Ensinar para formar e não para formatar. Diana Pereira, investigadora em Educação, acredita numa abordagem pedagógica onde “o aluno é a figura mais importante”. Um olhar detalhado sobre o sistema de ensino português aborda o caminho a percorrer.

Escolas fechadas por motivos de greve. Alunos sem aulas por falta de docentes. Alterações nas políticas educativas e reestruturação dos currículos. É num cenário de instabilidade no sistema educativo que o debate em torno da Educação tem ganho destaque. Num mundo em constante evolução, o ensino precisa também de se adaptar. Afinal, de que escola precisaremos no futuro?

Diana Pereira, do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho, tem dedicado os últimos anos à procura da resposta. Movida pela necessidade de “formar alunos para os desafios do século XXI”, vê na inovação a chave para transformar a educação. “É importante não nos prendermos aos métodos tradicionais, porque a sociedade já não requer esse tipo de competências”, reflete.

A investigadora rejeita uma abordagem escrava de médias e pouco dada ao espírito crítico: “Não queremos alunos que apenas debitam o que estão a ouvir. Queremos alunos reflexivos. Queremos alunos autónomos. Queremos alunos com diferentes competências, quer técnicas, quer transversais”, refere em entrevista ao JPN.

Avaliação “ideal” deve ter “como foco” o feedback do aluno

A 6 de julho de 2018, o Mistério da Educação publicou legislação que prometia uma mudança de paradigma. Enquanto o Decreto-Lei n.º 54 propunha um Regime de Educação Inclusiva, o Decreto-Lei n.º 55 repensava os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens. Reconhecendo que cada aluno tem as suas particularidades e dificuldades, deve ser concedida à escola uma autonomia que permite a flexibilidade curricular, defende a legislação. “Com estas alterações, o currículo pode ser trabalhado em sala de aula e pode estabelecer interligações verticais e horizontais, tanto por níveis de ensino, como por diferentes disciplinas”, explica Diana Pereira.

Diana Pereira integra o Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho.

Diana Pereira integra o Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho.  Foto: Érica Marques

A professora do ensino superior, pós-doutorada em Ciências da Educação, faz um balanço positivo. As recentes medidas legislativas “colmatam lacunas que existiam” e facilitam a promoção das competências estabelecidas pelo Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO). Neste sentido, Diana Pereira vê o sistema aproximar-se da visão em que acredita – uma visão que aposta na diferenciação pedagógica, na avaliação formativa e em métodos de aprendizagem ativos.

Penso que a avaliação ideal deve ser feita de uma forma formativa e ter como foco o feedback. Quando o aluno é apenas avaliado por um ou dois testes, não há espaço para a melhoria da aprendizagem, nem para a regulação do processo. O feedback permite ao professor ajudar o aluno no seu percurso, detetando falhas e aspetos a melhorar”, considera. Para tal, é imperativo apostar em práticas de ensino inovadoras e na diversidade de dinâmicas: “Devem ser utilizados métodos que promovam a reflexão e a participação ativa do aluno. Estamos a falar, por exemplo, do trabalho de projeto, dos portefólios e dos debates. Considero que estas estratégias estimulam o pensamento crítico e consolidam a aprendizagem”.

Não obstante, a investigadora reconhece que há uma tendência de correlação entre o ramo do conhecimento e a forma como os alunos são avaliados. Com base num estudo que desenvolveu em cinco universidades portuguesas, concluiu que “quanto mais exata é a área, a tendência é usar métodos mais fechados e quantitativos, como testes sumativos, ou de escolha múltipla. Quanto mais a área permite abertura e flexibilidade, como a área da educação, da psicologia e da sociologia, os métodos tendem a ser mais qualitativos, como as reflexões escritas”.

Desafios que comprometem a inovação

Apesar das mudanças legislativas, a rigidez curricular sobrevive em alguns estabelecimentos de ensino. Para Diana Pereira, a dificuldade em abandonar as velhas práticas é, em grande parte, explicada pelo envelhecimento da classe. “A resistência à mudança relaciona-se muito com as faixas etárias dos professores. Quando são professores mais velhos ou que estão perto de se reformarem, não há tanta abertura para a inovação pedagógica. Querem deixar tudo como está, porque já estão cansados”, disse ao JPN.

O problema adensa-se quando se constata que Portugal é o país da União Europeia com a classe docente mais envelhecida, como apontam os dados da Pordata utilizados no estudo “Estado da Nação 2023” da Fundação José Neves. A média de idades dos professores está próxima dos 50 anos e tem vindo a aumentar. Só no primeiro ciclo do Ensino Básico, existem 997 professores com 50 ou mais anos por cada 100 docentes com menos de 35 anos. Dito de outra forma, por cada docente com menos de 35 anos há quase 100 com 50 ou mais anos.

Rácio de envelhecimento, isto é, número de professores com 50 ou mais anos por cada 100 professores com menos de 35 anos. Fonte: DGEEC/ME-MCTES/Pordata.

A perpetuação de linhas conservadoras na formação inicial de professores coloca também entraves ao cumprimento da lei. “Os mestrados em ensino não ensinam para a inovação”, considera a investigadora. “Se não fizermos esse trabalho prévio, o professor vai continuar a reproduzir aquilo que viu e que aprendeu no estágio”, concluiu.

Diana Pereira: Não há preocupação em dar continuidade às políticas educativas.

O sistema educativo enfrenta mais desafios. O “número excessivo de alunos por turma” e o “excesso de burocracia” levam os docentes a questionar a aplicabilidade das novas medidas. Como consegue um professor encontrar uma avaliação justa para todos quando, na prática, “tem de avaliar 100 ou mais alunos”? Como consegue um professor dedicar tempo à parte pedagógica se está “assoberbado com papéis e com plataformas”? Para Diana Pereira, a resposta é clara: “Não consegue e fica mais desmotivado. A maior parte dos professores estão desmotivados e quem sofre com isso são os alunos e a qualidade da educação”.

A investigadora destaca outro fator que condiciona a mudança de paradigma: “Não há preocupação em dar continuidade às políticas educativas”. Na sua opinião, é crucial encontrar um equilíbrio entre a importação de novos modelos e a manutenção da estabilidade. “Temos de estabelecer um plano que vamos cumprir durante alguns anos, para que a educação não sofra flutuações a cada novo governo”, alerta a especialista. E acrescenta: “As coisas devem ser feitas com calma e também com coerência”.

Uma vez que o sucesso académico dos alunos está muito relacionado com o seu nível socioeconómico, a professora relembra também que a escola tem uma importante missão enquanto elevador social. Para garantir “educação para todos”, consagrado como o primeiro objetivo mundial da UNESCO, é “urgente” quebrar o “ciclo de desigualdades”. “Implementar políticas educativas não basta, caso não apostemos noutros serviços básicos, como a saúde ou a habitação”, conclui.

“O futuro da educação passa pela flexibilidade do currículo, pela inovação pedagógica e por olhar para o aluno enquanto figura mais importante”, resume a investigadora Diana Pereira. Num mundo que coloca novos desafios ao setor, importa discutir diferentes visões e identificar as barreiras que impedem a evolução. A Educação é um tema do presente para transformar o futuro.

Com Bárbara Freire

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de TEJ Online – 2.º ano.