Em 2014, entrou em vigor uma lei de criminalização dos maus-tratos a animais. Desde então, as denúncias de ocorrências de violência infligida a estes seres foram milhares e têm vindo a aumentar cada vez mais. Porém, apenas 13,8% dos casos denunciados tiveram o devido seguimento em tribunal.

De acordo com o artigo 387º do Código Penal, alusivo a animais de companhia, “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. Caso disso resulte “a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.

Contudo, segundo o Jornal de Notícias, a Procuradoria-Geral da República revelou que, entre 2019 e 2022, houve 7720 inquéritos – dos quais foram arquivados 6657. Somente 1063 chegaram a acusação e, ainda assim, na maioria das vezes, a única punição aplicada é uma coima, mesmo estando também prevista na lei a pena de prisão.

Porque é que a lei não está a ser devidamente aplicada?

Essa legislação de 2014 veio na esteira de uma petição promovida pela associação ANIMAL. Depois da entrega do documento, foi aprovada a alteração ao Código Penal e instituída a criminalização aos maus-tratos a animais de companhia.

É um problema legal, mas trata-se essencialmente de um problema cultural, de raiz. Daí ser tão importante educar as pessoas.

Rita Silva, presidente da direção da associação ANIMAL, avança ao JPN que a alteração efetuada “era pouco relativamente àquilo que se pedia”, mas, ainda assim, foi um “passo importantíssimo”. “A partir daí, houve uma mudança. Alguns casos foram encaminhados para o Ministério Público – coisa que antes não acontecia, mas continuámos a ter muita dificuldade com a aplicação das normas”, completa a presidente da ANIMAL.

Segundo Rita Silva, o problema reside no facto de as autoridades (sejam elas policiais, administrativas ou legais) acharem que os temas relacionados com a proteção dos animais constituem assuntos de menor importância. A porta-voz da ANIMAL aponta as questões legais como barreira, mas acredita que é essencialmente um problema cultural” e “de raiz”. E conclui: “Daí ser tão importante educar as pessoas”.

À falta de sensibilidade com matérias relacionadas com a defesa dos animais, apontada por Rita Silva, aliam-se outros fatores que inviabilizam os processos de acusação por maus tratos. O Ministério Público (MP) alega que há muitas situações denunciadas em que os animais não têm tutela penal – isto é, não são considerados animais de companhia para efeitos de código penal. Mais ainda, o MP refere que, em muitos dos casos reportados, os animais já são encontrados em mau estado ou até mortos, não tendo as autoridades forma de apurar quem praticou as agressões.

Além destes fatores geradores de inoperância, o Tribunal Constitucional (TC) tem anulado condenações, alegando uma falta de cobertura constitucional. Nesse sentido, o TC considerou a criminalização dos maus tratos a animais inconstitucional já por três vezes. Este parecer originou muita polémica e, segundo divulga a organização Intervenção e Resgate Animal (IRA) via publicação nas redes sociais oficiais, levou cerca de 40 mil pessoas às ruas de Lisboa no início deste ano. A manifestação tinha por base um apelo à inclusão dos direitos dos animais na Constituição Portuguesa.

 

 
 
 
 
 
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“Para dissipar qualquer dúvida que alguns juristas possam ter, acreditamos que a solução é inserir inequivocamente o tema na Constituição”, reitera, sobre o tema, Rita Silva. “Por isso, lançámos, em julho do ano passado, a campanha «Animais na Constituição», associada a uma petição que pede a inclusão da proteção dos animais quando se proceder à revisão constitucional”, completa a presidente da ANIMAL. Neste âmbito, vai decorrer uma sessão informativa na próxima segunda-feira (3), pelas 15 horas no Centro de Acolhimento ao Cidadão da Assembleia da República, que será igualmente transmitida em direto nas redes sociais da ANIMAL.

Deste modo, espera-se “que os animais passem a ser sujeitos de proteção (apesar de este não ser o termo jurídico), e que deixe de haver uma distinção entre «animais de companhia» e «animais de produção ou de quinta»”. Mais ainda, “todos os animais devem ter uma proteção própria e não apenas por se inserirem na questão ambiental”, enfatiza Rita Silva.

A falta de preparação (e predisposição, segundo crê a representante da organização) das autoridades  e dos tribunais para lidar com denúncias associadas a este tema poderá, também, estar a levar ao arquivamento de muitos processos e a contribuir para a inação latente. O MP e as associações de animais exigem, portanto, que se clarifique a lei e que se proceda a uma alteração na Constituição, para que os atos criminosos não saiam impunes.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira