Discutir para aprender. Implementar o debate em sala de aula fomenta a aprendizagem e a participação ativa dos estudantes. Mário Rocha, professor de Filosofia, defende uma abordagem socrática moderada. Martim Magano, da SdDUP, destaca que o debate "combate a vulnerabilidade ao sensacionalismo."
Preparar os estudantes para um mundo em constante mudança é o atual desafio da Educação. O imediatismo dificulta a aprendizagem dos alunos, que nem sempre se encontram motivados. Surge a necessidade de reavaliar as abordagens e as metodologias de ensino. É o que defende Mário Rocha, professor de Filosofia no ensino secundário, no relatório de estágio que apresentou em novembro na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). De um modo mais concreto, o docente propõe a implementação do debate enquanto estratégia educativa.
Mário Rocha acredita que a problematização em sala de aula confere aos alunos um pensamento sólido. A dinâmica motiva-os na busca de respostas para os “porquês (con)sentido”, para usar a expressão que dá título ao seu trabalho. “Incorporar o debate orientado, como parte integrante da prática pedagógica, pode complementar e aprimorar os métodos tradicionais de ensino-aprendizagem e desempenhar um papel fundamental na formação de alunos autónomos e, futuramente, mais integrados na sociedade”, disse em entrevista ao JPN.
Ao longo do seu período de estágio, entre setembro de 2022 e maio de 2023, na Escola Secundária Filipa de Vilhena, no Porto, Mário Rocha testou o método em quatro turmas do 10.º ano de escolaridade. Com o objetivo de tornar as aulas de Filosofia mais interativas e dialogantes, adotou a pedagogia socrática como suplemento à exposição de conteúdos. Ainda que consciente das limitações da aplicabilidade da ferramenta, Mário Rocha faz um balanço positivo: “Vi alunos a praticarem a análise da informação e o processo de tomada de decisão baseado em evidências. Vi alunos motivados. Vi um espírito de aprendizagem coletiva”, observa.
O método socrático
A origem do debate remonta à Grécia Antiga. O filósofo Sócrates ficou conhecido como o fundador desta técnica baseada no questionamento que procura alcançar a verdade. Sócrates acreditava que o conhecimento estava na mente das pessoas e que ia sendo revelado através do diálogo.
“O diálogo socrático constituiu-se essencialmente da ironia e da maiêutica. O seu método envolvia uma cuidada investigação dialética em busca da verdade, por meio de perguntas e da reflexão crítica”, explica Mário Rocha. O professor acrescenta: “Dos diálogos não se extraíam respostas definitivas, mas os que neles participavam eram incentivados a pensar por si próprios e a questionar as suas próprias crenças”.
Sócrates provocou impacto na filosofia e no modo de filosofar. Foi inspirado no seu legado que Mário Rocha incorporou o debate nas suas táticas de ensino: “Numa abordagem moderada do método socrático, promovi a implementação em sala de aula de momentos específicos de diálogo”.
Uma estratégia alinhada com as diretivas do Ministério da Educação
As Aprendizagens Essenciais (AE) e o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) são documentos de orientação curricular, que estipulam um conjunto de competências e conhecimentos a promover junto dos estudantes.
As últimas redefinições no currículo propõem uma avaliação formativa, em detrimento da sumativa. Para Mário Rocha, o debate, enquanto método de aprendizagem e avaliação, permite que “os alunos recebam feedback regular sobre o desenvolvimento das suas capacidades” e que “ajustem o seu desempenho ao longo do tempo”. Para si, isso está “perfeitamente alinhado” com a abordagem de formação que as Aprendizagens Essenciais sugerem para o ensino em Portugal.
A promoção do desenvolvimento das capacidades metacognitivas, sociais e emocionais nos alunos é uma diretiva transversal a todos os documentos da Direção-Geral da Educação. A escola deve estimular a atitude crítica, o pensamento criativo e os valores interpessoais, assumindo uma importante missão na educação para a cidadania.
