Esta está a ser a pior época do FC Porto desde a contratação de Sérgio Conceição, e os acontecimentos fora de campo não ajudam. Não são estes últimos o problema, na opinião de Luís Freitas Lobo, analista e comentador na SportTv, com quem o JPN conversou sobre o momento atual dos dragões.

Sérgio Conceição em empate contra o Boavista Foto: FC Porto

Na última segunda-feira (12), o FC Porto foi a Arouca para jogar o seu 21.º jogo da época na Liga Portugal. O que podia ter sido uma vitória fácil para o gigante do norte tornou-se um pesadelo. O Arouca abriu o marcador logo no primeiro minuto, e o FC Porto empatou 10 minutos depois. O que veio em seguida, contudo, foi algo a que os adeptos dos dragões já estão acostumados nesta temporada: um ataque que falhou em concretizar as oportunidades criadas e uma defesa que cedeu golos mais facilmente do que se espera de uma equipa como o FC Porto. O Arouca venceu por 3-2.

O clube da cidade Invicta está com um desempenho muito abaixo da média, e esse jogo foi prova disso. Na data de fecho deste artigo, o FC Porto ocupa a terceira posição da liga, com 45 pontos. Se continuar com a sua média atual de pontos por jogo, terminará a temporada com 72 pontos. Esse total seria o menor da “era Conceição“, que em junho fará sete anos ao comando do FC Porto, um período de muitas conquistas, diga-se: três campeonatos, três Taças de Portugal, uma Supertaça Cândido de Oliveira e uma Taça da Liga, além de uma série de boas performances na Liga dos Campeões, com destaque para o embate que eliminou a Juventus de Cristiano Ronaldo nos oitavos de final em 2020/21.

Mesmo com todas as conquistas, o olhar sobre a atual época deve ser objetivo, não nostálgico: é esperado que o FC Porto, por conta da sua estatura financeira e desportiva, mantenha-se no topo no plano nacional e não é isso que está a acontecer. No momento [ainda antes de ser realizado o FC Porto x Estrela da Amadora da 22.ª jornada], os dragões estão mais próximos do SC Braga (5 pontos), que é quarto, do que da liderança (7 pontos), e a distância pode se estender-se ainda mais caso o Sporting vença os jogos que tem em falta.

Para tentar entender melhor os motivos pelos quais o FC Porto passa por essa má fase, e se realmente é só uma fase ou não, o JPN conversou com Luís Freitas Lobo, jornalista, analista e comentador na SportTv.

Problemas na prospeção de jogadores

Para Luís Freitas Lobo, a qualidade da equipa deixa a desejar, mas isso não é um desenvolvimento recente. Segundo o analista, “isso é algo que tem vindo a afetar o Porto, e sobretudo os anos do Sérgio Conceição nos últimos tempos. Ele está na sua sétima época no Porto e tem sempre vivido com problemas”.

Freitas Lobo destaca que o que mais tem afetado os dragões é a queda na qualidade das contratações. “O FC Porto, antes, tinha uma estrutura forte em termos de prospeção. Antecipava bons valores de jogadores e depois potenciava-os desportiva e financeiramente, e a verdade é que isso perdeu-se um pouco ao longo dos tempos”, analisa.

Ainda no plano das contratações, o clube era famoso por comprar jogadores no mercado sul-americano. Grandes estrelas do futebol europeu, como Casemiro, Alex Sandro, Luis Díaz, Radamel Falcao, James Rodríguez ou Éder Militão saíram diretamente do futebol sul-americano para jogar no Estádio do Dragão. Nos tempos mais recentes, mais de 50% do investimento do clube é feito em jogadores que atuam na liga portuguesa. Os dragões investiram, inclusivamente, muitos milhões de euros em jogadores que já atuavam em Portugal, mas antes vieram da América do Sul, como Otávio (Famalicão) e Galeno (Braga). Fez, essencialmente, uma terceirização de sua política de transferências.

Comparado aos outros dois clubes que formam os três grandes, o FC Porto tem investido muito mais em talentos da Primeira Liga, mas essa aposta não tem dado os resultados que certamente eram esperados. Já Sporting e Benfica têm explorado diferentes mercados, com destaque especial para os mercados sul-americano e nórdico.

As maiores vendas dos dragões nas últimas cinco temporadas foram de jogadores formadas no clube, ou jogadores que vieram diretamente do futebol sul-americano. O sistema que está em vigor não prova ter resultados imediatos e certamente não será sustentável para um clube que precisa sempre de vender os seus melhores jogadores para poder competir ao nível nacional e europeu.

Para Luís Freitas Lobo, “o FC Porto hoje já não tem a mesma capacidade de detetar talentos e depois potenciá-los da mesma forma. E a questão tem a ver mais com a estrutura em si”. “Não sei exatamente como é que está estruturado atualmente o departamento de prospeção do Porto, e depois, em função disso, a avaliação que é feita e quem decide as contratações no final, porque não é comparável com o que se passava anteriormente”, conclui.

