Porto Feliz, um ano depois
– Porto Feliz: SAOM apoiam ex-utentes nas ruas da cidade
– Porto Feliz: Houve falta de articulação dos meios da cidade
– Porto Feliz: Arrumadores “incentivados” na esquadra
– Porto Feliz: Uma “grande perda” para alguns utentes
– Porto Feliz: Facturas “eram pagas ilegalmente”, denuncia presidente do IDT
– “Não há combate à toxicodependência” no Porto
A história do Porto Feliz remonta a Janeiro de 2002, quando a Câmara do Porto conheceu o actual presidente, Rui Rio. Depois de uma campanha na qual prometeu a “erradicação” dos denominados arrumadores em um ano, o candidato social-democrata confirmava a sua intenção. Numa entrevista ao “Jornal de Notícias” de 6 de Janeiro de 2002, Rui Rio reafirmou que a resolução do problema dos arrumadores tinha “como limite 2002”.
Em Junho do mesmo ano, a autarquia dava início ao Porto Feliz, um programa concebido por três professores da Universidade do Porto (UP): Cândido Agra (da Faculdade de Direito), Carlos Mota Cardoso e João Marques-Teixeira (ambos da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação).
“Contribua, não dê nada, nós damos por si”
Uma das vertentes do Porto Feliz consistiu numa campanha de desincentivo à oferta da habitual “moedinha” aos arrumadores. Marques-Teixeira, coordenador científico do programa, considera que o objectivo foi atingido.
Mota Cardoso chegou a afirmar ter anotado trabalhos de Luís Fernandes, também professor da UP, durante a planificação do Porto Feliz. Luís Fernandes confirmou ao JPN ter sido “convidado” a integrar a equipa, o que recusou. O professor não explicou os motivos da rejeição, argumentando que o Porto Feliz é “assunto arrumado”.
Arrumadores eram “maioritariamente toxicodependentes”
João Marques-Teixeira, que exerce, entre outras, as funções de director da Unidade de Investigação em Saúde Mental e Psiquiatria do Centro Hospitalar Conde de Ferreira, explicou ao JPN que, numa primeira fase, o programa destinou-se ao tratamento e reinserção dos arrumadores da cidade que, “muito embora sendo maioritariamente toxicodependentes, havia uma percentagem que não o era e também tinha que ser reinserida”. Numa segunda fase, afirma, o Porto Feliz estendeu-se aos sem-abrigo.
Segundo Matilde Alves, actual vereadora da Acção Social e presidente da Fundação Porto Social, para além da Câmara do Porto e da fundação, que se assumiu como “executora do projecto”, existiram diversas entidades envolvidas directamente no Porto Feliz.
De acordo com a vereadora, o Ministério da Saúde, através do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), e a Segurança Social foram co-financiadores, o Centro Hospitalar Conde de Ferreira tratou dos internamentos, o Hospital Joaquim Urbano ocupou-se do tratamento das doenças infecto-contagiosas e a Ordem dos Médicos Dentistas colaborou no tratamento dentário.
Por e-mail, Matilde Alves disse ao JPN que “o investimento total do programa, de 2002 a 2007, foi de cerca de 5,5 milhões de euros”, sendo que o financiamento do IDT situou-se um pouco acima do milhão e meio, “desde Agosto de 2002 a 15 de Novembro de 2006”.
Ao que o JPN apurou, no primeiro ano do programa, o Porto Feliz funcionou apenas com fundos da Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto (hoje denominada Fundação Porto Social). Depois passou a contar com um investimento superior a 50% da parte da Segurança Social, sendo o restante coberto, em partes iguais, pelo IDT e pela fundação.
Recomendação da União Europeia
Segundo Marques-Teixeira, o Porto Feliz “foi avaliado externamente várias vezes, de tal maneira que chegou a sair uma recomendação da comunidade europeia, recomendando este projecto como um dos projectos de boas práticas a ser implementado na Europa para este tipo de problemas”. João Goulão, presidente do IDT, diz que o organismo nunca teve “acesso a algum comprovativo da veracidade desta afirmação”.
Porto Feliz foi um “instrumento de propaganda política”
A 4 de Julho de 2006, Rui Rio prestou esclarecimentos sobre o Porto Feliz perante os deputados da Comissão Parlamentar de Saúde, a pedido de João Semedo, deputado do Bloco de Esquerda (BE). Semedo, que no início do Porto Feliz era director do Hospital Joaquim Urbano, disse ao JPN que naquele dia previu o desfecho do Porto Feliz. “Ficou para mim claro que o presidente Rui Rio se queria libertar do programa e que andou à procura de uma forma que politicamente lhe fosse favorável para acabar com o programa”, afirma.
João Semedo considera que o Porto Feliz foi um “instrumento de propaganda política” que Rui Rio “partidarizou”. Para o deputado do BE “prometer bons resultados aos portuenses é demagogia, é mentir”, pois “ninguém tem receitas mágicas para a toxicodependência”. “Todos têm que aprender com todos”, conclui.
Tendo em conta que “há arrumadores que não têm nada a ver com nenhum comportamento desviante”, João Semedo afirma que “um programa que olhou para esta realidade mal definida como arrumadores está condenado ao insucesso, porque todos eles necessitam de linhas próprias de intervenção”.
“Era preciso fazer uma avaliação séria dos resultados do Porto Feliz”
Por outro lado, o ex-director do Hospital Joaquim Urbano considera que “não há recuperação, não há tratamento que seja exterior à vontade do próprio”, pelo que “não é pondo a polícia atrás das pessoas que estas ganham vontade de se tratar”. A mesma opinião tem Marques-Teixeira, que garante que a intervenção policial se baseava na “gestão de conflitos” entre arrumadores. “Um toxicodependente que não se quer tratar não se trata nunca”, afirma.
João Semedo discorda da metodologia aplicada no Porto Feliz, mas olha para o programa como um “contributo sobre o qual era preciso fazer uma avaliação séria de resultados, sem preconceitos”. “Seguramente que o Porto Feliz também teve aspectos positivos”, com os quais “é preciso aprender”, afirma.
Para o ex-director do Hospital Joaquim Urbano, o Porto Feliz “contribuiu para aproximar muitos daqueles cidadãos da porta de um hospital e de uma assistência médica mais regular”.