A seleção portuguesa venceu a Nigéria por 2-0 na final do Mundial de sub-20 e ficou eternizada na história do futebol nacional. À conversa com o JPN, Tozé, Morgado e José Bizarro relembram este momento marcante.
No dia 3 de março de 1989 fez-se história em Riade, na Arábia Saudita. A seleção portuguesa de sub-20 defrontou a Nigéria na final do Campeonato do Mundo de Futebol da categoria, no King Fahd International Stadium. Abel Silva e Jorge Couto foram os heróis da final, ao marcarem os golos que deram a vitória a Portugal. A seleção orientada por Carlos Queiroz conquistou assim o primeiro título mundial do futebol português.
O JPN conversou com alguns dos campeões de Riade, nomeadamente, o capitão Tozé, Morgado e José Bizarro. Apesar de todos relembrarem o momento de uma maneira pessoal, uma coisa é unânime entre os integrantes da equipa: esta conquista mudou totalmente o panorama do futebol nacional.
Mário Morgado foi o lateral esquerdo da seleção das quinas durante toda a campanha. O luso-moçambicano estava emprestado ao Gil Vicente pelo FC Porto na época de 1988/89. Apesar de não ter tido muitas oportunidades na equipa principal dos dragões, ainda conseguiu vencer um campeonato nacional e uma Taça de Portugal. Atualmente, continua ligado ao futebol e é treinador-adjunto do S. João de Ver.
O ex-jogador recorda a vitória de Riade como o “25 de Abril do futebol português”, pela forma como revolucionou a maneira de as seleções portuguesas serem vistas no futebol. Morgado estabelece até uma comparação com as recentes conquistas do jovem Diogo Ribeiro na natação, uma vez que, ambos os feitos foram completamente inesperados e superaram largamente as expectativas. “Não havia um português que pensasse que pudéssemos vir a ter o sucesso que tivemos. Foi a primeira pedra para o que temos hoje e começou uma nova geração no futebol português”, afirma o atual treinador-adjunto.
Mário Morgado acredita que a principal força daquela geração era o espírito de equipa: “A nossa seleção valia pelo grupo, não pelas individualidades. As gerações seguintes tinham muito mais talento individual”. O lateral esquerdo admite que esta foi uma das razões para muitos jogadores da geração de 89 não terem tido carreiras tão luxuosas, como outros portugueses. Porém, também acha que havia falta de oportunidades para os jovens, que só começaram a ser dadas depois desta conquista: “Tivemos muitos problemas para integrar plantéis seniores, porque não havia essa aposta e atenção à formação. Conseguimos virar a página e, passados dois anos, os clubes já tinham começado a acreditar nos jovens. Quem veio a seguir a nós, teve a vida mais facilitada, mas com todo o devido mérito”.
O ex-jogador do Porto afirma ainda que, antigamente, os jogadores “melhoravam muito mais no contexto de seleção do que nos clubes”. Contudo, com as gigantes evoluções nas condições de treino, hoje, já não é assim. Morgado reconhece a importância da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) incluir vários ex-jogadores na sua estrutura: “Hoje a seleção reúne profissionais que podem transmitir a mística do que é ser um jogador de seleção. O principal foco não é ganhar títulos nas seleções de base, mas sim trabalhar para dar jogadores à seleção A. É impressionante as fornadas de jogadores de qualidade que aparecem todos os anos”, observa.
Os “miúdos não eram valorizados”
António José Azevedo Pereira, conhecido no mundo do futebol como Tozé, foi o escolhido por Carlos Queiroz para liderar esta geração. Atuava como médio e estava a aparecer na equipa principal do Leixões na época de 1988/89. O clube matosinhense acabou mesmo por ser o ponto mais alto da sua carreira clubística, que terminou em 2014, no Custóias FC.
O capitão da geração de 89 garante que este momento “ainda é vivido como se fosse hoje” e que quando está com alguém do mundo do futebol, este assunto “vem sempre à conversa”. A conquista é regularmente celebrada com convívio entre os membros da equipa nos aniversários mais marcantes, contudo, “não está nada programado” para os 35 anos.
