança contra incêndios para o centro.

Entre dezembro de 2021 e janeiro deste ano, a direção da associação de músicos acabou por se demitir. Segundo Gil Costa e Manel Cruz, na génese da demissão estiveram divergências entre os associados, que acabaram por tornar insustentável a permanência em funções.

A 7 de março, duas músicas que fazem parte da comunidade do Stop participaram numa reunião pública da CMP, para falar sobre a situação atual do espaço e para saber qual seria a posição da Câmara nesta matéria. Na reunião, o executivo portuense reforçou a importância de organizar a associação de músicos para seguir com o processo que se havia iniciado na altura da direção de Manel Cruz.

Questionada posteriormente pelo JPN sobre a matéria, a CMP, sem responder individualmente às questões colocadas, declarou ter “disponibilidade para reunir com a nova direção da comunidade” e “contribuir para a procura de soluções viáveis”. No entanto, sublinhou que não cabe ao município “adotar uma postura de mediador ou de solucionador de problemas que, juridicamente falando, não são da sua competência”.

Os músicos Rui Barros e André Matos, que o JPN encontrou numa visita ao Stop, manifestam opiniões distintas acerca do trabalho da associação. O primeiro diz nunca ter participado na organização por “duvidar do espírito de união” dos músicos. Na sua opinião, a ação da associação ainda “não se repercutiu em nada”. André Matos, por outro lado, sublinhou a importância da associação na comunicação com a Câmara.

Carlos Freire também falou da importância da associação para aproximar os músicos da administração e da CMP. No entanto, reforçou que o coletivo deveria “trabalhar melhor” e organizar-se, sendo importante, por exemplo, arranjar uma sede.

À data de redação deste artigo, ainda não foram feitas eleições para a nova direção da associação de músicos.

Os problemas estruturais e o licenciamento

Acerca dos problemas de segurança, Carlos Freire explica que o edifício é antigo, pelo que é mais complicado fazer as obras necessárias, não só por causa das questões estruturais, mas também pelos custos financeiros que acarretam.

O membro da administração concordou com o facto de serem precisas certas mudanças no espaço – como a criação de saídas de emergência –, mas sublinhou o esforço por parte da administração em cumprir as exigências da CMP. “Tudo aquilo que eles têm pedido, nós temos feito”, diz. No entanto, acrescenta que, tendo em conta as características do edifício antigo, a Câmara deveria ser “flexível”.

Algum tempo depois da formação da associação de músicos e das reuniões com os Bombeiros e a CMP, a Proteção Civil aprovou um projeto de segurança contra incêndios para o Stop. No entanto, Manel Cruz conta que, posteriormente à aprovação deste projeto, chegou à associação um ofício que anunciava que o Stop seria fechado nos 15 dias seguintes. Em causa, estaria a necessidade de se implementar um projeto de arquitetura de reestruturação infraestrutural para o Stop (e não apenas de segurança contra incêndios).

Como medida de emergência para prorrogar a decisão de encerrar o centro, a associação de músicos contactou uma arquiteta – também ela música no centro – para criar o projeto de arquitetura necessário e adiar o possível encerramento. Uma versão inicial foi apresentada, sendo que atualmente, a mesma arquiteta ainda está a trabalhar com a administração do CCStop. Segundo Carlos Freire, o trabalho para a implementação do projeto está em curso e já se fizeram “algumas coisas”, apesar das limitações orçamentais para a realização das obras.

Para Carlos Freire o CCStop deveria funcionar “à porta fechada” Foto: Inês Cristina Silva

Além dos problemas estruturais, os problemas de licenciamento são uma realidade presente no Stop há alguns anos. Já em 2010, uma notícia publicada no “Jornal de Notícias” anunciava que as lojas sem licença de utilização poderiam vir a ser fechadas, por estarem a funcionar ilegalmente. Em causa estariam também queixas de ruído dos moradores da zona do Heroísmo. Em representação da CMP, o então vereador com pelouro da Proteção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, Manuel Sampaio Pimentel, confirmou que a Câmara havia notificado os arrendatários para fecharem as lojas voluntariamente caso não possuíssem licenças de utilização do espaço.

