Na segunda-feira, num concerto intimista, o Coliseu do Porto transformou-se, durante uma hora e meia, numa sala de estar. Num tom alternadamente reflexivo e leve, Mayra Andrade levou o público num "Vapor di Imigrason" para a "Ilha de Santiago", em Cabo Verde.

“Estou muito triste com a humanidade”. Foi num tom de pesar face aos acontecimentos que têm agitado o mundo, que Mayra Andrade começou, esta segunda-feira (6), um espetáculo memorável no Coliseu do Porto.

Com o tema “Consciência”, que diz ter escrito para “despertar” a sua própria compreensão para os problemas dos outros, mostrou a compaixão e amor pela espécie humana que têm pautado a sua musicalidade ao longo dos anos.

A batida suave que caracteriza a sonoridade da cantora, que compõe desde a adolescência, remeteu desde o início a audiência para uma espécie de tempo antigo. Essa nostalgia que Mayra Andrade sempre desperta parece chegar para nos dizer que o mundo está do avesso, mas que ainda temos as mornas cabo verdianas, os sambinhas e o violão.

A artista viveu em diversos países (como o Senegal, Angola, Alemanha e França), que a influenciaram de diferentes maneiras, mas nenhum como a sua sua pátria, Cabo Verde.

Mayra já escreveu músicas em português, inglês e francês, mas a língua que melhor lhe serve, como o comprovaram os compatriotas que assistiram ao concerto, é o crioulo caboverdiano. Com a espontaneidade que a caracteriza, interagiu em crioulo com os fãs cabo-verdianos, que se comoveram em “Vapor di Imigrason”.

O refrão desta música, tão íntima para aqueles que estão longe da sua pátria, levou um público diversificado a abandonar as cadeiras do Coliseu, dançar de pé e fazer coro com a artista.

Acompanhada por Djodje Almeida na guitarra, a artista apresentou uma fusão acústica de toda a sua carreira, “reencantando-a” (como indica o nome da digressão – “reEncanto”), com um repertório que foi desde o primeiro álbum da artista, “Navega”, de 2006, até ao mais recente, “Manga” (2019), com batidas mais intensas.

A intimidade que sentimos na grande sala do coliseu, que pareceu encolher para aconchegar os espectadores, foi também possível graças a uma cenografia e luzes simples, que simulavam uma sala de estar: uma poltrona, daquelas onde ouvimos histórias de embalar, e uma candeeiro a meia luz.

Mayra Andrade em tour com o concerto reEncanto | Rádio Voz ...

O registo foi sempre descontraído, contribuindo para que as músicas ganhassem uma sonoridade despreocupada, simples, mas comovente. A espontaneidade da cantora foi visível nos muitos momentos de conversa descontraída com o público e na confiança com que alcançou as notas mais agudas, com uma facilidade surpreendente.

Num concerto que esteve agendado para 29 de outubro (tinha esgotado, coisa que não aconteceu após o adiamento) e que foi adiado devido às condições climatéricas que, nessa data, provocaram infiltrações no Coliseu, Mayra Andrade provou aos fãs que a espera valeu a pena, e eles concordaram, com uma ovação de pé. E foi esse mesmo espírito que caracterizou todo o espetáculo: uma onda de “Afeto” ao homenagear e relembrar a “Terra da Saudade”.

A digressão intimista da artista prossegue, ainda este mês, para o resto da Europa, com algumas datas já esgotadas.

Editado por Filipa Silva