Do intimismo do novo disco de Harry Styles à nova vida de Ana Moura, passando pelo regresso de SZA e de Beyoncé, 2022 foi um ano recheado de discos memoráveis. Estas são as escolhas do JPN para os dez discos do ano. Ao longo da semana, revelaremos ainda as nossas preferências nos filmes e séries estreadas este ano.
10. SOS – SZA
Depois do primeiro longa-duração “Ctrl”, SZA deixou-nos cinco anos à espera. Ora, cinco anos é muito tempo, principalmente quando se espera o sucessor de um dos melhores álbuns de R&B da década passada. No entanto, com a chegada de “SOS” ninguém mais se lembrou do tempo que esperou.
O disco pega em tudo o que fez de “Ctrl” um sucesso e torna-o maior e mais complexo. Ao longo de 23 canções, ouvimos uma artista em topo de forma, com uma escrita que tem tanto de aguçada como de terna, a explorar terreno familiar e lugares novos, sempre com a mesma qualidade. “Kill Bill”, “F2F” ou “Nobody Gets Me” seriam facilmente candidatas a canção do ano, se tivessem saído uns meses mais cedo.
E se for preciso mais cinco anos para um terceiro disco igualmente bom? Esperamos de bom grado.
9. Anatomia de Grog – GROGNation
Não é álbum de longa duração, mas é, sem dúvida, um excelente EP de Hip Hop Tuga, e não há como o negar. Produzido pelo lendário Sam The Kid, “Anatomia de Grog” é o último trabalho dos GROGNation, que anunciaram este ano o término.
Baseadas – como anuncia o título – na anatomia humana, “Cara”, “Orelhas Quentes”, “Pescoço”, “Coração”, “Calcanhar” e “Body” são as seis faixas deste EP. Cada uma oferece sensações diferentes, em muito pelo excelente trabalho de produção de Sam The Kid e pelas letras inteligentes dos cinco membros integrantes do grupo. A música “Body” é o momento de destaque do EP, juntando a juventude do grupo com o pioneirismo de Sam The Kid, que dá voz a um dos versos do tema.
É o fim de uma era para todos os amantes de GROG, mas é, também, uma bela maneira de dizer adeus.
8. Ocupação – Fado Bicha
Subversivo, revolucionário, interventivo. Tudo palavras que descrevem na perfeição o disco de estreia das Fado Bicha. A gingar entre a eletrónica e os traços tradicionais do fado, a dupla homenageia a cultura queer portuguesa e enaltece as vidas daqueles cuja pura existência foi (ou é) uma forma de resistência.
Entre a crueza acutilante de “Fado Alice” e a ironia dançável de “Crónica de um maxo discreto” vai um universo de géneros musicais que cabem, facilmente, em “Ocupação”. Com um começo destes, as Fado Bicha já têm um lugar na história. Quer queiram, quer não.
7. Harry’s House – Harry Styles
Harry Styles está mais livre que nunca no seu terceiro álbum de estúdio, com sonoridades cada vez mais pop e R&B. Mas, apesar de parecer mais leve que os trabalhos anteriores, “Harry’s House” é um projeto emocionalmente pesado, concretizado através de uma escrita muito franca.
É um álbum muito mais íntimo e menos feito para grandes audiências. O próprio nome do disco (“A Casa de Harry”, em português) implica uma entrada no mundo mais vulnerável do cantor. Apesar das melodias alegres, os versos escondem os medos mais profundos de Harry. No entanto, continua a sobrar espaço para canções de amor e desamor.
“Harry’s House” mostra ao mundo um artista cada vez mais próximo daquilo que quer ser: um Harry Styles confortável e confiante com a música que cria.
6. Casa Guilhermina – Ana Moura
“Casa Guilhermina” é o mais recente e aclamado álbum de estúdio de Ana Moura. Lançado em novembro, este disco abriu as portas da alma da artista que homenageou, no título, a avó Guilhermina e que participou mais ativamente no processo de composição do que em discos anteriores.
Este é o primeiro álbum de uma Ana Moura renascida. Com uma transformação radical na postura, no visual e na forma como se apresenta, a cantora apresentou um projeto muito mais livre, criativo e que acabou por marcar a diferença.
O álbum, que junta os êxitos “Andorinhas”, “Agarra em Mim” e “Arraial Triste”, é sobre celebração, festa e comunhão, fazendo também tributo às suas raízes africanas. É um projeto que junta a tradição e dor do fado aos sons urbanos, passando pela tropicalidade do Brasil, pela cultura popular e pela modernidade eletrónica.
As portas de “Casa Guilhermina” estão abertas, com Ana Moura a viver num novo e melhorado universo. Resta-nos entrar também.
5. Un Verano Sin Ti – Bad Bunny
Bad Bunny chegou a 2022 sem nada a provar. Mas nem as mãos cheias de êxitos nas tabelas de todo o mundo e o sucesso com a crítica (“X 100PRE” de 2018 foi considerado dos 500 melhores álbuns de sempre da Rolling Stone), lhe puseram um travão. Pelo contrário.
A maior força de “Un Verano Sin Ti” está na forma como as canções do disco soam muito mais simples do que aquilo que, na realidade, são. Os ritmos cliché do pop latino disfarçam narrativas com profundidade e instrumentais bem mais ricos do que é habitual no reggaeton.
“Titi Me Preguntó” e “Después de La Playa” são destaques obrigatórios, mas o álbum não tem faixas de enchimento. Tudo está onde de devia estar.
4. The Car – Arctic Monkeys
Os Arctic Monkeys de 2022 não são os mesmos Arctic Monkeys que fizeram “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”, o estrondoso álbum de estreia. Já no álbum anterior, de 2018, mostravam ter desacelerado e estarem mais preocupados em criar ambiente do que em incentivar moshpits. No entanto, em “The Car” a banda atinge um novo pico na carreira.
As secções de cordas acrescentam delicadeza às canções, os silêncios criam espaço para respirar e a voz de Alex Turner nunca foi tão cristalina. Não há nem notas desnecessárias, nem faixas desperdiçadas. O single “There’d Better Be A Mirrorball” é um ótimo cartão de visita do disco, mas é “Body Paint” que mostra a banda britânica num dos melhores momentos da carreira.
A banda que, em 2006, apostava que ficávamos bem na pista de dança (“I Bet You Look Good On The Dance Floor” ainda é um hino) hoje convida-nos a ficar na sala de estar, sentados a ouvir. E nós ficamos.
3. Midnights – Taylor Swift
De recorde em recorde, “Midnights” foi inevitável em 2022. Apesar de ser, provavelmente, o disco mais polarizante da discografia da cantora, o álbum marca um momento em que Taylor Swift olha por cima do ombro e resume tudo o que fez até hoje.
Há a acidez de “Reputation”, a leveza de “folklore”, o açúcar de “1989” e a paixão de “Red”. E, no topo, mais uma prova de que Taylor é, provavelmente, a melhor escritora de canções do panorama pop atual. “Anti-Hero”, “You’re On Your Own Kid” e “Would’ve, Could’ve Should’ve” são os vértices mais altos de um disco que vai continuar nas bocas do mundo por uns tempos.
2. Renaissance – Beyoncé
O mundo viu nascer o sétimo e mais recente álbum da estrela internacional Beyoncé em julho deste ano. Este é o primeiro disco a solo depois do galardoado “Lemonade”. Depois de duas décadas a dominar os estilos pop e R&B, a artista americana aventurou-se em “Renaissance” no universo do house e da música de dança. À saída da pandemia, Beyoncé deu aos seus fãs aquilo de que eles mais sentiam falta: alegria e música para dançar.
“Renaissance” é um álbum sobre o movimento físico e sexual da mulher negra, onde os tons emancipatórios dominam. É uma celebração da mulher afro-americana e da cultura queer (foi dedicado ao tio homossexual de Beyoncé que morreu com SIDA) e assume uma crítica: a América tem um problema (“America Has a Problem”). “Break My Soul”, “Cuff It” e “Alien Superstar” são os maiores êxitos do disco.
Sendo Beyoncé a única pessoa que manda nela própria, experimentou, usou e abusou dos vários elementos da dance music de forma exemplar. “Renaissance” é, como o nome indica, o renascimento da cantora num género completamente novo.
1. Motomami – Rosalía
Com “El Mal Querer” Rosalía tornou o flamenco em pop e fez um disco com tanto de experimental como de tradicional. Em “Motomami”, subverteu as regras à sua vontade. Ao longo do álbum, Rosalía questiona as convenções da música pop e responde como lhe dá na gana.
No final de contas, “Motomami” não é menos um simples conjunto de canções do que uma obra coesa e inteira que deve ser experienciado do início ao fim. A mescla de géneros e de influências que compõe o disco converge num lugar que tem tanto de popular como de irreverente.
Se ainda haviam dúvidas de que Rosalía é um dos nomes que mais define o panorama da música atual, erradicam-se aqui. E as portas que “Motomami” deixa abertas só nos deixam a salivar pelo que virá a seguir.