Tozé realça que o grupo “era uma autêntica família” e que, durante estes períodos, passavam até “mais tempo juntos do que com a própria família”. O ex-jogador do Leixões diz que “foi um orgulho ter sido escolhido pelo Professor Carlos Queiroz” para liderar esta armada e “ter sido aceite com tanto respeito e carinho” pelos colegas de equipa.
Em 1991, dois anos depois da conquista de Riade, a seleção das quinas voltou a agitar o país com a conquista do Mundial de sub-20, novamente sob o comando de Carlos Queiroz e dessa vez a jogar em casa. O matosinhense acredita que o trabalho feito pelo ex-selecionador português “revolucionou o futebol em Portugal” e foi a base para a valorização dos jovens jogadores: “Os miúdos naquela altura não eram valorizados. Hoje, os clubes já raramente pegam num jogador com 28, 29, 30 anos”.
Em conjunto, os “miúdos” de 1989 e 1991 formaram a chamada “geração de ouro” do futebol português, um grupo de luxo com individualidades como Luís Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, Paulo Sousa e Fernando Couto.
Há, de facto, um antes e um depois desta seleção para o futebol português. Basta lembrar que até 1989, a seleção A tinha garantido somente três presenças em fases finais de um europeu ou mundial de futebol. De 1991 até hoje, foram 13 as presenças, com destaque para a conquista do Europeu de 2016.
Curiosamente, apesar de já ter conquistado diversos títulos de sub-17 e sub-19 desde essa época, a seleção de sub-21 nunca assegurou o desejado título europeu e a de sub-20 não mais voltou a celebrar o campeonato do mundo. O mais perto que andou disso foi em 2011 (vice-campeã do mundo) e em 2015 e 2021 (vice-campeã da Europa).
A propósito do modo como os jogadores da formação eram então tratados, Tozé dá precisamente o exemplo de Rui Costa, que se tornou figura principal do Benfica após a vitória no Campeonato do Mundo. O atual presidente dos encarnados estava emprestado ao Fafe, da segunda divisão, e teve a oportunidade de se mostrar na equipa A, acabando mesmo por se tornar uma lenda do clube. “Riade abriu as portas, Lisboa confirmou”, remata Tozé Pereira.
José Bizarro é conterrâneo de Tozé e foi o guarda-redes titular da seleção em todos os jogos da competição. Em 1989, fazia parte do plantel do Benfica e, atualmente, é treinador do Moncarapachense, que atua no Campeonato de Portugal. O ex-guardião diz que a conexão com os colegas foi tão grande que se mantém até hoje: “Éramos uma família e, tal como uma família, é até que a morte nos separe”.
O atual treinador partilha a opinião dos seus companheiros e confirma que “o 3 de março de 89 fez com que toda a gente começasse a levar as coisas um bocado mais a sério” no futebol português.
Bizarro pensa que a falta de oportunidades dadas aos jovens antigamente devia-se à falta da cobertura mediática dos jogos de futebol na época: “Na altura, só havia RTP. Para aparecermos na televisão, tínhamos de jogar nos três grandes. Se não jogássemos em nenhum desses clubes, só aparecíamos três vezes por ano, que era precisamente quando os defrontávamos. Agora está sempre a dar futebol. E quer queiramos, quer não, é muito mais fácil dar nas vistas, quando estás constantemente na televisão”.
Na opinião de José Bizarro, as seleções de base são cruciais na formação de jovens futebolistas: “É o começo de tudo. É tal e qual como na escola. Ninguém consegue ser doutor sem passar pela primária. No futebol, é igual. Hoje em dia, as camadas jovens trabalham-se muito bem em Portugal”.
Atualmente, Portugal é uma das seleções mais respeitadas no mundo futebolístico. Porém, em 1989 este não era bem o caso. “Os pioneiros do grande salto do futebol português” fizeram história, há 35 anos, em Riade.
Editado por Filipa Silva