Quando o assunto é o Decreto-Lei n.º 3/2008 só há conformidade generalizada num único aspecto: a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), a metodologia da Organização Mundial de Saúde (OMS) que selecciona os alunos para o ensino especial, é um processo “complexo”.
A avaliação das crianças torna-se um processo bastante difícil, exaustivo e repleto de dilemas. Mais um problema, a agravar as denúncias efectuadas pelos pais a propósito das escolas de referência, juntamente com as dificuldades demonstradas pelos professores de ensino regular em ensinar as crianças com necessidades educativas de carácter ligeiro.
Basicamente,o processo consiste em preencher um questionário, tarefa realizada, através de uma equipa multidisciplinar constituída por entidades como o professor do aluno, em parceria com médicos, psicólogos e também com os pais da criança, em vários momentos do ano curricular. Ao analisar as respostas são verificadas as capacidades funcionais e as potencialidades do aluno. A partir daqui, é decidido se o aluno deverá, ou não, ingressar no ensino especial. Para além disso, este documento também se avalia o aluno durante o ano curricular.
No entanto, estes requisitos são muitas vezes difíceis de cumprir, devido à indisponibilidade do médico de família e de psicólogos de se dirigirem às escolas para presenciar a avaliação do aluno.
“Tem havido muito equívoco sobre a correcta utilização da CIF”, diz, peremptório, Fernando Mack, presidente da Federação Regional das Associações de Pais do Porto. “A Classificação Internacional da Funcionalidade não elege os alunos para a educação especial nem directamente os avalia.”
“Os resultados obtidos é que devem ser referenciados à CIF, a fim de se obter o perfil de funcionalidade de cada aluno que permita identificar como deve ser ajudado pelos diversos profissionais”, remata Fernando Mack.
“A CIF ainda tem muito para andar. Não foi completamente testada e adequada. É um processo que ainda está muito no início e que tem de melhorar certamente”, conclui Eduarda Carvalho, docente de ensino especial, que confessa ter tido várias dificuldades ao preencher o referido questionário.
“Eu, como coordenadora de educação especial do meu agrupamento, tive uma formação de 50 horas disponibilizada pelo Ministério da Educação. Depois disso, senti-me na obrigação de dar formação aos meus colegas do agrupamento. Para a aprendizagem do CIF, tive um módulo de dez horas que a meu ver foi claramente insuficiente”, confessa, ao JPN, Eduarda Carvalho.
CIF não deve ser utilizado “isoladamente”
Já o professor José Gomes [nome fictício] desdramatiza a situação.”O mais importante de tudo é a percepção em contexto. [A CIF] fornece informações para formatar a nossa resposta, não para a determinar. Não levamos à regra a metodologia”, diz o docente. Até porque, “se a CIF for utilizada para avaliar é um desastre”, salienta José Gomes, que defende que o documento nunca deve ser utilizado “isoladamente”, mas sim como “mais uma ferramenta” de trabalho.
Eduardo Alves, docente de ensino especial, defende que”se devia ter procedido a um amplo debate” sobre o assunto. “De facto, pegar-se na CIF como referência para uma avaliação educacional é no mínimo bastante arriscado e foi o que aconteceu”, explica.
“Estou convencido que em Portugal de uma forma um bocadinho leviana estamos a utilizar uma classificação que não está testada e muito menos aferida. O que, na minha opinião, não deixa de ser uma perigosa e grave presunção nossa”, acrescenta o docente de educação especial.
Vítor Gomes, coordenador de ensino especial da FENPROF, não poupa nas críticas no que toca à aplicação da CIF.”O Ministério da Educação demonstrou ser ignorante”, ataca o responsável, para quem a medida significa um recuo nos “avanços” portugueses na área da educação.