A utilização de práticas sustentáveis na moda pode ser uma alavanca para a construção da identidade de uma marca. É nisso que acreditam as designers Joana Duarte e Maria Carlos Batista com quem o JPN falou sobre o tema. Carla Silva, do CITEVE, aponta exemplos de iniciativas criadas para assegurar que a informação que chega ao consumidor é fiável.

Na moda, há cada vez mais marcas a fazer da sustentabilidade um trunfo. Foto: Beatriz Basto/JPN

Joana Duarte e Maria Carlos Batista têm em comum o facto de serem jovens designers e de terem projetos na área da moda que procuram afirmar-se pela aposta na inovação e na sustentabilidade.

A proteção do artesanato português faz parte da missão da Behén, marca de Joana Duarte. Foto: Diogo Santos/D.R.

Para a fundadora da BÉHEN, Joana Duarte, a aproximação aos ofícios tradicionais – as craft, na designação anglo-saxónica – possibilitou a junção dos dois conceitos. Para além de se afastar de uma ideia de moda massificada, a BÉHEN quer destacar-se pela utilização de técnicas ancestrais, nacionais e não só. 

A designer de 28 anos aposta sobretudo na herança do artesanato português, não descurando a pesquisa de práticas seguidas noutros países. A Índia, local de onde concedeu a entrevista ao JPN, é o local que espoletou na designer o interesse pela produção ética e a colaboração com comunidades artesanais locais. 

Maria Carlos Batista aposta no ‘upcycling’ para fazer peças de caráter clássico, com maior esperança média de vida. Foto: D.R.

A Maria Carlos Baptista, designer de 32 anos, fascina-a o poder da tecnologia para gerar novidade e revolucionar os padrões da indústria: “Não podemos negar [o uso da tecnologia] com a desculpa de que estamos a ir contra os cânones, porque tudo o que vier e quanto mais inovador, melhor”, afirma ao JPN.

Além da tecnologia, grande parte do seu trabalho é desenvolvido a partir de upcycling, isto é, do reaproveitamento de materiais têxteis existentes para criar outros produtos, únicos, aos quais procura associar valor emocional e qualidade.

Embora seja um processo demorado, trata-se de um elemento-chave para o trabalho que as duas designers desenvolvem. Os projetos das designers, baseados num método personalizado, para públicos específicos, reconhecem a responsabilidade de reeducar o cliente e criar impacto na sociedade de consumo.

Construir uma identidade

No caso de Joana Duarte, as “gavetas e gavetas com toalhas” deixadas pela avó deram início ao seu processo criativo. Surgiu a questão: “O que é se faz com esta quantidade de toalhas bordadas para mesas?” A adaptação à modernidade, de mãos dadas com os têxteis antigos, ajudaram a designer a criar a sua identidade. Para além disso, procura trabalhar ideias atuais com artesãos que praticam “técnicas de há muitos anos, que vêm de gerações de famílias habituadas a fazer um certo tipo de trabalho, com um certo material”.

De igual modo, Maria Carlos Baptista procura tecidos que ofereçam história ao seu trabalho, com a sustentabilidade em pano de fundo: “Procuro os meus materiais e pretendo uma coleção sustentável, mas que tenha um cunho de luxo, com peças em pele, peças em lã, tudo muito bem tratado”. A estilista destaca a importância das peças clássicas na busca da criação do que chama de “peças statement”: “uma peça clássica é intemporal, é mais duradoura” e resulta num tipo de imagem com a qual a designer se identifica.

Maria Carlos Baptista quer expressar uma mensagem de movimento em tudo o que cria. Proveniente do mundo da dança, confessa que arranjar um meio para se expressar “foi desafiante, ainda por cima com o tecido, que não tem vida, não tem energia”. Aliada a esta premissa, Maria Carlos explica que a sua identidade completa-se com as “as melhores condições de sustentabilidade” que pode aplicar à sua escala.

Joana Duarte acrescenta, por sua parte, que para que uma marca expresse os seus valores “não basta” ter uma narrativa, um “storytelling“. Um projeto precisa de “ter um propósito, acompanhado de um impacto na comunidade”, e esse é também um aspeto presente na matriz da BÉHEN. Joana Duarte confessa que, por ser uma marca recente, é difícil “medir” o impacto social da BÉHEN, mas perceciona a influência do trabalho que desenvolve nos projetos de alunos da área e de designers em crescimento.