O comentador também vê que a atual política de transferências é de curto termo: “Vejo até que muitos jogadores que são contratados agora acabam por não ser apostas consistentes logo na época seguinte por parte do Sérgio, do treinador”.

Os problemas do plantel atual

Os sintomas da atual política de contratações são visíveis em campo. O maior problema, na opinião de Freitas Lobo, está “na defesa”, citando Marcano e Pepe, agora com 40 anos. Mas mais do que individual, para o comentador, “o problema é mais coletivo, de defender. Ele cruza com as questões individuais, naturalmente, mas é principalmente de estrutura”, disse o comentador.

E de acordo com uma leitura de projeções com base em estatísticas (golos esperados, assistências esperadas, defesas esperadas, entre outras), a defesa do FC Porto até não se tem dado mal. Segundo o site de estatísticas fbref.com, o Porto sofreu quatro golos a menos do que o esperado. Foram, até agora, 16 golos sofridos, em contraste com 20 golos esperados (“xG”). Grande parte disso passa pelo excelente desempenho de Diogo Costa.

Para o jornalista do SportTv, o FC Porto também “tem problemas atacantes, de eficácia, mas isso é uma questão mais individual”, além de problemas que envolvem “a qualidade do lance”.

O JPN trabalhou dados do fbref e identificou que, de facto, o desempenho ofensivo individual dos dragões está, em geral, abaixo da média da liga naquilo que diz respeito quer à criação (“xA”), quer à conversão esperada de oportunidades, excluindo penáltis (“npxG”).

Apenas quatro jogadores do FC Porto estão acima da média da liga, e nenhum desses está perto daqueles que se destacam nos respetivos parâmetros. Ángel Di María (Benfica), Viktor Gyökeres, Pedro Gonçalves (ambos do Sporting) e, principalmente, Rafa Silva (Benfica), são jogadores de equipas rivais que apresentam níveis de performance muito superiores. 

O jogador dos dragões que teria maior destaque na visualização é Evanilson, caso fossem medidas as contribuições ofensivas por 90 minutos, mas é importante tê-las em números brutos para mostrar que, quando Evanilson não está em campo, o planeamento ofensivo do Porto não é o melhor, e ao construir um plantel é necessário levar em consideração a gama de opções disponíveis para cada posição. Vê-se também que os jogadores do Porto não estão a jogar muito acima ou abaixo do esperado, apontando para alguma mediania no desempenho.

Os números brutos do FC Porto ainda estão muito acima da média da liga, mas isso não só é algo esperado para um clube da sua estatura, como também contradiz os números individuais dos seus jogadores. No momento, os dragões dependem e muito de os seus jogadores terem performances acima do esperado.

Tensões fora de campo não são desculpa

Sabe-se também que há um clima de tensão nos bastidores do FC Porto, atualmente. Com a Operação Pretoriano e com o processo eleitoral em curso – que representa a maior ameaça ao comando de Jorge Nuno Pinto da Costa desde que se tornou presidente do clube -, há uma grande incerteza em torno do clube. Mas para Luís Freitas Lobo, “é difícil” que estas questões afetem os resultados em campo.

“É natural que a estrutura em si, no dia a dia, fique um pouco afetada. Mas não me parece que seja essa a razão, que seja esse o problema. Não me parece que o Porto vá perder jogos por causa disso. O problema é mais profundo, está muito além destas questões das eleições ou da Operação Pretoriano. O problema, pelo que analiso, é mesmo técnico, dentro daquilo que é a estrutura de um clube de futebol e o que deve presidir à contratação, à decisão dos jogadores a contratar, ao plano estratégico de política desportiva, e depois, em concreto, às opções que se tomam”, rematou o comentador.

“Sérgio Conceição com Villas-Boas… tenho muitas dúvidas”

Com a saída certa de Taremi e a necessidade de vender mais jogadores, entre eles, potencialmente, Diogo Costa, Evanilson e Pepê, o FC Porto precisa de se reestruturar, principalmente para fazer uma janela de verão melhor do que as que fez recentemente. Contudo, o clube precisa de ter muitas questões definidas. Uma delas, claro, é a questão administrativa. Mas Luís Freitas Lobo pensa que também deve haver mudança no comando da equipa principal caso Villas-Boas vença: “Sérgio Conceição com o André Vilas Boas… tenho muitas dúvidas que possa acontecer. Não estou a dizer que [vai ser assim], é mais uma questão de pressentimento pessoal.”

Na opinião do analista, também já está na hora de Conceição e o clube seguirem caminhos diferentes. Para ele, “o próprio Sérgio, nesta altura, em termos de carreira, precisa de um desafio diferente em relação àquilo que já fez e muito bem no Porto”. “Pelo que não acredito muito, sinceramente, que fique mais além desta época”, concluiu.

Editado por Filipa Silva