“Mi Ku Bô é crioulo e quer dizer ‘Eu e tu'”, revela a vocalista Inês Loubet. O nome reflete o sentimento de comunidade que se manifesta em todas as músicas do coletivo. Os Mi Ku Bô, no seu todo, representam uma comunhão de melodias, uma mescla harmoniosa de géneros musicais que anseiam por partilhar com o seu público. Por isso mesmo, Mi Ku Bô, representa “Eu”, a banda, que se dá ao “tu”, quem ouve. Mi Ku Bô são, ao fim e ao cabo, todos nós.

A banda era, em 2009, composta pela voz de Inês Loubet e por Telmo Sousa nas guitarras. Mais tarde, evoluiu para um trio com a chegada de uma “força rítmica”, a de Francisco Beirão, que se apoderava da bateria. Sempre por via da amizade ou porque se encontraram a estudar música, os Mi Ku Bô foram crescendo e são hoje cinco elementos. Os dois últimos juntaram-se, mais tarde, à amálgama musical: Mariana Pedro no violoncelo e percussões e o cabo-verdiano Renato Monteiro, que se dedica às guitarras e ao cavaquinho.

À medida que a formação da banda foi evoluindo para uma massa musical maior, também o estilo de Mi Ku Bô se foi transformando e foi-lhes permitido ousar cada vez mais. “Sofremos uma mudança. No início éramos uma banda de bossa-nova, depois começámos a tocar, também, música cabo-verdiana. O nosso objetivo é continuarmo-nos a dedicar à música afro-brasileira”, declara Loubet. A ideia é permanecer o princípio de fusão musical. Catalogados como World Music, desde o início que os Mi Ku Bô pretendiam explorar a mistura de música brasileira com a africana. Tudo começou ao conhecer a famosa parceria entre o emblemático guitarrista brasileiro, Baden Powell, e o não menos proeminente escritor Vinícius de Moraes. Aliás, uma das canções presentes no primeiro disco da banda é precisamente uma versão de “Berimbau”.

“Tocávamos música brasileira e ouvíamos muito Baden Powell e Vinícius e a música deles é influenciada pela africana”, disse Telmo Sousa. “Conhecíamos a música brasileira e música tradicional africana. Quando ouvimos a mistura, que se deve essencialmente a Baden Powell, ficámos entusiasmados”, acrescentou a vocalista.

A fase de definição do som dos Mi Ku Bô, na opinião de Francisco Beirão, foi mesmo a gravação do disco homónimo. “Aí decidimos se nos queríamos colar à música tradicional ou pegar naquilo que sabemos dela (que é sempre pouco porque, fora o Renato, não somos do Brasil nem de Cabo Verde) e investigar e tentar dar-lhe um cunho pessoal, o que acho que conseguimos fazer tanto no disco como no repertório ao vivo”, afirma.

Não há fronteiras na música

O princípio que a banda defende em absoluta unanimidade é o de que não há limites na música. “Não pode haver fronteiras. As fronteiras somos nós que as fazemos e já basta aquelas que há cada vez que temos de atravessar um país ou ir a uma repartição de finanças”, ironiza Francisco Beirão. Telmo Sousa é da mesma opinião: “Se não houvesse essa procura em tentar misturar géneros, a música não evoluía. O encontro de diferentes culturas é que faz com ela cresça e fique mais rica”. “Sem nos distanciarmos muito do respeito tradicional e das raízes, até porque assumimos essa atitude”, lembra a vocalista.

Prova de diversidade é o álbum de cinco temas que a banda lançou em formato de demonstração. Três faixas cabo-verdianas e duas brasileiras compõem o seu primeiro registo discográfico. A abordagem de Mi Ku Bô vem refrescar o panorama musical português e muito da sua riqueza deve-se não só à investigação das culturas musicais que resolveram fundir, mas também às diferentes formações que tiveram enquanto músicos.

Por entre o estudo da música jazz, clássica, da música tradicional de Cabo Verde, do rock e do funk, muitas são as inspirações e conhecimentos que os membros transportaram para este trabalho. “O Renato, por exemplo, veio da tradicionalidade pura de Cabo Verde. Chegou de lá há dois anos e tocava música tradicional. Quando chegou, disse-nos o que devíamos mudar, o que foi importantíssimo para o nosso grupo”, destaca a vocalista.

Renato Monteiro escreveu o único original da banda gravado no álbum, “Nha Terra”, que foi, ainda, inteiramente musicado pelos Mi Ku Bô. Este é o tema que o grupo considera um dos mais marcantes do seu repertório e pretende continuar a investir na escrita de originais, inclusive em português. “Nha Terra fala de Cabo Verde, de saudades da terra, porque desde que cá cheguei ainda não voltei lá. Bateu-me a saudade e escrevi a letra”, recorda o músico.

A canção adaptada de “Zita”, de Mário Lúcio, é outra que a banda guarda com especial carinho. “Essa música, para além de ser muito bonita, fala sobre algo igualmente bonito que é a mãe, o conceito de mãe seja ele qual for, a mãe física ou a mãe natureza”, destaca o baterista, continuando. “Ficou-me marcado um concerto que demos em trio, em Vila Real, numa casa lindíssima que era uma espécie de associação cultural. Estava a chover lá fora, uma grande tempestade e muita gente concentrada na música. Foi um concerto incrível, à luz das velas, e nunca mais me esqueço desse momento.”

Telmo Sousa garante que o trabalho do grupo “tem soluções interessantes e, talvez, pouco ouvidas, mas ao mesmo tempo aquele ‘groove’ africano que faz com que as pessoas consigam seguir a música e senti-la de uma forma primitiva”. “Força, esperança, energia” lançam os músicos de Mi Ku Bô. Afinal, é uma “mensagem positiva” que pretendem transmitir. “A energia de quem acredita nunca acaba”, confirma Inês Loubet.

Os Mi Ku Bô acreditaram e colocaram toda essa energia no disco que acabam de lançar. Inteiramente gravado na Fábrica de Som, aquele que era para ser apenas uma pequena demo transformou-se num trabalho bem concebido, com colaborações de músicos como o uruguaio Andres “Pancho” Tarabbia e Miguel Marinho. O CD será apresentado esta quinta-feira, às 23h00, no portuense Breyner 85.