A tradição da Festa do Corpo de Deus voltou na quinta-feira (16) a dar cor a Vila de Conde. O regresso dos tapetes de flores às ruas provocou entusiasmo junto das dezenas de voluntários que tornaram possível o acontecimento. A equipa do JPN esteve no local e acompanhou os preparativos.

Os tapetes de flores regressaram a Vila do Conde esta quinta-feira (16), mantendo a tradição da festa do Corpo de Deus. Após cinco anos de interrupção, as ruas da cidade voltaram a preencher-se de arte. Este evento, que já tem meio milénio de história, ocorre de quatro em quatro anos. A tradição religiosa era para ter acontecido em 2021, mas teve de ser suspensa devido à situação pandémica, sendo apenas realizada este ano.

 A confeção dos tapetes é dividida por equipas e cada rua conta com um elemento responsável. Até ao resultado final, são cumpridas várias etapas que começam com a idealização do tapete e que vão até à montagem final feita na madrugada que precede o evento.  

O “amor” como elemento chave para vencer o cansaço 

Maria do Céu é a coordenadora do tapete da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde. Ao JPN, a 24 horas de iniciar a montagem do tapete que supervisionou, mostrava-se feliz com o regresso desta tradição: “A sensação de voltar é ótima”, afirmou.

A preparação dos tapetes exige um planeamento com meses de antecedência. Contudo, apesar de todo o esforço empregue, a coordenadora confessa que “é muito bom poder dar cor à tradição e fazer com que o tapete saia à rua outra vez”.

Num dia em que foi dado descanso à equipa, já com tudo praticamente pronto para ir para a rua, Maria do Céu explicou ao JPN que o processo de criação dos tapetes é constituído por diferentes etapas, apontando ainda o significado presente nos desenhos e nas cores escolhidas: “No tapete da Santa Casa, tudo tem um significado, nada é escolhido por acaso”, diz.

Nascida na Póvoa de Varzim, mas a viver há 25 anos em Vila do Conde, a coordenadora do tapete da Santa Casa assume o entusiasmo da tarefa: “Trabalhar com flores é uma explosão de alegria”, afirmou. O resultado final é efeito do esforço e cansaço de muita gente. A preparação é exigente e minuciosa, pois têm de se desfolhar as flores pétala a pétala. “Eu acho que isto só se faz por amor”, conclui.

Desfolhagem, uma tradição ancestral 

O ambiente vivido entre as equipas na elaboração dos tapetes é marcado pela animação. Num outro ponto de desfolhagem, na Rua de São Bento, Gorete Silva, que participa há 60 anos na elaboração dos tapetes, reforça a importância de preservar esta tradição, visto que é uma herança dos antepassados da terra. 

“As minhas filhas nasceram nesta rua e foram habituadas a fazer, o meu marido também, por acréscimo, e as minhas netas agora também já fazem”, acrescentou. A vilacondense considera também que este evento é tão fascinante que qualquer pessoa da terra, que nutra amor pelas origens, acaba por se envolver neste espírito de união. 

Na organização do tapete da Rua de São Bento, que foi elaborado no Museu da Renda dos Bilros, o JPN encontrou também quatro jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 18 anos. O quarteto realça sobretudo o sentimento de entreajuda vivenciado entre todos os elementos integrantes do projeto, caracterizando a equipa como “fenomenal”. 

As flores como ponto de encontro

Da Rua de São Bento à Rua do Lidador são três minutos a pé. Lá, à porta do centro de desfolhagem, Teresa Silva Pinto desfolha flores sentada numa cadeira e discorre sobre a importância da festa: “Há a divulgação e promoção da cidade e há muito convívio, no verdadeiro sentido de comunidade, porque toda a gente está a trabalhar para o mesmo. Por isso, existe um sentimento de muita união.” Há três semanas a trabalhar no tapete deste ano, Teresa leva cerca de 15 anos a participar na festa dos tapetes de flores.

No interior, um grupo de pessoas, maioritariamente mulheres, desfolhavam as flores. Apesar do cansaço visível em alguns rostos, a conversa animada dominava o processo. Os mais jovens têm desempenhado um papel preponderante nisso: “Tem sido uma verdadeira animação. Temos feito muitas noites com música e os jovens têm incentivado muito isso junto das pessoas mais velhas”, conta Teresa.

Ainda no local de desfolhagem situado na Rua do Lidador, Maria de Lurdes Pinto, vilacondense com 84 anos, testemunha este evento há quatro décadas. Com um semblante jovial, a octogenária confessa que “é uma alegria” a participação. 

No seu seio familiar, todos os elementos contribuem neste processo, incluindo os membros de tenra idade, e mesmo aqueles que não vivem na cidade deslocam-se para auxiliar no trabalho necessário. Segundo Maria de Lurdes Pinto, a alegria é uma realidade constante no desfolhamento, sobressaindo o companheirismo entre os participantes: “Estamos entusiasmados. Isto aqui é uma festa. Juntamo-nos todos, isto é uma família.” Remata o seu discurso, dizendo que: “É uma tradição bonita que dá muito trabalho”.

Do outro lado do espectro etário, Ana Clara, uma menina de 5 anos, também ajudou a desfolhar as flores na Rua do Lidador, acompanhada pela tia-avó, Fernanda Ramos, de 58. Entretida com o processo, a menina estava satisfeita por participar e ansiosa por ajudar na montagem do tapete, que se estende das 22h00 da véspera até à manhã do Dia do Corpo de Deus.

Este ano, e de acordo com as pessoas que o JPN ouviu em Vila do Conde, verificou-se um aumento da adesão de voluntários em relação às edições anteriores, o que demonstra a felicidade e saudade dos habitantes da cidade face à celebração. Além destes, foram também muitos os peregrinos de Santiago de Compostela que mostraram interesse em ajudar no minucioso processo de desfolhagem. Maria do Céu, da Santa Casa de Vila do Conde, exemplifica: “Contamos com a colaboração de pequenitos que iam passando com os pais, de peregrinos que iam a caminho de Santiago de Compostela, tivemos irlandeses, ingleses, franceses e holandeses. Foi uma experiência enriquecedora. É um tapete internacional.”

As celebrações do Dia do Corpo de Deus, ocorridas este ano a 16 de junho, incluíram no programa a eucaristia e a procissão do Corpo de Deus que atravessou 12 ruas do centro histórico e da zona ribeirinha de Vila do Conde, num percurso com aproximadamente três quilómetros de distância.

Artigo editado por Filipa Silva