Mário Rocha vê no debate uma ferramenta que favorece estes objetivos, “em oposição à simples formatação técnico-científica”. “Parece-me que o debate é uma poderosa estratégia para cultivar o espírito crítico, pois desafia permanentemente os participantes a pensar de forma analítica e a comunicar mais eficazmente as suas ideias”, diz o professor. As habilidades de relacionamento pessoal são também favorecidas, já que, “ao ouvir e compreender diferentes pontos de vista, experiências e valores”, os estudantes “desenvolvem a empatia”. A gestão de conflito de opiniões é essencial à construção de uma cidadania democrática: “Através do diálogo, discutem-se e analisam-se informações relevantes, com o fim de tomar, tanto quanto possível, decisões informadas. Esse processo é essencial para uma participação cívica consciente e responsável”.
Segundo o docente, “estas habilidades não são essenciais somente na escola e devem acompanhar os estudantes ao longo da vida”. Para tal, é necessário que a escola, enquanto denominador comum dos cidadãos, fomente uma “mentalidade aberta ao questionamento”.
“A palavra pode mudar o mundo”
Ao longo dos últimos anos, têm surgido vários projetos que valorizam o debate como ferramenta de discussão construtiva. O professor Tomás Magalhães Carneiro, autor do programa Academia do Diálogo, também acredita na prática do Diálogo Filosófico em contexto de aula. No blog Filosofia Crítica, partilha as suas experiências reais, destacando também dificuldades.
E não são só professores a advogarem pelos benefícios do debate. Em 2010, com o objetivo de promover a discussão de ideias na comunidade estudantil, foi criada a Sociedade de Debates da Universidade do Porto (SdDUP), a primeira Sociedade de Debates universitária em Portugal.
Martim Magano, estudante de mestrado em Engenharia Civil, é um dos mais de mil associados da SdDUP. Juntou-se à organização sem fins lucrativos há dois anos, crente de que “a palavra pode mudar o mundo”. Em 2022, juntamente com o seu colega Guilherme Ferrão, ganhou a Final de Iniciados do Open do Porto.
Martim Magano: O debate desenvolve o pensamento crítico e combate a vulnerabilidade ao sensacionalismo.
Segundo Martim, o debate é importante para “questionarmos crenças e ideias que anteriormente considerávamos óbvias”. O jovem não tem dúvidas de que a “participação na discussão democrática e pacífica” lhe permitiu alargar horizontes. Foi através da Sociedade de Debates que percebeu que “todos os lados de um problema, mesmo aqueles com quais discordamos, têm fundamento”, podendo ser “válidos à luz de diferentes crenças e contextos”. Aprender a reconhecer e a aceitar a diversidade de ideias “aumenta a nossa tolerância e empatia”.
Martim Magano valoriza a pluralidade dos elementos que constituem a organização. “Como a Sociedade de Debates está vinculada à Universidade do Porto, e não apenas a uma faculdade ou curso, os estudantes encontram colegas com uma enorme variedade de interesses, gostos e crenças sociais, políticas e morais”, explica. Para si, também a abrangência dos temas debatidos é relevante. “São temas atuais e úteis para a sociedade. O debate destes temas desenvolve o pensamento crítico e combate a vulnerabilidade ao sensacionalismo e a outras retóricas perigosas”, remata.
O estudante confessa ainda que melhorou a eloquência e a clareza na exposição dos argumentos e identifica o “desenvolvimento da capacidade da oratória” como uma vantagem de debater regularmente. “O debate só nos faz ganhar”, conclui, incentivando à integração em núcleos de diálogo e à participação em torneios. O próximo grande – o Torneio Nacional de Debate Universitário (TORNADU) – estará de regresso à Invicta, entre os dias 23 de 25 de fevereiro. Na anterior edição, a SdDUP sagrou-se campeã nacional.
Editado por Filipa Silva
Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de TEJ Online – 2.º ano.