Por outro lado, a autora considera que a prática de “técnicas tradicionais, conectadas de raiz com a própria natureza, com respeito por ela, o respeito pelo tempo”, como é o caso dos bordados e da costura, bastante presentes nas suas criações, enquadra-se também na lógica ambiental e sustentável que busca.

O perigo do greenwashing

No campo da “sustentabilidade” e da “produção ética” há que escrutinar o uso dos conceitos pelas marcas, considera Joana Duarte. “Até que ponto é que os conceitos são verificados? Até que ponto é que não é greenwashing?”, questiona.

A formação do consumidor é outro fator “muito importante” tendo em vista a tomada de decisões conscientes, defende Maria Carlos. Hoje, a produção acontece em “quantidades excessivas, com uma rapidez tão grande” que o cliente já não consegue ter uma ligação emocional com as peças que adquire.

E se a produção de roupa é massiva, a de informação também. As trends, em particular, e as redes sociais, em geral, constituem um fator de instabilidade no mundo da moda, defende a fundadora da BÉHEN. e não há uma “fórmula” para chegar até ao consumidor, sendo cada vez maiores os desafios enfrentados por quem cria. “Está sempre tudo a mudar, honestamente, quase a cada minuto”, observa Joana Duarte.

Ambas as designers defendem que “estamos perante uma indústria muito grande”, que dificilmente pode ser sustentável a todos os níveis da cadeia. Daí que muitas das tentativas não passem, nas palavras de Maria Carlos Batista, de “um trigger que leva as pessoas a acharem que estão a ajudar o planeta”.

Consumidor vs Indústria

No capítulo das garantias de informação fiável ao consumidor operam organizações como a Comissão Europeia (CE), responsáveis por iniciativas que visam contribuir para uma mudança de “todo um hábito de consumo que fomos instituindo com a moda barata”, como explica Carla Silva, diretora do departamento de Química e Biotecnologia do CITEVE (Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário). As Etiquetas-passaporte, que detalham a constituição e as etapas de produção de cada peça, são disso um exemplo. 

Carla Silva. Foto: CITEVE events

Ao JPN, a investigadora defende que “a sustentabilidade não é algo recente”, mas aponta que esta é impulsionada pela estratégia da CE. Medidas como a proibição de enviar para aterro e para incineração qualquer resíduo têxtil (a entrar em vigor a partir de 2025) e o European Action Plan são alguns exemplos dos esforços feitos pelas autoridades europeias de forma a fomentarem uma indústria da moda mais sustentável e ambientalmente consciente.

O CITEVE, sediado em Vila Nova de Famalicão, é uma organização privada sem fins lucrativos e também tem a sua quota de responsabilidade nesta matéria. O centro existe para dar apoio ao desenvolvimento da inovação e da criatividade das empresas do setor têxtil, através da investigação científica e da tecnologia. O aparecimento e o desenvolvimento de práticas sustentáveis no setor da Indústria do Têxtil e do Vestuário (ITV) partem, também, de “investigações, do papel feito pelo CITEVE e outras associações e do Governo”, refere Carla Silva.

Associada à sustentabilidade têxtil, surge também a durabilidade de um produto. A conservação de uma fibra está intrinsecamente ligada à sua composição. Atualmente, o poliéster é a fibra mais consumida na ITV e embora não seja a alternativa mais sustentável – Maria Carlos Batista apelida mesmo de “diabólico” o uso deste material em países como a China – é a que apresenta maior resistência mecânica. Carla Silva afirma que não há “fibras de celulose com a mesma resistência, que nos consigam dar essas propriedades”.

A investigadora defende que, muitas vezes, por forma a obter uma peça que seja durável e que seja ela mesma sustentável é necessário recorrer a produtos de origem fóssil: “investimos numa peça que vai durar muito mais tempo, mas que pode ter produtos de origem fóssil”.

Relativamente à produção de materiais têxteis, Portugal encontra-se numa posição de vantagem relativamente a outros países europeus. Embora não tenha capacidade de produzir fibras, a indústria nacional possui toda a cadeia de valor de um produto. Com a aquisição das várias matérias-primas, as empresas são capazes de “fazer os fios, as estruturas têxteis, acabar, confecionar e embalar a peça”, ficando esta pronta para exportar, segundo a investigadora do CITEVE. 

Editado por Filipa Silva

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de TEJ Online – 2.ºano.