Projeto "Rostos da Maré" foi apresentado na terça-feira em Matosinhos. Inclui um livro, uma exposição fotográfica e uma criação audiovisual. Abel Coentrão, editor do livro, explica que o projeto quer valorizar a memória coletiva com base nas histórias particulares de residentes nestes territórios.

Projeto “Rostos de Maré” foi apresentado em Matosinhos.

Em Matosinhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, “o mar e a pesca criaram uma comunidade além das três comunidades”. Para Abel Coentrão, é esta a ideia que resulta do projeto “Rostos da Maré – Vidas em rede entre Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim” apresentado esta terça-feira (28) no Mercado Municipal de Matosinhos, onde a pesca e o peixe são, todos os dias, atores principais.

Durante a apresentação, a felicidade no rosto dos presentes era evidente. Afinal, estavam a poucos minutos de presenciar o produto de um trabalho com anos. O projeto incluiu o lançamento de um livro, uma exposição fotográfica e uma criação audiovisual

Abel Coentrão, ao fundo, é o editor do livro que integra o projeto.

O livro reúne 21 histórias e fotografias de 37 pessoas destes concelhos. Os relatos – ligados à economia, à cultura e ao património da costa -, mostram as ligações ancestrais e familiares entre os três concelhos, as quais perduram até hoje.

A exposição fotográfica, que vai circular pelos três concelhos, funciona como uma pequena amostra das histórias do livro, está organizada em três blocos, um por cada concelho. Cada um apresenta retratos dos participantes do projeto, acompanhados por uma descrição. Desde histórias de amor, até pequenas biografias, cada relato tem o intuito de dar aos espectadores uma pequena visão sobre as vidas destes “Rostos da Maré”.

Um olhar atento reparava com rapidez que os rostos nas fotografias correspondiam à maioria dos presentes no Mercado. Reunidos em grupos, as suas conversas e risadas enchiam o espaço, prova dos cruzamentos e os laços presentes nas suas vidas.

Os protagonistas do livro, com olhares cheios do orgulho, não tiveram problema em falar sobre o seu envolvimento no projeto. Nas suas histórias, o mar é um protagonista constante, além de ser um elo de ligação. Abel Coentrão citou uma frase que o marcou durante o projeto, dita por alguém que o levara em viagens às praias dos seus antepassados: “O mar não fala, mas os que lhe sobrevivem sim. Haja búzios que guardem a sua voz.”

Entre os participantes do projeto está Israel Cartucha, patrão de salva-vidas de Leixões. Decidiu participar na obra junto com o seu irmão, Belmiro Cartucha, a pedido de familiares na Póvoa de Varzim. No livro, narra a sua história familiar e as suas raízes, o que os levou para a pesca – o seu irmão continua nesta atividade -, e o seu envolvimento na marinha.

“É espetacular, porque a maior parte das pessoas que estão aqui, em duas décadas se calhar já não estão”, opina Cartucha ao JPN, à margem da apresentação. “Estando impressas no papel, daqui a cinquenta ou cem anos alguém vai ler e saber que existiu aquele individuo. Vai perpetuando as histórias dos pescadores nestas três cidades e a ligação que elas têm, que acho que nunca vai se conseguir desligar”, concluiu.

Carlos Areias, antigo carpinteiro naval, afirma que deu metade da sua vida ao mar. Já trabalhou na construção naval e construiu barcos na Póvoa de Varzim e em Matosinhos. Atualmente, faz miniaturas das embarcações, algumas das quais já fizeram parte da sua vida, e continua envolvido na comunidade da pesca, como parte da direção do Núcleo de Amigos dos Pescadores de Matosinhos (NAPESMATE).

Israel Cartucha e Carlos Areias

Coentrão, que é também presidente da Bind’ó Peixe – uma “associação cultural e de defesa do património de Caxinas e Poça da Barca, em Vila do Conde” -, sublinha que o objetivo é, com base no particular, valorizar a memória coletiva: “Através das histórias individuais, nós encontramos traços comuns. Então, já não é história de cada um, é a nossa história coletiva, pelo menos das pessoas que vivem nestes três territórios. É valorizar pessoas que, às vezes, não se sentem valorizadas. É não deixar que desapareçam histórias que parecem pouco importantes, mas quando as lemos em conjunto nos ajudam a perceber o que é que somos”, explicou ao JPN.

O editor salientou como o mar criou uma ligação de sobrenomes. Por exemplo, há apelidos que eram característicos de uma determinada região, mas que, com a comunidade que foi criada através da pesca, passaram a constar nos três concelhos.

“Quase todas as famílias do seculo XX naquela zona acabaram por deixar aqui alguma coisa também. Para isso, basta olhar para os sobrenomes que encontram aqui na exposição”, reforçou. Coentrão, Bragas, Marafonas, Maravalhas, Torrão, Fortunato. Estes são só alguns dos apelidos presentes em histórias tanto no livro, como na exposição permanente do Museu do NAPESMATE. São famílias que em grandes eventos, como casamentos, se encontram e verificam estas cumplicidades.

Abel Coentrão deu um exemplo curioso, com o seu próprio sobrenome: o editor encontrou uma prima durante a realização deste projeto, salientando assim as famílias que se criaram através do mar.

A apresentação do livro, a exposição fotográfica e a criação audiovisual, que consiste numa série de fotografias dos participantes no livro, segue a 8 de julho para o Centro de Memória de Vila do Conde. A data e o local para a exposição na Póvoa de Varzim ainda não foi definida.

A obra foi iniciativa do Grupo de Ação Local (GAL) Costeiro Litoral Norte da Área Metropolitana do Porto e foi financiada pelo Programa Operacional Regional Norte 2020. A produção ficou a cargo da associação cultural Bind’ó Peixe e da Escola Superior de Media, Artes e Design (ESMAD) do Instituto Politécnico do Porto.

Artigo editado por Filipa Silva