Sobrinho Simões, reconhecido investigador na área do cancro do estômago e da tiróide, médico e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto [FMUP], “universitário típico”, fala-nos da evolução da ciência no pós-25 de Abril. Salienta o desenvolvimento tardio da investigação em Portugal e a importância da separação entre investigação e universidade.

(Esta entrevista foi realizada por altura das comemorações dos 30 anos do 25 de Abril)


Como recorda, na sua experiência pessoal, os anos que antecederam o 25 de Abril?

A ciência era muito parecida com o resto. Portanto, Portugal era um país periférico, como continua a ser… Nessa altura era mais pobre e tinha maior isolamento internacional. E, portanto, a ciência – que por definição é necessariamente internacional – sofria muito com esse isolamento. Recordo com uma tonalidade bastante acinzentada aquilo que era a nossa relação com o exterior, muito limitada, por razões políticas e económicas, etc.

Como é que viveu o 25 de Abril?

Eu estava cá e era já assistente da faculdade [FMUP]. E o ambiente foi inicialmente muito simpático. Toda a gente – ou quase toda a gente – achava que esta coisa tinha mesmo de mudar. A Faculdade de Medicina do Porto tinha uma tradição de alguma oposição ao regime… Havia muitos de nós que éramos vagamente esquerdistas…
Depois, houve rapidamente a noção de que em termos, por exemplo, da estrutura universitária, as coisas não iam melhorar. Não tivemos capacidade de utilizar as modificações políticas para introduzir, simultaneamente, maior democracia sem perder estigmas de competência. Portanto, houve alguma degradação, por exemplo, no que diz respeito à passagem dos alunos, que passou a ser uma passagem automática…
Portanto, como é que eu recordo, nesse aspecto, o 25 de Abril? Com uma ternura muito grande, de simpatia… Com uma generosidade enorme, mas com muita “bagunçada” em termos escolares.

Mas na investigação…

Nós deixámos de ter “numerus clausus”: 1.800 alunos entraram-nos num ano aqui na faculdade [risos]. O que tivemos foi que dar vazão a milhares e milhares de alunos. Eu, por exemplo, passei a fazer ensino permanente. A investigação acabou nessa altura. Porque nós, durante quatro ou cinco anos não pudemos fazer nada, tínhamos era alunos… E a estrutura estava desorganizada, e houve uma mudança muito grande das políticas.
O apoio estatal diminuiu muito porque, também compreende-se, Portugal era um país muito pobre e tinha outras prioridades. E, portanto, alguma da pressão política foi feita para reforçar aspectos como a educação básica, ou a saúde, ou a habitação. Portanto, nós não tivemos reforço de verbas para a investigação. Mas também não podíamos investigar porque estávamos, naquela altura, a apanhar os cacos da desorganização universitária…

Mas no período antes do 25 de Abril, nos inícios da década de 70 e nos anos que antecederam a revolução, como é que sentiu a investigação?

Na passagem do Estado Novo para o Marcelismo, há a noção de que é importante apostar na qualidade e na internacionalização. Para ser justo, acho que o tempo de Marcelo Caetano é uma fase de algum esforço de desenvolvimento. Mas continuávamos no fim da linha, porque tínhamos uma coisa que era terrível: a guerra em África e isso não tinha solução dentro do regime…

E nos anos logo a seguir?

Logo a seguir é uma bagunçada… Nenhum de nós pensou em investigação…

Quando é que se retomou a actividade científica “normal”?

Não se retomou tão cedo… A investigação científica em Portugal só vem a ser retomada quando Mariano Gago foi para presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT). Introduz duas coisas que são extraordinárias que são, por um lado, a avaliação externa – isto é, nós não temos em Portugal nenhuma noção de “accountability”, ninguém presta contas, ninguém é avaliado… Por outro lado, forçou a internacionalização. Com Mariano Gago, em 1986, nós passamos a mandar [para o estrangeiro] todos os “miúdos” com qualidade que queriam fazer os doutoramentos lá fora.
Esses são os dois grandes saltos: é a internacionalização a sério, e a avaliação externa… E isto deu um salto extraordinário em Portugal. Tínhamos pouquíssimos doutorados em Portugal, e passamos a ter muitos mais doutorados e de qualidade.

Mais de 30 anos depois, qual é a relevância da investigação científica que se faz em Portugal, relativamente à do estrangeiro?

Melhorámos muito. Indiscutível. Mas não nos aproximámos tanto como nos devíamos ter aproximado. Isto é, temos nichos de excelência, como a biologia molecular. Agora, a nossa média não é ainda, de forma nenhuma, semelhante à de um país europeu desenvolvido. Nem em número de doutorados, nem em produção científica, nem em relações da investigação científica com a universidade… Estamos ainda muito longe de nos podermos considerar, por exemplo, ao nível da Inglaterra, ou da Alemanha ou da França.

Qual considera que poderá ser o futuro da investigação científica em Portugal?

Não sei, porque vai depender muito da forma como a universidade se desenvolver… Mais importante do que o governo – que é importante porque dá mais ou menos dinheiro – é ver como é como as instituições se vão posicionar face à investigação. Quando penso em investigação, não penso só em investigação científica, penso em investigação científica e inovação.
Se a universidade quiser incorporar a investigação e a inovação como elementos motores do seu desenvolvimento, nós temos gente muito boa… [Assim] vai-se dar ainda mais um salto. Se a universidade se refugiar numa coisa muito corporativa de dar diplomas, o nosso futuro não é tão risonho quanto isso…

Letícia Amorim