O Porto é a cidade do país com mais bairros sociais. Nestes aglomerados habitacionais vive 20% da população portuense. Já as chamadas “ilhas” são compostas por 1300 casas, albergando sobretudo pessoas que precisam de viver na cidade, mas têm dificuldades financeiras.
O fenómeno, no entanto, não é novo e as razões que levam as pessoas a viver nestas habitações mudam com o tempo. Foi com o intuito de perceber esta realidade que Virgílio Borges Pereira, sociólogo e professor da Universidade do Porto (UP), apresentou recentemente o estudo “Ilhas, bairros sociais e classes laboriosas na cidade do Porto (1956 – 2006″)”.
As “ilhas” e os bairros sociais
As ilhas surgiram como resposta ao aumento de trabalhadores pobres a viver nas cidades. O fenómeno adensa-se com a revolução industrial, sendo, nos anos 50, “substituído” pelo crescimento do número de bairros sociais (ao abrigo do “Plano de Melhoramento da Cidade do Porto” adoptado na altura). A posterior desindustrialização trouxe uma certa marginalização às infra-estruturas, passando as mesmas a adquirir uma conotação negativa.
O projecto surgiu da necessidade de “aprofundar conhecimentos sobre a génese de segmentos específicos do espaço social portuense”, explica o investigador. De trabalhos anteriores da equipa do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) que lidera, ficou a noção de que “seria necessário investigar em profundidade o modo como a relação entre a sociedade e Estado se foi estruturando ao longo do século XX”.
Os “principais problemas, resoluções e impasses” que atingiram a população portuense ao longo do espaço temporal analisado foram investigados, assim como “as trajectórias urbanas e sociais daqueles que se viram envolvidos nestes processos”, comparando a situação portuense com “outras situações análogas em cidades europeias”.
Vinte investigadores, 750 famílias, duas mil pessoas
“Existe, a propósito da cidade do Porto”, explica Virgílio Borges Pereira, “uma tradição relevante” de “estudos sobre o fenómeno habitacional e urbano”. Estudos disponíveis de áreas como a engenharia, o urbanismo ou a sociologia foram fulcrais para entender “aspectos importantes dos fenómenos habitacionais na cidade”. “A possibilidade de dialogar com várias décadas de trabalho nestes diferentes domínios foi, sem dúvida, um factor relevante para o desenvolvimento do trabalho”, declara o sociólogo.
Para tal, a equipa reuniu “especialistas nacionais e estrangeiros”, entre “sociólogos, historiadores políticos e económicos”, juntando, também, “contributos de especialistas em arquivos” e “a consultoria de peritos em política habitacional e em arquitectura”. Ao todo, mais de vinte investigadores estiveram envolvidos no projecto, que recebeu o apoio de diversas instituições portuenses e contou com a participação de 750 famílias entrevistadas (perfazendo um total de cerca de duas mil pessoas).
Um projecto de tal envergadura, claro está, apresenta sempre alguns contratempos. Segundo explica Virgílio Borges Pereira, as principais dificuldades prenderam-se com a “metodologia da pesquisa”, pois “foi necessário estudar muita documentação institucional” e “nem sempre esta se conservou e nem sempre é fácil ter acesso à que permanece” por “não estar organizada e tratada”.
“Muito do nosso trabalho passou por um esforço de identificação, salvamento e reconstituição de informação e de arquivos, o que não é fácil”, explica. “Este trabalho é muito moroso e exigente”, entende. Exigente foi, também, o trabalho de inquérito às famílias. “Estivemos com a equipa no terreno em inquérito durante mais de um ano”, acrescenta. O projecto, esse decorre há já três anos.
Conclusões
As conclusões do estudo foram diversas. A evolução dos bairros sociais do Porto divide-se em “marcos relativos à história política” que influenciaram as escolhas habitacionais. No período “que vai até cerca dos anos 1930”, o “reconhecimento político efectivo dos problemas habitacionais” era “muito limitado”. Um “período posterior a 1933” e que “se prolonga até aos anos 1960” seria, mais tarde, “responsável pelo ‘programa das casas económicas'”. Durante este período, houve edificação de aglomerados habitacionais, mas “não é suficiente para resolver os problemas habitacionais da cidade”, especificamente os “problemas de sobrelotação no centro histórico e as ilhas”.
1956 acaba por ser um “marco fundamental”, pois, “no quadro do ‘programa de melhoramentos para a cidade do Porto'”, foram edificados os grandes bairros sociais que hoje conhecemos. Foi nesta altura que os “habitantes das ilhas da área central” foram “transferidos” para os bairros construídos “na periferia da cidade”.
Hoje em dia, “as ilhas continuam a ser espaços de dificuldade habitacional”, explica o professor. Mas são também “espaço de relações sociais intensas”, aspecto que, frequentemente, “os seus habitantes valorizam muito positivamente”. “Os bairros, na sua diversidade, possuem características que são tributárias dos diferentes modelos de política que os inspiraram”, constata. Nesse sentido, e apesar de todas as “histórias de dificuldades”, acabariam por representar uma “melhoria das condições habitacionais daqueles que os começaram a habitar”.
Mesmo assim, a convivência dos seus habitantes com a cidade não foi pacífica. “Ao longo das décadas”, entende o professor, “as trajectórias seguidas pelos contextos e as pessoas nem sempre foram de convergência com a cidade e a sociedade modais”. Até mesmo entre bairros não se encontra harmonia, pois “os grandes bairros de habitação colectiva da cidade estão longe de ser todos iguais e de possuir características generalizadas de homogeneidade social”.
Os bairros sociais, hoje, “são bastante marcados por uma grande sensibilidade à pobreza, desemprego”, sendo esses os “dois maiores problemas da cidade”. Por isso mesmo, entende o sociólogo, o futuro destes espaços tem de passar pela “persistente qualificação dos espaços e pela produção de políticas que sejam capazes de garantir a qualificação das pessoas”. Sendo assim, para o professor, “a alternativa nos bairros sociais é um programa de desenvolvimento”.