Em resposta, os músicos do Stop fizeram um abaixo-assinado, no qual se comprometiam a cumprir regras de diminuição de ruído e tentaram, com a CMP, implementar um processo de legalização coletivo dos espaços, ao invés da legalização individualizada (processo que acarretaria mais custos). O então vereador, que viria a falecer em 2016, declarou, no entanto, que se os arrendatários procedessem de acordo com a notificação enviada, a CMP emitiria as licenças de utilização logo que as condições o permitissem.

Volvidos oito anos, um artigo do jornal “Público” assinalava que “apenas 12% das lojas” tinham obtido licença. No mesmo ano, a Autoridade Nacional de Proteção Civil alertou a administração do centro comercial para o incumprimento de normas de segurança, depois de em 2012 e 2013 terem ocorrido dois incêndios no interior do edifício.

Em 2022, as lojas não foram encerradas e o problema das licenças mantém-se. Carlos Freire afirmou ao JPN que este tema é “uma coisa que não dá para perceber muito bem”, questionando: “porque é que na altura deram [licença] a umas e não deram a outras?”. Na opinião do funcionário, encerrar o Stop não será fácil, pois há espaços que têm, efetivamente, as licenças em dia e, portanto, os arrendatários “não poderão simplesmente ser expulsos”.

Quanto à questão do ruído, tanto Carlos Freire como Manel Cruz revelam que houve o cuidado de “migrar” projetos musicais de natureza mais ruidosa para salas em zonas mais internas do centro, mais longe da fachada do edifício de forma a mitigar o problema.

As perspetivas para o futuro

Tanto quanto o seu presente, também o futuro do Stop está envolto em incerteza e expectativa.

Entre aqueles que utilizam as salas do Stop, as opiniões sobre a possibilidade de encerramento definitivo do centro comercial não são unânimes. Rui Batista tem um projeto a solo no centro e, na sua opinião, o Stop “só não fechou por causa da pandemia e do decréscimo do turismo no Porto”. O músico acrescenta ainda que a especulação imobiliária pode ter um papel importante no eventual fecho do centro. Por outro lado, André Matos, membro de várias bandas, está mais otimista. “Não acredito”, responde o músico quando questionado sobre o possível encerramento. Acrescenta: “haveria motivos para tal se isto não estivesse cuidado, mas isto está cuidado”.

Já Gil Costa, músico e ex-membro da associação de músicos do Stop, alerta para o facto de a legalização do centro comercial poder ser “perigoso” por “facilitar a venda” de lojas no espaço.

O Centro Comercial Stop abriu portas em 1982. Foto: Inês Cristina Silva

Manel Cruz refere que os custos associados à colocação em prática do projeto de arquitetura estão na ordem dos “milhões de euros”. Carlos Freire não se revela muito otimista quanto à possibilidade de serem feitas grandes obras. “Só se vier alguma ajuda. Não estou a ver os proprietários a entrar com dinheiro para isto”, desabafa. Para o chefe dos seguranças, o melhor cenário possível consistiria na atribuição de algum fundo económico europeu ao CCStop. Caso o encerramento se concretize, alerta para o facto de os músicos terem de ensaiar em algum lado e, por consequência, se espalharem pela cidade: “Eles aqui incomodam-se uns aos outros, imagine irem para cada cantinho da cidade incomodarem uma série de vizinhos à volta”, refere.

Para Gil Costa, a história do edifício, desde o tempo em que foi um centro comercial, criou um “ecossistema”. “No dia em que feche, se calhar vai ser o dia em que mais se vai escrever sobre o sítio”, reflete. O músico considera que o espaço tem uma importância grande para a cidade, ainda que haja muita gente que não o conheça.

Rui Barros afirma já ter planos para o caso de o Stop fechar, mas não sabe o que acontecerá com a comunidade de músicos nessa eventualidade. André Matos fala de “uma quebra grande da cultura” por não haver outro local que comporte os músicos. “Será um passo que ninguém quer imaginar que vai acontecer. Mas, se acontecesse, ia ser muito complicado para muitas bandas, durante um bom período de anos, reestabelecerem-se”.

No dicionário, “Stop” significa “exclamação usada para ordenar a paragem; ato ou efeito de parar; sinal de trânsito que indica paragem obrigatória”. Por enquanto, contra o prenúncio do nome, o CCStop tem-se mantido em atividade. “Quase” a fechar. Se, um dia, o portão branco que desce da fachada de cores exuberantes fechasse de vez? Gil Costa não tem dúvidas: “seria um dia muito triste”.

Artigo editado por Filipa Silva