A Campo Aberto e a GARRA Porto ocuparam 40 caldeiras vazias no Porto com tabuletas a dizer “Quero Ser Uma Árvore!”. Filipa Guilherme, estudante do Programa Doutoral em Arquitetura Paisagista e Ecologia Urbana na FCUP, afirmou ao JPN que "o ecossistema urbano torna-se mais resiliente se conseguir acolher uma maior biodiversidade".

Ação promovida pelas associações ativistas ligadas ao ambiente, Campo Aberto e GARRA Porto

A ação foi promovida pelas associações Campo Aberto e GARRA Porto que espalharam tabuletas por 40 caldeiras vazias da cidade. Foto: Filipa Ferreira/JPN

As associações Campo Aberto e GARRA Porto promoveram, a 9 de fevereiro, uma ação de rua no Porto, tendo ocupado 40 caldeiras vazias – espaços nas ruas que já tiveram ou se destinam a ter árvores – com tabuletas a dizer “Quero Ser Uma Árvore!”. A iniciativa, que se estende da Foz a Campanhã e da Baixa à Asprela, apela à plantação imediata de árvores na cidade.

Em comunicado, a Campo Aberto afirma que a Câmara Municipal do Porto (CMP) “parece não ter no orçamento para 2024 nenhuma verba alocada à concretização do seu ambicioso Plano de Arborização da cidade. O plano, apresentado a 17 de maio de 2023, “identifica 200 quilómetros de ruas ‘passíveis de serem arborizadas’, além dos 156 quilómetros de ruas arborizadas atualmente existentes (e de 177 quilómetros não arborizáveis). Ou seja, é possível mais que duplicar as ruas com árvores na cidade. Mas o Plano parece continuar a existir apenas na gaveta“, referem as organizações.

Além disso, tanto a Campo Aberto como o GARRA Porto urgem a CMP a revelar o “cronograma para a concretização do seu plano de arborização do Porto”, salientando que “planos ambiciosos e cientificamente validados têm de facto interesse, mas apenas se houver recursos financeiros para que se tornem realidade. São urgentes ações concretas para preservar e promover a natureza na cidade; comecemos por estas 40 caldeiras, e avancemos rapidamente para mais ruas”, sugerem os ativistas.

Ainda no comunicado, a associação Campo Aberto salienta que “segundo um estudo de cientistas portugueses publicado recentemente na versão digital da revista “Landscape and Urban Planning”, e a que foi dado realce publicamente, as áreas de vegetação do Porto (árvores, arbustos e vegetação herbácea) diminuíram drasticamente desde 1947, pondo em perigo a biodiversidade e a qualidade da vida urbana”.

Filipa Guilherme, autora da tese e estudante do Programa Doutoral em Arquitetura Paisagista e Ecologia Urbana na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), declarou ao JPN que acredita que “a intenção [da CMP] seja aproveitar ao máximo o plano de arborização e intervencionar as ruas”. Apesar de reconhecer que “da parte dos habitats arbóreos já há algum esforço porque existem muitos parques”, constata que é necessário “tentar ver os habitats herbáceos por outra perspetiva”. “Eles também têm valor e devem ser, de alguma maneira, priorizados no sentido da sua conservação”, completou.

Assim, a também investigadora no grupo de Arquitetura Paisagista acrescenta que “como o Porto já é tão densamente construído e tem tão pouca vegetação, é importante tentar reduzir ao máximo a proliferação de novas urbanizações ou então tentar compatibilizar essas urbanizações ou essa construção com a salvaguarda de alguma vegetação e de alguns habitats”.

Filipa Guilherme notou ainda que “até podem haver muitos parques, muitos jardins cheios de árvores, mas, se não oferecem as condições adequadas a algumas espécies, elas acabam por desaparecer”, o que traz consequências, já que “todas as espécies trazem os seus benefícios”. “O ecossistema urbano torna-se mais resiliente se conseguir acolher uma maior biodiversidade”, rematou.

Os objetivos das duas organizações que promoveram a ação “Quero Ser Uma Árvore” são a melhoria da qualidade do ar e a promoção da biodiversidade e do bem-estar da comunidade. Esta ação é inspirada numa iniciativa já realizada em Coimbra pelo grupo «Eu também – Coimbra», sendo que as tabuletas foram reutilizadas dessa altura. 

A estudante da FCUP considera que esta iniciativa é relevante, visto que “dá às pessoas a consciência de que pode realmente ser feita alguma coisa e chama à atenção para tentar aumentar, naquilo que for possível, a prestação na cidade e, especialmente, no espaço público”.

Nos próximos dias, as tabuletas vão ser recolhidas pelos promotores da iniciativa para que possam ser utilizadas em outras cidades do país. As tabuletas foram colocadas em caldeiras presentes na Foz, Massarelos, Boavista, Carvalhido, Cedofeita, Amial, Antas, Asprela, Areosa, Baixa, Belas Artes e Campanhã.

 

Estudo indica que as áreas de vegetação “diminuíram drasticamente” no Porto desde 1947

A autora do estudo referido no comunicado da Campo Aberto revelou ao JPN que sentiu a necessidade de o realizar porque apercebeu-se que “algumas espécies, mais de fauna”, estavam a aparecer em espaços onde os investigadores esperavam que surgissem. “Por exemplo, em parques e jardins, surgiam espécies que, geralmente, associamos mais a espaços agrícolas”, apontou.

Filipa Guilherme referiu que “o que existia em 1947 eram, predominantemente, campos agrícolas, ou seja, vegetação herbácea”. A par destes, existiam “alguns espaços mais associados à produção florestal”. Fruto do percurso socioeconómico da cidade, “ou até do país”, o que ocorreu foi um progressivo “abandono das práticas agrícolas e florestais e claro que, geralmente, as zonas abertas, os campos, isto é, os habitats herbáceos, também acabaram por ser as zonas mais utilizadas para novas urbanizações”, explicou.

A estudante da FCUP indicou que foram estudadas “fotografias aéreas de 1947 e 1979” e, depois, “uma fotografia de satélite mais recente”. Posteriormente “foi feita a interpretação visual das imagens e classificaram-se as zonas em zonas de vegetação herbácea, zonas de vegetação arbórea e zonas construídas“. Assim, foi tida em conta a evolução “ao longo de três períodos, 1947, 1979 e 2019”, tendo-se conseguido analisar “a evolução dos diferentes tipos de cobertura do solo como, por exemplo, as zonas que se mantiveram mais estáveis ao longo do tempo”.

Com isto, apurou-se que “as áreas com vegetação arbórea se mantiveram mais ou menos constantes”. Além disso, “notou-se algum tipo de preocupação em preservar as maiores manchas da vegetação arbórea, geralmente em parques, e mesmo algumas que pertenciam a quintas antigas foram adquiridas pela Câmara ou outro tipo de instituição e transformadas em parques”, salientou.

Contudo, os “resultados mais extremos” dão-se no que toca aos habitats herbáceos que “são sempre desvalorizados”. Ou seja, “enquanto que a importância dos habitats arbóreos já é relativamente reconhecida, os habitats herbáceos ainda são muito associados a zonas degradadas”. “Não há preocupação em conservar este tipo de áreas e é um erro”, avisa, “porque, muitas vezes, são áreas ricas”, que “têm muita água, solos ricos” e “importância para a biodiversidade”.

Editado por Filipa Silva